Do ATUAL
MANAUS- O prefeito de Manaus, David Almeida, sancionou a Lei nº 3.292/2024 que institui a adoção de crianças e adolescentes órfãos ou abandonados durante crises de saúde pública, como pandemias ou calamidades. A lei foi publicada no Diário Oficial de Manaus do dia 20 de março.
A lei estabelece que crianças e adolescentes permanecerão em acolhimento familiar durante 30 dias, prorrogável pelo mesmo período. Nesse intervalo de tempo, a Justiça fará busca pelos familiares dos órgãos para devolvê-los aos pais.
Especialistas em direito constitucional ouvidos pelo ATUAL afirmam que a lei é inconstitucional, pois interfere na competência do Executivo Municipal.
Segundo o advogado Anderson Fonsesa, cabe ao Estado, junto com a União e o Distrito Federal, legislar sobre a proteção à infância e à juventude, enquanto os municípios têm competência para legislar apenas sobre interesses locais, com a possibilidade de suplementar a legislação federal e estadual.
Para o advogado Carlos Santiago, a inconstitucionalidade surge devido vários aspectos, entre eles: não ser atribuição do Poder Legislativo Municipal tratar do tema de adoção de criança e adolescente, pois é de competência do Congresso Nacional.
De acordo com a legislação recém-decretada, os menores nessa situação serão encaminhados à Justiça da Infância e da Juventude para acolhimento institucional ou familiar.
Anderson Fonseca diz que até o momento não existe uma legislação específica a nível estadual ou federal que trate desse assunto, o que torna questionável a iniciativa da Câmara Municipal de Manaus.
“O município, no caso específico, ele fica muito a restrito a legislar sobre interesse local, o que está lá no artigo 30 da Constituição Federal. Na sequência, no mesmo artigo 30, é verificado que existe uma possibilidade, que é também de utilização um pouco remota, de suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”, disse.
O especialista argumenta que, embora as intenções da lei sejam louváveis, o município estaria legislando de maneira primária, com viés inconstitucional. “Por melhor que seja e por melhor que sejam as intenções, isso não é primariamente atribuição do parlamento municipal, ele estaria legislando de maneira primária e não suplementar. Neste caso incorrendo em vício de inconstitucionalidade”.
Fonseca sugere que, em vez de uma legislação municipal seria mais adequado buscar uma abordagem legislativa estadual ou federal para lidar com essa questão.
Carlos Santiago também afirma que cabe ao Poder Legislativo Municipal tratar apenas de temas de interesse local, como transporte, saneamento, creche, meio ambiente, entre outros, conforme estabelecido na Lei Orgânica do Município.
Além disso, o advogado aponta que a proposta cria obrigações para o Poder Judiciário do Amazonas e para o poder Executivo Municipal ao propor e promover políticas públicas que envolvem gastos.
“Seria interessante que o legislador, antes de propor um projeto de lei na Câmara de Manaus, observasse os artigos da lei orgânica do município que tratam de competências dos legisladores municipais e os temas que são de interesse locais do município”, disse Santiago.
Justificativa
O projeto que criou a lei é de autoria do vereador Wallace Oliveira (DC). Segundo o parlamentar, “a proposta visa garantir o respeito ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, em consonância com os direitos fundamentais estabelecidos para esse público”.
Na justificativa da apresentação do projeto, Wallace Oliveira incluiu o que a pandemia da Covid-19 causou na sociedade e os impactos sociais, incluindo o aumento do número de crianças e adolescentes abandonados ou órfãos devido à falta de emprego de seus pais e cuidadores.
Dados do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA) mostram que o Brasil registrou 47.369 menores em situação de acolhimento até maio de 2020, apontando para problemas sociais preexistentes exacerbados pela atual crise.