Da Redação
MANAUS – A corrupção no Amazonas está dando muito trabalho ao Ministério Público do Estado. Com dois prefeitos eleitos em 2012 presos e mais de 30 municípios sob investigação, estão sob a mira das lupas dos procuradores e promotores mais da metade das prefeituras dos municípios. Quem afirma isso é o procurador-geral de Justiça, Carlos Fábio Monteiro. Ele disse preferir não acreditar que a corrupção é a regra nos municípios do Estado, e diz que todos os poderes devem fazer a mea-culpa, inclusive o Ministério Público, pelo estado de abandono, que favorece as ações de grupos criminosos nas administrações. “Anos de desatenção acabou ficando um terreno fértil para a criminalidade organizada na administração pública”. Mas Monteiro adverte: “Essa situação mudou e os órgãos de controle entenderam que precisam se unir para combater”. Na entrevista, concedida ao jornalista Valmir Lima, em seu gabinete, Fábio Monteiro também fala das operações recentes, do trabalho do Cao-Crimo/Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do possível envolvimento de pessoas do TCE e da Justiça Eleitoral nos casos de Iranduba e de Santa Isabel do Rio Negro e de suas impressões sobre o trabalho da Justiça. Abaixo, a entrevista completa.
AMAZONAS ATUAL – Procurador, o senhor, antes de assumir esse cargo, e como coordenador do Cao-Crimo/Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), já vinha investigando prefeitos do interior do Estado, mas eram problemas pontuais, como contratos para asfaltamento de ruas. Agora, parece que o Ministério Público descobriu que a corrupção é generalizada, como mostram os casos de Iranduba e São Gabriel da Cachoeira. Houve uma evolução dos crimes?
FABIO MONTEIRO – Houve uma evolução na estrutura do Ministério Público. Quando eu assumi a coordenação do Caocrimo, na gestão do procurador-geral Francisco Cruz, disse a ele que não conseguia vislumbrar, combater o crime organizado sem focar no crime organizado dentro da administração pública, e comuniquei a ele que ia focar muito no crime praticado por administradores públicos. Ele concordou e disse que no que pudesse apoiar e dar condição, o faria. Mas o que acontecia era o seguinte: quando eu coordenei, os promotores – inclusive eu mesmo como coordenador – acumulavam funções com a de comando das promotorias. Esse exemplo por si só já deixa claro qual era o grau de dificuldade que nós tínhamos. A gente acabava não dando a dedicação exclusiva para essas investigações. Quando eu assumi a Procuradoria Geral de Justiça, até por me deparar com a situação quando coordenador e porque nos outros Estados é assim, eu encaminhei ao Conselho Superior, que aprovou, e os promotores passaram a ser exclusivos.
ATUAL – Quantos são?
MONTEIRO – São três promotores mais o coordenador. O coordenador é um procurador de Justiça e mais três promotores que atuam nas investigações de crime organizado. Isso já deu um grande salto, porque permitiu que os promotores se debruçassem exclusivamente nas demandas que chegam ali no Cao-Crimo/Gaeco. Eles não têm mais que se preocupar com as promotorias, porque estão temporariamente afastados para cuidar só do Gaeco. E também investimos muito em estrutura de servidores, em equipamentos e cooperação com outros órgãos de fiscalização. A estrutura física melhorou muito; eles estão em um prédio anexo ao MP, isolado, com acessibilidade diferenciada; nós temos policiais civis investigadores cedidos, trabalhando aqui diretamente; veículos. Enfim, temos uma estrutura muito mais aperfeiçoada. Só isso já faz uma diferença imensa. Os termos de cooperação com outros órgãos permite o compartilhamento de informações. Vou dar um exemplo: a gente não tem, ainda, o sistema guardião, de interceptações telefônicas. Mas temos um termo de cooperação que assinei quando ainda era coordenador do Gaeco com a Secretaria de Inteligência do governo. Mas se lá eles tiverem muita demanda, a gente tem condição de fazer com qualquer outro Gaeco de outro Estado.
ATUAL – Já foi necessário usar essa estrutura de outros Estados?
MONTEIRO – Nós já usamos em outras situações. Pra essa, agora [de Santa Isabel do Rio Negro] não precisou. Vou te dar um exemplo: no crime praticado contra o promotor Paulo Stélio [baleado quando chegava na garagem de casa, no ano passado], nós usamos o Gaeco do Rio de Janeiro, que tem um equipamento que consegue fazer uma aproximação extremamente nítida da nas imagens de câmeras de rua, e conseguimos identificar todo o trajeto dos bandidos desde de a Avenida Eduardo Ribeiro, desde o banco [Neste caso, os ladrões seguiam um cliente de um banco, que sacou dinheiro, e, no meio do caminho, confundiram o carro do cliente com o do promotor, e o seguiram até o condomínio onde ele morava, e tentaram assaltá-lo. Na ação, o promotor foi atingido com um tiro].
ATUAL – Nesses grupos criminosos identificados nas prefeituras de Iranduba e de Santa Isabel do Rio Negro há semelhança do modus operandi desses gestores e seus auxiliares?
MONTEIRO – Nessa primeira parte de Santa Isabel, não tanto, porque no caso de Iranduba, o esquema fraudulento era com licitação. Havia empresas de propriedade de pessoas próximas ao prefeito, a secretários, em nome de laranjas, assim como os bens, e direcionavam para que elas saíssem vitoriosas do certame, muitas vezes nem prestavam serviço, e quando prestavam era com preço acima do de mercado. A prefeitura, portanto, pagava para eles próprios, porque os envolvidos eram os reais proprietários das empresas. No caso de Santa Isabel do Rio Negro, é peculato mesmo, na essência. Ele [o prefeito] pega o recurso público e nem maquia; pega e transfere para a conta dele. Agora, isso, nessa primeira fase. Nós estamos analisando também eventual esquema de licitação no município, e aí pode ser que haja alguma ação similar ao que havia em Iranduba.
ATUAL – No início da conversa o senhor falou em outras prefeituras. Estão sendo investigados outros municípios?
MONTEIRO – Vários. Uma quantidade significativa de municípios continua sendo analisada.
ATUAL – Quantas prefeituras estão sendo investigadas?
MONTEIRO – Mais de 30 municípios, não necessariamente com suspeitas semelhantes a Iranduba e Santa Isabel e com vinculação específica do ao cargo de prefeito, mas são mais de 30 municípios que estão sendo investigados por suspeitas de fraudes em licitações em algumas secretárias, órgãos e autarquias. Algumas com poucas informações, outras, um negócio assustador.
ATUAL – A corrupção parece que é a regra nos municípios do Amazonas?
MONTEIRO – Eu quero crer que não seja. Eu tenho batido muito na tecla de que todos nós temos que fazer a mea-culpa, incluindo o Ministério Público, porque o interior do Estado sempre recebeu muito pouca atenção dos órgãos públicos. Vou dar um exemplo de porque o Ministério Público precisa fazer mea-culpa: a carreira no Ministério Público começa pelo interior e nós sempre tivemos promotores de justiça nos municípios, mas a estrutura sempre foi muito limitada. Em muitos municípios, a promotoria é órgão de um promotor só. Ele cumpre as modificações, está em audiência, atende o telefone, faz os processos. Então, muitas vezes, o promotor não tem condição de, sozinho, aprofundar uma investigação dessas e acaba sendo aquele que é cobrado na ponta, porque está ali, no dia a dia. E isso ocorre em todos os segmentos. A gente tem uma grande dificuldade de Polícia Civil, de delegados no interior; temos uma grande dificuldade tradicional de defensor público no interior; o Judiciário tem dificuldades tradicionais também. No TCE era comum que se levasse anos para julgar as contas, e isso não alcança o caráter pedagógico, porque muitas vezes o mau gestor tem a consciência de que “quando eu for julgado sobre isso, já me aposentei”, ninguém mais encontra o cidadão. Essa situação mudou, não só por parte do Ministério Público, mas os órgãos entenderam que precisam se unir, investir e se aperfeiçoar para poder combater. Anos de desatenção acabou ficando um terreno fértil para a criminalidade organizada na administração pública;
ATUAL – O Ministério Público tem a prerrogativa de investigar outros órgãos? Tipo o TCE, por exemplo?
MONTEIRO – No Tribunal de Contas, de acordo com a Constituição, o conselheiro se equipara ao desembargador; portanto, a competência [para investigar] é do STF (Superior Tribunal de Justiça). É claro que do ponto de vista cível, de eventual improbidade administrativa, os auditores os técnicos, a máquina como um todo, as promotorias têm total autonomia para atuar. O auditor se equipara a juiz de direito, e a atribuição seria do procurador-geral.
ATUAL – Eu fiz essa pergunta porque depois daquele caso de Iranduba a gente recebeu informação de uma fonte do TCE de que havia 17 pessoas investigadas naquele tribunal pelo Ministério Público, relacionada às denúncias de Iranduba. Há, de fato essa investigação?
MONTEIRO – Na verdade… [dá uma pausa e continua], estamos analisando ainda o caso de Iranduba, ainda não foi devidamente fechado porque até hoje ainda tem alguns dados que estão sendo periciados, inclusive com parceria da AGU (Advocacia Geral da União). Hoje, o que eu posso de afirmar, de forma muito clara, é que não existe uma investigação consolidada apurado esse caso específico de Iranduba.
ATUAL – Do TCE, não existe?
MONTEIRO – Do TCE. Mas Iranduba ainda não fechou.
ATUAL – No caso de Santa Isabel do Rio Negro, o AMAZONAS ATUAL publicou uma matéria mostrando que o secretário de Finanças do município em depoimento ao MP, disse textualmente que entregou dinheiro a outro secretário e que esse dinheiro seria para pagamento ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral), onde o prefeito tinha um processo que resultou na cassação dele. O MP enviou uma nota dizendo que não há na denúncia do caso de Santa Isabel qualquer menção a propina para o TRE do Amazonas. Foi um equívoco do secretário no depoimento falar em TRE?
MONTEIRO – Na verdade não há na denúncia e nem no depoimento do secretário expressão específica a isso: “olha, o dinheiro foi usado para pagar uma autoridade judiciária qualquer para conseguir benesses”. Essa expressão não foi usada. Por isso nós tivemos essa cautela. Então, não há da parte do Ministério Público qualquer investigação sobre a Justiça Eleitoral, até porque não é competência do MP investigar o TRE.
ATUAL – Depois, na mesma denúncia, fica claro que o secretário de obras de Santa Isabel transportou uma soma alta de dinheiro (R$ 1,2 milhão) para Brasília, onde também tramita um processo do prefeito Mariolino Siqueira, inclusive com uma liminar do TSE, que o mantém no cargo. Quem poderia investigar o destino desse dinheiro?
MONTEIRO – Se a matéria for eleitoral, não é com o MP. Aquilo que não é da nossa alçada, a gente remete cópia para a autoridade competente.
ATUAL – Nesse caso específico do TSE, houve uma comunicação do Ministério Público ao Tribunal Superior Eleitoral ou à Procuradoria Geral Eleitoral para que investiguem esse caso?
MONTEIRO – Olha, nós estamos formatando as peças, porque ainda estamos juntando-as, para fazermos as comunicações devidas. Eles serão comunicados sem sombra de dúvida para que investiguem a destinação desses recursos.
ATUAL – Em outubro do ano passado, o secretário da Seinfra, Gilberto de Deus, deixou a pasta e fez uma série de denúncias sobre obras não realizadas e pagas, problemas com licitações e projetos que eram montados, entre outros problemas. O Ministério Público o ouviu e depois disse que iria investigar o caso, e definiu prazo de 90 dias para a conclusão dos trabalhos. Depois disso não se ouviu mais falar no assunto. Como está essa investigação?
MONTEIRO – É até bom que a gente esclareça esse assunto. O Ministério Público tomou duas providências. Quando ele veio aqui, foi ouvido tanto no Gaeco quanto aqui por mim. Ele fez alusão àquilo que ele publicizou: foram obras em dois ou três municípios. A Procuradoria Geral encaminhou aos promotores dos municípios, porque se tratavam de obras nos municípios. Estão esses processos foram para lá para o promotor instruir e, se for o caso, pedir perícia nossa. O estágio atual é fácil você cobrar das promotorias. Também o Gaeco instaurou um procedimento que está em andamento para apurar isso, também em parceria com os promotores dos municípios.
ATUAL – Nós do AMAZONAS ATUAL publicamos uma matéria mostrando que enquanto um processo de investigação tramitava a passos lentos no Tribunal de Contas, inclusive sob queixa do Ministério Público de Contas, o governo tentava tocar as obras que foram pagas e não realizadas para tentar apagar o problema que foi denunciado por Gilberto de Deus. Um exemplo é a Ponte do Pêra, em Coari, que está quase pronta, mas quando ele denunciou, estavam pagos R$ 9 milhões, enquanto o secretário dizia que não havia R$ 1,5 milhão realizado. Essa demora na investigação não abre brecha para o governo corrigir as irregularidades? E se corrigir, ninguém poderá ser punido?
MONTEIRO – Olha, o pagamento, evidentemente, não pode ser adiantado. Primeiro ponto é esse. Qualquer investigação ela constata isso. Não adianta porque não tem como ser maquiado. A investigação constata das datas dos eventuais pagamentos e a execução das obras. Isso é fácil num procedimento. Quando eu digo fácil, significa que nós sabemos o caminho a chegar. E aí, respondendo à tua pergunta: exime de responsabilidade? Do ponto de vista penal, a gente precisa saber – claro que eu falo em tese, porque a investigação não está concluída – é quais seriam as condutas que em tese eles poderiam ser enquadrados. Se nós dissermos que é desvio de recurso, aplicação irregular, é peculato – o gestor pagou por uma obra que não tinha sido executada –, há o dolo, ou seja, esse dinheiro está sendo usado de forma indevida. Por outro lado, se a obra é efetivamente executada e, através de laudo pericial, o recurso aplicado é compatível com a execução da obra, em tese, a parte penal acaba ficando esvaziada, porque precisa ficar claro no direito penal brasileiro o dolo, ou seja, a intenção do agente em querer se beneficiar com o dinheiro. Mas também pode ter desdobramentos, porque tem a parte cível, tem a Lei de Licitações que poderiam efetivamente punir por irregularidades que não tem o aspecto penal. O que eu posso afirmar é que havendo elemento que justifique a nossa atuação, é lógico que a gente vai tomar as providências.
ATUAL – Quando houve aquela discussão na sociedade sobre um projeto de lei no Congresso que tirava as prerrogativas do Ministério Público para investigar, um dos argumentos era que o MP era muito seletivo e só investigava aquilo que seus membros queriam e não o que era realmente uma demanda da sociedade. Existe isso no Ministério Público? E pergunto isso, porque tem processos que andam rápido e outros que nunca saem da gaveta.
MONTEIRO – Eu desconheço que isso exista no Ministério Público brasileiro. Eu faço parte do Conselho Nacional de Procuradores Gerais, que sempre se reúnem, e eu não vejo isso. Eu tenho, inclusive, uma relação muito próxima com o Rodrigo Janot (procurador-geral da República), acompanho toda a operação Lava Jato desde o seu início, ele inclusive, foi à reunião do nosso conselho explicar por que havia andamento de processos de determinadas pessoas do governo e de outro lado não haveria. Mostrou, por exemplo, que algumas citações que naquele momento envolviam algumas pessoas eram frágeis e por isso ele precisava aprofundar, e daí a demora, enquanto de outras as provas eram extremamente robustas e estavam mais fáceis. Trazendo aqui para o Ministério Público do Amazonas, impossível. Te digo de uma forma muito clara, muito tranquila, não há da nossa parte nenhuma… Inclusive, a relação com os outros poderes é completamente institucional. A relação com o governo do Estado, a relação com a Assembleia Legislativa, com o Poder Judiciário, é muito tranquila, respeitando a independência dos poderes, é extremamente institucional. Te dou um exemplo: o Xinaik [Medeiros, ex-prefeito de Iranduba] era do partido do governador. E pelo que me informaram, o prefeito de Santa Isabel do Rio Negro é de um partido da base de apoio ao governador [Mariolino Siqueira é do PDT]. O que existe é que algumas investigações correm mais rápido e outras são mais demoradas porque alguns dados nos chegam mais rápido ou são mais rápido de identificar. Quando a gente precisa de outros órgãos, esses dados demoram mais. No caso específico de Santa Isabel, uma das situações que nos ajudou muito na investigação e, por isso, correu com mais celeridade, foi o fato de que ele foi cassado e quem assumiu a prefeitura foi o segundo colocado, adversário político, e diversos documentos que o promotor já estava requisitando, e que o prefeito é obrigado a fornecer, mas às vezes demora. Quando o outro assumiu, encaminhou a documentação toda. Então, aí vieram determinados documentos que mostravam, inclusive, as transferências bancárias e cópias de cheques, demonstra do que eram endossados pelo prefeito.
ATUAL – O senhor falou em CGU, e o governo interino de Michel Temer extinguiu a Controladoria Geral da União. Esse era um órgãos importante para a sociedade?
MONTEIRO – É um órgão crucial, extremamente importante como órgão de controle, tem profissionais extremamente preparados, porque ingressam na carreira pública e são treinados para aquela função, para identificar desvios.
ATUAL – A crise financeira está aí e parece que vem atingindo todos os poderes. A Assembleia Legislativa cortou gastos, o Tribunal de Justiça diz que tem dificuldades para pagar o 13° salário, a Defensoria Pública diz que não está mais conseguindo pagar a folha. O Ministério Público está em situação favorável?
MONTEIRO – Não. Na verdade, nós temos uma dificuldade enorme, o momento é muito difícil. Para que se tenha uma ideia, nesses primeiros meses do ano, já tivemos um repasse a menor de cerca de R$ 11 milhões. É óbvio que isso é preocupante. Nós já tínhamos tomado medidas de contenção no ano passado e implementamos outras este ano para podermos nos adequar a essa realidade orçamentária. A realidade é a mesma dos outros poderes, mas temos uma coisa muito clara: a instituição não pode parar de avançar. Não tem esse direito, porque a sociedade espera que nós continuemos a fazer o nosso trabalho. Por isso, temos tomado diversas medidas para poder honrar os compromissos. A gente repactuou contratos com fornecedores, reduziu horário de expediente, redução de diárias, redução de ajuda de custo. Então, foram diversas medidas para poder garantir salários e direitos e ao mesmo tempo aplicar nos investimentos necessários para manter a instituição funcionando.
ATUAL – O procurador João Bosco Sá Valente (já falecido), quando dirigia o Cao-Crimo, uma vez me disse em uma entrevista para o Diário do Amazonas que para combater a corrupção era necessário termos um Judiciário confiável. Ele questionou: “Nós temos um Judiciário confiável?”. E ele mesmo respondeu: “Na minha opinião, não!”. Isso gerou um desconforto à época para o Tribunal de Justiça e ele chegou a ser chamado a se explicar. Como é que o senhor avalia a atuação do Judiciário nessa cruzada de combate à corrupção? Na sua opinião, nós temos um Judiciário confiável?
MONTEIRO – Eu vou te falar de uma forma muito franca, vou ser muito sincero. Eu nunca me deparei com esse problema. Falo isso de uma forma muito positiva, muito transparente. O Judiciário tem sido muito justo, tem se posicionado de forma até mesmo implacável. E coloco como exemplo esses episódios que resultaram nas operações do Gaeco, em Iranduba e Santa Isabel do Rio Negro. Foi na situação do Adail Pinheiro [ex-prefeito de Coari, condenado e preso por exploração sexual de crianças e adolescentes]. Em todos os processos em que eu atuei, só tenho elogios ao Poder Judiciário. E como procurador-geral de Justiça não imputo ao Judiciário qualquer tipo de problema.
ATUAL – Mas eu citaria um caso em que o Judiciário até hoje não disse a que veio, que é naquele processo das obras fantasmas do Alto Solimões, cuja ação foi ajuizada em 2008, e até hoje a justiça não julgou. A juíza Etelvina Braga desmembrou o processo e encaminhou uma parte para as comarcas dos municípios onde as obras deveria ter sido realizadas. Mas nem o processo principal, na capital, e nem os das comarcas foram julgados até hoje, mais de oito anos depois das denúncias virem à tona.
MONTEIRO – O que eu acho que é são dois aspectos: a estrutura do Judiciário, assim como a do Ministério Público, não acompanhou o crescimento da demanda. Nós temos déficit de promotores, temos déficit de juízes. Eu tenho assento no Tribunal Pleno e vejo pleitos de magistrados por mais servidores, mais estrutura. Então, as demandas são imensas e o Judiciário não conseguiu acompanhar a demanda, até porque o orçamento é sempre aquém das necessidades. O outro aspecto é uma questão que eu acho que todos temos que discutir, que é a criação e varas especializadas e câmaras para julgar crimes contra a administração pública. Isso poderia dar mais celeridade. Não que os outros processos não devam ter prioridade, mas quando um gestor desvia dinheiro, ele lesa quantas pessoas? Na área da medicina, por exemplo, quantas pessoas deixam de ter acesso à saúde? Não que um roubo ou um furto não mereçam atenção, mas a partir do momento que esses processos de improbidade administrativa vão tramitar nas câmaras criminais ou nas varas criminais, juntos com outros processos, quanto tempo vai passar para ser julgado. Um crime de peculato, por exemplo, entra numa vara criminal, mas o juiz tem mil processos na frente para serem julgados. Ele entre na fila, normal, e muitas vezes quando se vai apurar, as provas já desapareceram. Por isso, eu defendo, no mínimo, uma discussão sobre a possibilidade de especializar vara e câmara de crimes de improbidade administrativa e contra a administração pública.