Por Gustavo Uribe, da Folhapress
BRASÍLIA-DF – Em reação à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que barrou a prisão de condenados logo após a condenação em segunda instância, o vice-presidente Hamilton Mourão questionou nesta sexta-feira, 8, se ela não foi tomada sob influência política. Em mensagem nas redes sociais, na qual não citou diretamente o julgamento desta quinta-feira, 7, ele indagou se o Estado de Direito no país não está “ao sabor da política”.
A decisão da Suprema Corte favorece, entre outros detidos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), considerado pelo presidente Jair Bolsonaro seu principal adversário político. “O Estado de Direito é um dos pilares de nossa civilização, assegurando que a lei seja aplicada igualmente a todos. Mas, hoje, dia 8 de novembro de 2019, cabe perguntar: onde está o Estado de Direito no Brasil? Ao sabor da política?”, questionou Mourão.
Com a decisão do STF, um condenado só pode ser preso após o trânsito em julgado (fim dos recursos). Além da prisão de uma pessoa condenada, existem a prisão em flagrante e as prisões cautelares (temporária e preventiva), que servem para garantir a aplicação da lei, proteger a sociedade e evitar novos crimes. Essas podem ser decretadas por um juiz a qualquer momento, inclusive antes de condenação, foco da decisão do Supremo desta quinta-feira.
A decisão da Suprema Corte surpreendeu o núcleo mais próximo de Bolsonaro, que não esperava que o presidente da Suprema Corte, José Dias Toffoli, desempatasse a votação contra a prisão após a condenação em segunda instância.
Nos últimos meses, Toffoli vinha dando sinais de que
buscava uma aproximação com Bolsonaro. Ele, inclusive, evitou comentar a
declaração do filho do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro
(PSL-SP), de que, se a esquerda radicalizasse no país, poderia ser editado um
novo AI-5.
Na quinta-feira, antes do voto de desempate, Bolsonaro evitou falar sobre o
julgamento enquanto cumprimentava simpatizantes na porta do Palácio do
Alvorada. Segundo relatos à reportagem, ele acreditava que Toffoli se
posicionaria diferente. “Supremo está decidindo e como é que eu falo? É para
dar manchete”, disse o presidente, após ser questionado pelos jornalistas
presentes.
A decisão, uma das mais esperadas dos últimos anos, tem potencial de beneficiar cerca de 5.000 presos, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O Brasil tem, no total, aproximadamente 800 mil presos.
A defesa de Lula já disse que pedirá a soltura do petista nesta sexta-feira. A força-tarefa da Lava Jato afirmou que a decisão do STF contraria o “sentimento de repúdio à impunidade” e o combate à corrupção no país.
Toffoli disse não ver empecilho para que o Legislativo altere a Constituição a fim de restabelecer a prisão em segunda instância. O assunto, em sua visão, não é cláusula pétrea, o que poderá provocar no futuro novo debate e reviravolta na corte – de 2009 a 2016, a jurisprudência do STF também previa o trânsito em julgado.
O que estava em debate era a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que diz que, em razão de condenação, ninguém pode ser preso exceto se houver “sentença condenatória transitada em julgado” – ou seja, quando não couber mais recurso.
Para a maioria dos ministros, esse artigo do Código de Processo Penal condiz com o que está escrito no artigo 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Para Toffoli, “a leitura da norma [do artigo 283] cabe no texto da Constituição. Esta foi a vontade dos representantes do povo, eleitos pelo povo”.
O artigo 283 ganhou a redação atual em 2011, quando o Congresso aprovou um projeto de lei que visava adaptar o Código de Processo Penal, de 1941, à Constituição de 1988. A redação do artigo se originou em um projeto enviado à Câmara em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Ao longo dos dez anos em que tramitou no Congresso, o texto em questão teve apoio de vários grupos e partidos políticos, do PSDB ao PT.