Por Fábio Zanini e Joelmir Tavares
SÃO PAULO – As iniciativas da sociedade civil que pedem respeito à democracia e à Constituição, surgidas nos últimos dias, esbarraram na escassez de líderes importantes da direita, mesmo que os grupos façam oposição ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Alguns dos nomes mais influentes do campo conservador estão fora de movimentos como Estamos Juntos, Basta! e Somos 70%. Exemplos são ex-bolsonaristas como a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) e líderes do MBL (Movimento Brasil Livre) e do Partido Novo. “Não vou assinar. Estou achando essa movimentação precipitada e desproporcional”, diz Janaina.
De ex-aliada de Bolsonaro, que chegou a ser cotada para a vaga de vice em 2018, ela passou a defensora da saída do presidente. Mesmo assim, prefere a cautela, porque é crítica de uma das razões que vêm sendo apontadas para o impeachment ou cassação do presidente, o inquérito das fake news.
“Eu estou muito intrigada com esse inquérito sigiloso do STF e, sobretudo, com a notícia de que estão fazendo provas para cassar a chapa. Não vou dar força para o que eu não sei o que é”, declarou ela, que foi uma das autoras do pedido que levou ao impeachment da ex-presidente Dilma Roussef (PT).
Coordenador nacional do MBL, que também teve papel importante no afastamento de Dilma, Renan Santos diz que não se sente confortável em participar de movimentos que podem ter objetivos mais amplos do que se opor ao presidente. “Estamos dispostos a trabalhar em conjunto contra o Bolsonaro, só não queremos aderir sem saber quem está por trás. Na política nem tudo é o que parece”, afirma.
O MBL diz que não comunga da agenda da maioria dos responsáveis pelos manifestos e que se incomoda com a acusação feita a quem não partilha desses valores, de que seriam golpistas ou fascistas. “É um projeto que no momento não nos contempla. Ninguém nos chamou para conversar, só para assinar”, afirma. O movimento já entrou com pedido de impeachment de Bolsonaro.
Outro representante da direita a defender a saída do presidente, o ex-candidato presidencial João Amoêdo (Novo) diz que também não tem a intenção de subscrever nenhum dos manifestos, ao menos por enquanto. Para ele, os documentos são excessivamente genéricos e sem uma linha de atuação clara.
“Acho positivo ter esse tipo de iniciativa, mas eu gostaria de ver os detalhes ainda”, justifica-se. “Precisariam ter uma pauta mais clara, porque dificilmente alguém é contra a paz e a democracia”.
Para Amoêdo, a dificuldade maior é conseguir conciliar ações práticas quando se tem grande variedade de pessoas participando. “Depois de um manifesto ser divulgado, a segunda etapa é buscar ações práticas, e aí você pode acabar se perdendo no vazio. Vira apenas um movimento para mostrar indignação”, diz.
O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), também não assinou, embora diga que concorda com o conteúdo dos manifestos.
“Esses movimentos têm minha solidariedade irrestrita. Mas, por minha condição de autoridade, de governador de um estado, não posso assinar”, afirma ele, que tem se firmado como líder de oposição a Bolsonaro durante a pandemia.
Segundo Doria, essas iniciativas não precisam ter necessariamente tom de ataque ao presidente.
“Não acho que deva ser uma manifestação contra o governo ou contra o presidente Bolsonaro, até para não afastar algumas pessoas. Mas sim um posicionamento da sociedade civil, da forma mais ampla possível, em defesa da democracia, da Constituição e das instituições”, diz.
O presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, também descarta se engajar agora nas mobilizações. “Já divulgamos uma carta aberta do nosso partido em que fazemos uma defesa radical da democracia”, afirma o deputado por São Paulo, acrescentando que a sigla é independente em relação ao governo.
O ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB), por sua vez, afirma ter simpatia pela iniciativa e diz que não assinou antes o Estamos Juntos porque não foi procurado, mas que agora pretende fazê-lo pela internet.
“Acho importantíssima a iniciativa. Acho que defesa de valores é suprapartidário, é um valor em si próprio. Não vejo [o movimento] com outros interesses. Pode ser que quem começou seja de um lado ou de outro, mas não tenho esse reparo”, afirma.
Outro tucano, o deputado federal Alexandre Frota (SP) diz que deixou sua assinatura no manifesto do Estamos Juntos, embora seu nome não apareça na lista inicial divulgada no último fim de semana.
“Assinei o manifesto para ajudar a tirar esse governo maldito do poder, um governo extremista autoritário. As vozes das ruas lutam contra o autoritarismo bolsonarista, que fere as instituições”, afirma Frota, ex-aliado do presidente.
Outra bolsonarista desgarrada, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) também aderiu à campanha virtual Somos 70%.
A presença ou não de direitistas gerou alguma divisão entre os organizadores dos movimentos.
Um exemplo de desconforto foi a declaração do jornalista Juca Kfouri à coluna Painel, da Folha, em que o integrante do Estamos Juntos se manifestou contrariamente à presença do ex-juiz Sérgio Moro na mobilização.
Para alguns dos signatários do manifesto, a frente contra Bolsonaro deve ser abrangente. Por isso, na visão dessa ala, o ex-ministro da Justiça do presidente deveria, sim, ser acolhido.
Segundo a escritora Marta Góes, que está na articulação do manifesto desde o início, a imposição de um filtro para adesão ainda é tema de debate no grupo, mas por enquanto vigora a regra de que, como o texto está aberto ao apoio de qualquer pessoa na internet, não haveria por que barrar nomes.
“O movimento nasceu de gente de esquerda, mas querendo agregar todo o arco civilizado da sociedade. Não nasceu para ser um grupo de esquerda lutando pela democracia, mas para ser um grupo de todos os que tenham uma agenda mínima pela manutenção da democracia”, afirma.
O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, que saiu do cargo após ser fritado por Bolsonaro em meio à pandemia do novo coronavírus, foi um dos que se somaram ao grupo.
“Uma frente voltada a conter a escalada autoritária deve ser o mais ampla possível”, analisa o professor Oscar Vilhena, da FGV Direito SP, outro subscrevente do documento. “Não se trata de uma coalizão programática, mas de uma frente que agrega aqueles que, embora pensem de forma distinta, se preocupam com a sobrevivência da democracia”, completa ele.
No Basta!, a diretriz é a de aceitar sem ressalvas quem concorde com o texto, que pede respeito à Constituição e às instituições. Segundo organizadores, a presença de nomes ligados ao espectro conservador, como Claudio Lembo e Miguel Reale Jr., é um indicativo da abertura.
A associação do presidente Jair Bolsonaro a ditaduras foi criticada nesta quarta-feira pelo vice-presidente Hamilton Mourão, em artigo no jornal O Estado de S. Paulo.
“Não há legislação de exceção em vigor no país, nem política, econômica ou social, nenhuma. As orças Armadas, por mais malabarismo retórico que se tente, estão desvinculadas da política partidária, cumprindo rigorosamente seu papel constitucional”, afirmou Mourão.
Quem se manifestou
Estamos Juntos Inspirado nas Diretas Já, o manifesto prega a defesa da vida, da liberdade e da democracia. Assinado inicialmente por artistas, intelectuais e políticos de campos ideológicos diversos, abriu para adesões na internet e tem mais de 271 mil assinaturas
Basta! Organizado por juristas e advogados como Antonio Claudio Mariz de Oliveira e Claudio Lembo, o texto passou das 42 mil assinaturas na internet. Cobra respeito à Constituição e às instituições
Somos 70 por Cento A campanha virtual foi criada pelo economista Eduardo Moreira. A hashtag, em referência ao apoio de cerca de 30% a Bolsonaro registrado em pesquisas, foi usada por políticos de variados partidos, além de celebridades como a apresentadora Xuxa
Pacto pela Democracia Coalizão que agrega 150 entidades da sociedade civil, publicou manifesto contra o que chamou de “a incessante escalada de intentos autoritários” pelo governo. Entre os signatários estão movimentos de renovação política, ONGs de direitos humanos e grupos ambientais
Esporte pela Democracia Lançado por atletas e ex-esportistas, prega respeito à democracia e abraça a luta antirracista. Walter Casagrande, Gustavo Kuerten, Raí e Ana Moser são organizadores, mas personalidades de outras áreas aderiram
Comissão Arns de Direitos Humanos Entidade formada por intelectuais e ativistas, afirma se preocupar com “manifestações desestabilizadoras” contra o STF e seus ministros
As Forças Armadas e a Democracia Manifesto assinado por 170 profissionais ligados ao direito, entre eles três ex-ministros da Justiça, pede que as Forças Armadas respeitem os ritos democráticos
Presidentes dos TJs Presidentes dos 27 Tribunais de Justiça do país manifestaram, em uma carta, “integral apoio” ao STF e clamaram por harmonia entre os Poderes
Procuradores Manifesto de 535 membros do Ministério Público Federal, pede a aprovação de proposta que obrigue o presidente da República a escolher a chefia da Procuradoria-Geral da República por meio de lista tríplice da categoria