EDITORIAL
MANAUS – Desde o ano 2000, quando o então governador Amazonino Mendes pôs em leilão a Cosama (Companhia de Saneamento de Manaus), os discursos caminham em direção oposta à prática. Naquela ocasião, vendia-se a ilusão de que a iniciativa privada seria mais competente do que o poder público para gerir os serviços de água e esgotamento sanitário de Manaus e investir para para levá-lo a um padrão europeu.
Essa mesma promessa apareceu com a entrada do setor privado na exploração do gás natural, quando o Governo do Amazonas criou, na ocasião, a Cigás (Companhia de Gás do Amazonas). Hoje se sabe que mesmo com 51% das ações ordinárias, o Estado do Amazonas detém apenas 17% das ações preferenciais (que dá prioridade aos sócios na partilha dos lucros). Os outros 83% são das empresas privadas, que detêm 49% das ações ordinárias (que dá direito a voto).
Até aqui, a Cigás não conseguiu popularizar a venda de gás natural para a população, mas os sócios privados são só sorriso.
Neste ano, uma Lei do Gás aprovada na Assembleia Legislativa do Amazonas para abrir o mercado ao setor privado, também vende a mesma ideia de que haverá mais emprego e gás barato para a população.
No caso da concessão do saneamento básico (água e esgoto) tudo foi preparado bem antes de 2000 para entregar o patrimônio público para a iniciativa privada, inclusive a precarização dos serviços à população. A propaganda governamental deu conta de depositar no imaginário popular que só a iniciativa privada poderia mudar aquela realidade.
Sete anos depois da privatização, a primeira empresa desistiu do negócio e repassou a concessão para outro grupo empresarial. Neste momento, começou-se a vender outra ideia: a de que não era possível a iniciativa privada, sozinha, levar água e esgoto para toda a população de Manaus.
Depois da ilusão de que os investimentos privados resolveriam todos os problemas que a antiga Cosama não resolveu até o ano 2000, passou-se a massificar a informação de que sem o investimento público, grande parte da população não poderia ser atendida.
É isso que a segunda reportagem da série “Saneamento: o privado financiado pelo público” mostra nesta segunda-feira, 31.
Apesar da previsão de quebra de contrato em caso de não cumprimento das metas, o contrato já sofreu inúmeras modificações para beneficiar os grupos privados que detém a concessão.
O poder público no Brasil tem fama de ineficiente e inoperante. De fato, é ineficiente e inoperante, mas é o dinheiro público que financia os investimentos mesmo quando a obrigação de investir é do setor privado.
Isso não ocorre por obra do acaso; faz parte do jogo político que alimenta interesses particulares em detrimento do interesse público.
Que tal abrir o mercado de fornecimento de água e saneamento básico?