Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – No Amazonas, aproximadamente 1.693 pessoas estão na fila da rede pública para consulta com médico psiquiatra, e os poucos especialistas disponíveis estão lotados no Centro de Saúde Mental do Amazonas, que atende casos de urgência e emergência em Manaus. O tempo de espera para atendimento chega a 125 dias.
As informações constam em ofício enviado pela SES (Secretaria de Saúde do Amazonas) ao MP-AM (Ministério Público do Amazonas) no início deste mês. O MP pediu ao governo estadual médico psiquiatra para avaliar a capacidade psicológica de integrantes da instituição.
“A Secretária Executiva de Atenção Especializada informou que há uma baixa oferta de profissionais na rede, bem como expressiva fila de 1.693 pessoas com média em 125 dias de espera para consultas de primeira vez”, diz trecho do documento que o ATUAL teve acesso.
Para o médico psiquiatra Luiz Henrique Novaes da Silva, que preside a Associação Amazonense de Psiquiatria, a falta de especialistas na rede pública atinge principalmente a população de baixa renda, que fica desassistida.
“As doenças psiquiátricas, de modo geral, afetam a qualidade de vida do indivíduo, muitas vezes interferindo no seu funcionamento social, acadêmico, escolar, laboral, ocupacional, o que vai fazer com que naturalmente essas pessoas não consigam ir para a escola, para a faculdade, para o trabalho, não consigam muitas vezes sequer cuidar de seus filhos, se relacionar com seu marido, esposa… Uma consequência direta é a desassistência à população de baixa renda que vai padecer com suas doenças psiquiátricas”, afirmou Luiz Henrique.
A situação se agrava quando envolve pessoas com risco de cometer suicídio. “As pessoas que não conseguem acesso ao serviço público de psiquiatria na rede pública, além da incapacidade que as doenças psiquiátricas produzem ou podem produzir em uma grande parte da população acometida por transtornos psiquiátricos, tem ainda um desfecho que é extremamente triste e doloroso, que é o suicídio”, afirmou o médico.
Desde 2014, a ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria) e o CFM (Conselho Federal de Medicina) promovem em todo o país a campanha Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio. Conforme as entidades, os países das Américas vão na contramão da tendência global, com índices que não param de aumentar. Os especialistas afirmam que a “maioria dos casos poderia ter sido evitada se esses pacientes tivessem acesso ao tratamento psiquiátrico e informações de qualidade”.
“Mais de 90% das pessoas que cometeram suicídio tinham uma doença psiquiátrica que não foi diagnosticada e que não foi tratada. E é preciso considerar também que mais de 80% da população que cometeu suicídio nunca foi a um médico psiquiatra, nunca foi a um psicólogo. E mais de 60% das pessoas que cometeram suicídio foram a um médico não psiquiatra um mês antes de cometerem suicídio”, completou Luiz Henrique.
A falta de profissionais na rede pública estadual preocupa os especialistas. “Nós estamos falando de um serviço extremamente importante, que é o serviço psiquiátrico na rede pública de saúde. É preciso que as pessoas tenham acesso a um médico psiquiatra também na rede pública de saúde”, disse Luiz Henrique.
Sem atendimento na rede pública, a opção, para quem tem condições financeiras, é recorrer às clínicas particulares, cujo atendimento varia entre R$ 300 e R$ 800 por consulta. Luiz Henrique afirma que alguns profissionais ofertam os serviços gratuitamente, mas que cabe ao Estado promover o atendimento à população.
“Eles acabam se reunindo em associações e às vezes até mesmo voluntariamente se dispõem a atender gratuitamente uma parte das pessoas que procuram seus serviços. Mas isso não é uma regra e nem deve-se esperar que os psiquiatras de um modo geral façam cortesia ou atendam gratuitamente a população. É preciso que, de fato, a rede de saúde pública se estruture para oferecer atendimento de qualidade, especialmente para a população de baixa renda”, disse Luiz Henrique.
Poucos especialistas
As informações sobre o baixo número de especialistas constam em ofício enviado pela secretaria ao Ministério Público no dia 1º de setembro. O Ministério Público tinha pedido para o governo estadual disponibilizar especialistas para “formar junta médica especializada, a fim de proceder a avaliação de capacidade de membro do Ministério Público”, mas a secretaria alegou que “as unidades operam com a capacidade mínima necessária”.
A Secretaria Executiva de Assistência relaciona sete médicos psiquiatras vinculados à SES-AM e afirma que eles estão lotados no Centro de Saúde Mental do Amazonas, do Governo do Amazonas, localizado no bairro Planalto, zona oeste de Manaus. O local, que fica aberto 24 horas, atende casos relacionados à saúde mental, como também todas as urgências e emergências ocorridas com pacientes psiquiátricos, oferecendo “atendimento especializado e humanizado com profissionais capacitados para atender a demanda”.
A unidade tem o papel de organizar a continuidade do cuidado na rede de saúde mental, indicando o melhor serviço de saúde mental após o atendimento emergencial do paciente, podendo ser: um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), gerido pela prefeitura; ambulatório especializado; internação breve; Centro de Reabilitação em Dependência Química; ou até mesmo na atenção básica.
A secretaria não comunica se irá ceder profissionais para o Ministério Público, apenas diz que os profissionais “são essenciais para o pleno funcionamento da unidade, assegurando acesso e integralidade no atendimento prestado aos pacientes que necessitam do serviço”.
Estrutura
De acordo com Luiz Henrique, a estrutura ideal para atendimento da população deve ter, ao menos, três serviços: os CAPS, uma policlínica com psiquiatria e um serviço de pronto atendimento psiquiátrico.
Os CAPS são geridos pela prefeitura. Existem quatro unidades em Manaus, distribuídas nas zonas centro-sul, leste e sul, que atendem crianças, adolescentes e adultos. Há um CAPS exclusivo para dependentes químicos. A lista completa está aqui.
Luiz Henrique relembra que o Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro foi desativado e que foi construído o Centro de Saúde Mental do Amazonas, que pode atender pacientes com crise.
As policlínicas, conforme o médico, devem atender “casos menos graves ou casos que requeiram acompanhamento, mas que não tem um potencial de gravidade maior que mereceriam ser atendidos nos CAPS, no centro de atenção psicossocial”.
A reportagem solicitou mais informações da SES-AM, mas até a publicação desta matéria nenhuma resposta foi enviada.