Por Rosiene Carvalho, Da Redação
O MP-AM (Ministério Público do Estado do Amazonas) chega à disputa pela vaga de 20º desembargador do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) com a imagem marcada por uma gestão que dá ampla publicidade a medidas severas relacionadas a gestores do interior do Estado e que teve desempenho acanhado quando se deparou com escândalos envolvendo suspeitas de irregularidades de cerca de R$ 1,5 bilhão ao longo da administração do Governo José Melo (Pros).
A decisão final sobre quem será o 20º desembargador do TJAM, cargo considerado um ápice na carreira entre os membros do MP Estadual, cabe ao governador José Melo. Como também coube a Melo a recondução de Carlos Fábio Braga Monteiro, em outubro do ano passado, ao cargo de procurador-geral de Justiça, sem grandes riscos de não ser escolhido após votação de cerca 80% do eleitorado (promotores e procuradores).
Desde que assumiu o governo, Melo enfrentou uma série de problemas com denúncias de corrupção envolvendo sua gestão. Entre as mais polêmicas estão o repasse de R$ 1 milhão à ONG ANSD (Agência Nacional de Segurança e Defesa), sem licitação e sequer contrato por parte do Governo do Estado; denúncias de irregularidades na Seinfra da ordem de R$ 100 milhões feitas pelo amigo pessoal do governador Gilberto Alves de Deus; contratos irregulares na área da Saúde na somam de R$ 220 milhões investigados pela Operação Maus Caminhos, da Polícia Federal; e a crise no sistema carcerário do Estado com contratos no valor de R$ 1, 1 bilhão suspeitos de superfaturamento e falta de execução, cujos repasses para a terceirizada Umanizzare aumentaram em pleno ano de cortes em setores sensíveis para a população, como saúde e educação.
Na caso da ONG ANSD, da empresária Nair Blair, o MP-AM recebeu documentos da denúncia há cerca de dois anos. E no caso do Gilberto de Deus, os documentos foram entregues há um ano e meio.
Crise sistema penitenciário
A crise no sistema penitenciário, exposta na mídia nacional e internacional, foi o caso de maior constrangimento ao MP Estadual. Isso pode ser percebido até mesmo na página da instituição, onde várias notas foram publicadas, desde o dia 5 de janeiro, com conteúdo que sinalizam uma tentativa de justificar publicamente a atuação dos promotores e procuradores em relação aos problemas que resultaram nas rebeliões e mortes de presos, sem qualquer ato que dê conotação de cobrança mais contundente contra o Governo do Estado. Neste período, o MP Estadual só não emitiu mais nota que o governador José Melo.
Enquanto isso, outros órgãos e entidades locais e nacionais de controle e fiscalização agiram e, pelo contexto inevitável do momento, criaram constrangimentos ao Governo Melo, como CNJ (Conselho Nacional de Justiça), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), MPC (Ministério Público de Contas), DPE (Defensoria Público do Estado), ONU (Organização das Nações Unidas), Ministério da Justiça e MPF (Ministério Público Federal), entre outros.
Procurador-geral e candidato
O silêncio do procurador-geral de Justiça, Fábio Monteiro, abriu margem para também, no mínimo, se questionar a regra que vigora no MP do Amazonas, que dá ao chefe da instituição a chance de se candidatar à vaga de desembargador sem abrir mão do cargo.
Fábio Monteiro esteve à frente do Cao-Crime ( Grupo de trabalho do MPE de Combate ao Crime Organizado) de 2011 a 2014 e o crime organizado é apontado como disseminador do terror nos presídios do Estado e de até negociar com agentes do Governo durante a campanha eleitoral de 2014, como aponta a investigação do MPF na Operação La Muralla. Uma questão de segurança pública nacional e que envolve mortes e risco a outras vidas no Amazonas não teve espaço na agenda do procurador-geral de Justiça do Estado, que é candidato a desembargador.
Pedro Bezerra
Além disso, o subprocurador-geral para Assuntos Jurídicos e Institucionais, Pedro Bezerra Filho, da gestão Fábio Monteiro no MPE, em entrevista à imprensa durante visita à Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, após a reativação do presídio, pediu paciência às pessoas, porque o governo do Estado estava fazendo o melhor que podia naquela condição.
Nenhum porta-voz do Estado ou secretário que deu entrevista neste período foi mais eficiente em tentar evitar um dano maior à imagem do Governo. O problema é que quatro dias depois, três detentos foram decapitados e um foi morto por asfixia na unidade.
E não é a primeira vez que Pedro Bezerra mostra seu perfil conciliador diante de crises provocadas pelo governo do Estado. Em janeiro de 2016, após reunião com o governador Melo sobre a crise na saúde, o procurador demonstrou otimismo em relação ao Executivo: “Percebemos que há boa vontade da parte do executivo em tentar amenizar esses problemas todos, algumas ações tomadas resultarão, a médio e longo prazo, na melhoria do sistema”, declarou Pedro Bezerra em matéria disponível no site do MP-AM.
Ao longo de 2016, o governo deu continuidade a cortes e as queixas dos usuários do sistema e dos médicos se multiplicaram pela falta de atendimento digno nas unidades do Estado.
Disputa
A disputa pela vaga de desembargador terá início com uma eleição interna no MP-AM e já conta com 12 candidatos, entre os quais o atual procurador-geral de Justiça e outros dois ex-procuradores: Francisco Cruz e Otávio Gomes. Cruz foi procurador-geral na gestão de Omar Aziz (PSD) no Governo e foi secretário de Relações Institucionais do Governo Melo, no início do segundo mandato. Otávio Gomes foi procurador-geral entre a gestão Eduardo Braga (PMDB) e Omar Aziz.
A partir desta escolha, no dia 23 de fevereiro, será formada uma lista com seis nomes a ser enviada para o TJAM. Em votação dos desembargadores, serão escolhidos três entre os seis mais votados na eleição do MP-AM para que o governador José Melo faça a escolha de um que vai se tornar desembargador.
Resposta do MP-AM
A reportagem procurou o MP-AM, no dia 19 de janeiro, por meio de sua assessoria de comunicação para saber se havia procedimentos de investigação instaurados sobre os casos citados na matéria e a fase de cada um deles. Em resposta, o MP-AM informi que a instituição dará respostas sobre a sua atuação no sistema prisional do estado esta semana em entrevista coletiva. Com relação à atuação sobre a crise na saúde do Estado, o MP-AM considerou que a reportagem deveria ser específica porque “há um trabalho em andamento desde o ano passado e as promotoras precisam saber o que precisam exatamente”.
Em relação às denúncias de Gilberto de Deus e do caso Nair Blair, a resposta foi que a demanda seria encaminhada a setores específicos.
Saiba mais sobre cada um dos escândalos do Governo Melo
Nair Blair
Em janeiro de 2016, na Justiça Eleitoral, o governador José Melo foi cassado por compra de votos (ele recorre da decisão no Tribunal Superior Eleitoral). O dinheiro, de acordo com as investigações, foi desviado do governo para irrigar a campanha à reeleição. Mesmo os juízes que votaram a favor de Melo demonstraram em seu voto que havia problemas no contrato, mas que a investigação sobre desvio de dinheiro não era tarefa da Justiça Eleitoral. A ANSD foi contratada para “implementação de solução tecnológica de monitoramento em tempo real móvel” da Copa do Mundo da Fifa, em 2014. Mas a denúncia indica que a tarefa começou a ser desempenhada após os jogos principais da Copa realizados em Manaus.
Gilberto de Deus
Em outubro de 2015, Gilberto de Deus saiu da Secretaria de Estado de Infraestrutura e denunciou uma série de irregularidades em contratos, que chegavam a R$ 100 milhões e envolviam obras não realizadas; contrato de empresas para fazer “projetos montados” a custos elevadíssimo, em detrimento de projetos básicos e executivos; e pagamento de serviços de fiscalização de obras desnecessários. Em entrevista ao ATUAL, em maio do ano passado, ou seja, sete meses depois, o procurador-geral Fábio Monteiro disse que era bom “esclarecer” que os procedimentos foram abertos pelas promotorias do interior do Estado por se tratarem de irregularidades ocorridas nos municípios, e que um procedimento independente foi aberto pelo Gaeco, que nunca mais se teve notícia.
Curiosamente, no caso da Operação Cauxi, que desbaratou uma quadrilha que atuava na Prefeitura de Iranduba, sob o comando do então prefeito Xinaik Medeiros, a PGJ assumiu o protagonismo da operação, após três meses de investigação, segundo informação divulgada à época e ainda disponível no site do MP-AM.
Irregularidades na Saúde
Em outubro de 2016, a Polícia Federal deflagrou a Operação Maus Caminhos, que identificou contratos irregulares do governo da ordem de R$ 220 milhões na área da saúde no Amazonas. Como os recursos desta irregularidade eram federais, o protagonismo da investigação coube ao MPF (Ministério Público Federal), à Controladoria Geral da União e à Polícia Federal.
No entanto, até o secretário de Saúde, Pedro Elias, deu dica de que havia na pasta outros contratos suspeitos ao declarar durante uma palestra na Escola de Enfermagem: “Vivo como nas Crônicas de Nárnia na secretaria. Cada vez que se abre um armário, aparece cada coisa. Monstros de várias cabeças. São 580 contratos. Tem coisa pra todo gosto, fora de prazo, contrato como indenização…”, relatou. Nenhum deles, porém, se tornou público por questionamento do MP Estadual.
Lei nota do MP-AM na íntegra
Mais da metade dos municípios do Amazonas são investigados por corrupção, diz Monteiro
Em campanha para desembargador, Fábio Monteiro promove promotores do MP-AM
Zé Merenda quer ser eleger senador em 2018…anotem aí…
É lamentável que MP passe essa imagem de um órgão político, um mero arquivador de denúncias.