Por Valmir Lima, da Redação
MANAUS – O ex-secretário de Infraestrutura do governador José Melo (Pros), o engenheiro civil Gilberto Alves de Deus, ficou menos de um mês na pasta, mas foi o suficiente para fazer um levantamento que revelou um escândalo na secretaria que tem o terceiro maior orçamento do Estado, depois de saúde e educação. No ano passado, a Seinfra empenhou R$ 1,4 bilhão e pagou R$ 1,2 bilhão. Neste ano, já foram empenhados R$ 549 milhões e pagos R$ 238,8 milhões. Em entrevista coletiva, na manhã desta sexta-feira, no escritório dele, Gilberto de Deus revelou que o governo vinha pagando por obras não realizadas; contratando empresas para fazer projetos básicos e executivos a custos elevadíssimos para apresentarem “projetos montados”; e pagando por serviços de fiscalização de obras desnecessários. No levantamento que fez, as irregularidades podem ter resultado em prejuízo de mais de R$ 100 milhões, calcula o ex-secretário.
Feito o levantamento, Gilberto de Deus disse ter procurado o governador José Melo para relatar os problemas e pedir providências. Uma delas, a suspensão dos pagamentos de serviços, principalmente para as empresas que não comprovavam a realização das obras ou que já tinham recebido antecipadamente por serviços ainda por realizar. O governador ouviu, mas não aceitou a sugestão apresentada pelo secretário. “Só tinha uma forma de resolver: eu teria que cancelar todos os contratos e denunciar ao Ministério Público, aos tribunais de Contas do Estado e da União. O governador não concordou, eu resolvi sair”.
De acordo com o ex-secretário, o governador escolheu o Américo Gorayeb, secretário da Região Metropolitana de Manaus, para assumir a Seinfra. “O governador queria que eu ficasse na Suhab [Superintendência de Habitação do Amazonas], e eu não concordei porque não poderia ser injusto. Estou vendo os policiais militares hoje querendo as promoções e não tem dinheiro. Como pe que na Seinfra estão derramando dinheiro, estão sendo pagos serviços sem tá feito?”, questionou. Gilberto de Deus acumulava os cargos de secretário da Seinfra e de superintendente da Suhab.
Casos concretos
O ex-secretário citou dois casos concretos de obras pagas sem que os serviços fossem feitos. A primeira, a da Ponte do Pera, no município de Coari, e a obra do Monotrilho, em Manaus. Esta obra da Ponte do Pera vem sendo prometida pelos governos desde 2003, e nunca foi feita. Em 2014, antes de deixar o governo para concorrer ao Senado, o então governador Omar Aziz assinou a ordem de serviços para realização da obra, que foi tocada pelo sucessor, o governador José Melo. “Essa obra da Ponte do Pera, uma obra de R$ 11 milhões, R$ 9 milhões está pago e não foi feito nem R$ 1,5 milhão”. Gilberto de Deus disse que no caso da ponte, ele vai apresentar denúncia e pedir a prisão dos responsáveis.
Em maio deste ano, o AMAZONAS ATUAL já havia denunciado o pagamento suspeito no contrato das obras da Ponte do Pera. Na verdade, a empresa contratada para a obra ponte, a MCW Construções Comércio e Terraplanagem Ltda., já havia recebido, àquela época, segundo o portal Sicop (Sistema de Acompanhamento de Obras Públicas), R$ 9,3 milhões, de um contrato de R$ 11,2 milhões, com aditivo de R$ 2,7 milhões. O contrato estava, em maio deste ano, em R$ 13,9 milhões.
O contrato do Monotrilho, que não tem qualquer serviço que justifique o pagamento, pelo menos aparentemente, recebeu do governo do Amazonas R$ 26,4 milhões. De acordo com o ex-secretário, a fiscalização da Seinfra não encontrou os serviços realizados pela empresa que recebeu o dinheiro: a CR Almeida S/A. A obra do monotrilho, que foi licitada por R$ 1,4 bilhão, foi suspensa pela Justiça Federal a pedido do Ministério Público Federal por uma série de irregularidades. Depois da suspensão, o governo desistiu de realizar a obra.
Contratos de projetos
Outro escândalo apresentado pelo ex-secretário são os contratos de duas empresas para a elaboração de projetos básicos e executivos de obras para o governo do Estado na Seinfra, a Laghi Engenharia Ltda. e a Egus Consult Engenharia e Projetos Ltda. Essas duas empresas, segundo Gilberto de Deus, são responsáveis por cerca de 80% dos projetos da Seinfra, “projetos esses que são montados, não são projetos que foi feito levantamento de dados, sondagem, topografia (sic)”. Por conta dessas irregularidades na elaboração de projetos, disse o ex-secretário, “50% das obras do governo precisam ser revistos, porque se o projeto é errado, os orçamentos também são errados”.
O secretário informou que só a Egus tem contratados com a Seinfra R$ 175 milhões e já foram pagos quase R$ 100 milhões. Nesses R$ 175 milhões está incluído um contrato de fiscalização de obras no interior do Estado, no valor de R$ 133 milhões, que a ex-secretária da Seinfra Waldívia Alencar defendeu como necessário para o Estado, em entrevista ao AMAZONAS ATUAL, um mês antes de deixar o cargo. “Esse contrato foi rescindido pela secretária Waldívia Alencar porque, realmente, aquilo não tem necessidade. Quando eu assumi a Seinfra a primeira atitude que eu tomei foi abrir o laboratório, porque com a quantidade de engenheiros que temos na Seinfra, ela não precisa contratar ninguém para fiscalizar obras”, disse Gilberto de Deus.
Em agosto passado, o procurador do MPC (Ministério Público de Contas) Carlos Alberto Almeida abriu um procedimento preparatório para investigar o contrato de R$ 133,5 milhões firmado entre a Seinfra e o consórcio de empresas capitaneado pela Egus Consult Engenharia e Projetos Ltda. para fiscalização de obras do governo nos municípios do interior do Amazonas.
Em julho deste ano, um levantamento feito pelo AMAZONAS ATUAL e que ensejou o pedido de informação do procurador à Seinfra, apontou que a empresa Egus Consult Engenharia e Projetos Ltda. já havia recebido, em apenas um ano, R$ 51.492.436,52.
A Laghi Engenharia recebeu, no ano passado, R$ 27 milhões de R$ 35,9 milhões empenhados só pela Seinfra. Neste ano, a empresa já recebeu da secretaria R$ 10,6 milhões de R$ 20,5 milhões empenhados pela secretaria.
Humilhado por Melo
O ex-secretário Gilberto de Deus também criticou o governador José Melo pela atitude de não combater as irregularidades deterctadas na Sinfra. Ele lembrou que era amigo de Melo desde os tempos em que trabalharam na Seduc [Melo era secretário e ele o engenheiro responsável pelas obras. ” Me estranha muito que ele tenha mudado radicalmente”. No fim da entrevista, ao falar do governador, Gilberto chorou. Disse que perdeu um amigo, mas não perdeu a dignidade dele e da família.
O ex-secretário também disse que foi humilhado pelo governador ao recusar ficar na Suhab. “Ele me humilhou na frente do Américo Gorayeb. Ele passou a Seinfra pro Américo e queria que eu ficasse na Suhab, e eu disse não”.
Questionado sobre o que o governador disse que o teria humilhado, Gilberto de Deus respondeu: “Vamos deixar isso pra lá”.
Outro lado
A reportagem consultou a secretária de comunicação do governo Melo, jornalista Lúcia Carla Gama, sobre a possibilidade de o governador se manifestar a respeito das denúncias feitas pelo ex-amigo e ex-secretário da Seinfra. Ele informou que o governo prepava uma nota, que seria encaminhada às redações. Até o fechamento da matéria, a nota não havia chegado.