Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – A juíza Juline Rosa Neres, da Comarca de Manaus, rejeitou, na segunda-feira (8), os pedidos para absolver e soltar os 16 policiais militares acusados de envolvimento na morte de quatro pessoas no Ramal Água Branca, na rodovia AM-010, em dezembro de 2022. Neres também decidiu que as audiências de instrução do caso serão realizadas entre os dias 27 e 30 de junho.
Em abril, ao apresentarem resposta à acusação, os advogados dos PMs classificaram a denúncia do MP-AM (Ministério Público do Amazonas) como “genérica, confusa e prolixa”. Segundo eles, a acusação não descreve a conduta de cada agente e não demonstra provas suficientes de que eles participaram da ação criminosa, apenas relata “conjecturas e ilações”.
Juline Neres discordou dos advogados. Para ela, a denúncia do MP traz informações suficientes. “Há, em cognição sumária, provas documentais suficientes que dão conta da materialidade delitiva, bem como indícios suficientes de autoria dos crimes, não sendo possível afirmar que a denúncia se sustenta apenas na vontade de acusar e punir”, disse a juíza.
Doze agentes estão presos no Batalhão da Polícia Militar do Amazonas, em Manaus, desde o dia 24 de dezembro, e outros quatro, desde o dia 17 de fevereiro. Eles são acusados das mortes de Diego Máximo Gemaque, de 33 anos, Lilian Daiane Máximo Gemaque, 31 anos, Alexandre do Nascimento Melo, 29 anos, e Valéria Pacheco da Silva, 22 anos.
As vítimas foram encontradas mortas na manhã do dia 21 de dezembro em um veículo Ônix no ramal Água Branca, na rodovia AM-010. Os policiais se tornaram suspeitos após a repercussão de vídeos gravados por moradores que mostram o momento em que eles fizeram a abordagem no veículo das vítimas na Rua Portland, no bairro Nova Cidade, horas antes dos assassinatos.
Antes de serem presos, em fevereiro deste ano, quatro policiais militares ouvidos na condição de testemunhas relataram ter havido a reunião entre os agentes no ramal do Acará, na Avenida das Torres, com a presença das quatro vítimas. Os investigadores concluíram que pelo menos uma delas era “carta marcada para execução” e as demais foram mortas como queima de arquivo.
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No dia 21 de março, o juiz Fábio Lopes Alfaia aceitou a denúncia do MP contra os agentes. Em decisão com uma breve fundamentação, o magistrado considerou que havia, no documento, a prova da materialidade (ele mencionou laudo necroscópico e depoimentos de agentes) e indícios de autoria. Alfaia também negou a soltura dos PMs.
Justa causa
Ao analisar as questões levantadas pela defesa dos policiais, a juíza Juline Neres afirmou que, nessa fase do processo, não é necessário exame “aprofundado da acusação, o que deve ser reservado ao julgamento, após o contraditório e instrução”. “Basta apenas, em cognição sumária, verificar adequação formal e se há justa causa para a denúncia”, disse a juíza.
Para a magistrada, há provas suficientes. Ela menciona os laudos necroscópicos das quatro vítimas, relatórios de conteúdo telefônico e relatório das câmeras do CIAISP (Centro Integrado de Análise de Imagem de Segurança Pública), mais conhecido como “Paredão”. Cita, ainda, as declarações e interrogatórios, acareações e laudos de perícia criminal.
De acordo com Juline Neres, o MP cumpriu com seu dever de narrar a conduta atribuída aos agentes. “Tal descrição, entendo, fora feita de forma satisfatória, tendo a Denúncia apontado a dinâmica até então conhecida dos fatos, inclusive atribuindo àqueles que tinham o dever legal de evitar o resultado”, afirmou a magistrada.
Quebra do sigilo
Os advogados dos PMs pediram a quebra do sigilo das vítimas para identificar “ligação com o crime organizado”. Juline Neres rejeitou o requerimento. “O motivo é por deveras simples: pouco ou nada importa se as vítimas delineadas tiveram ou não ligação com o crime organizado/facções criminosas ou como tráfico, pois o que se busca perquirir é a autoria dos crimes”, disse a juíza.
De acordo com a magistrada, a quebra de sigilo telefônico só deve ser admitida quando há suspeita de que os crimes tenham sido cometidos por quem está sob investigação. “No caso, como o pedido de quebra de sigilo telefônico diz respeito às vítimas e não aos acusados, o pedido encontra óbice no próprio texto legal (art. 2º da Lei n. 9.296/96)”, afirmou Juline Neres.
A defesa dos policiais também pediu para que fossem identificados os proprietários dos veículos que aparecem nos relatórios de monitoramento, especialmente o Ônix branco e o Renault Kwid. Juline Neres disse que, no primeiro, os integrantes eram as vítimas, e no segundo, o proprietário está descrito em relatório disponibilizado para os advogados.
Soltura
Ao rejeitar a soltura dos PMs, a juíza sustentou que “a suposta conduta dos réus e a violência com que foram praticadas as condutas são motivos suficientes para a manutenção” das prisões preventivas. Para ela, as medidas cautelares previstas na legislação, como o uso de tornozeleira, “não se mostram suficientes para o fim de acautelar, sobretudo, a garantia da ordem pública”.
Para ser liberada, uma policial informou que tem dois filhos, mas a juíza rejeitou a soltura porque, segundo ela, “o crime fora cometido com violência”. Para as mulheres presas que são mães, a legislação só é flexível (convertida em prisão domiciliar) quando o crime atribuído a elas não for cometido com violência ou grave ameaça.
De acordo com Juline Neres, a questão não é sobre “ser ou não imprescindível aos cuidados dos filhos”, mas sobre atender os requisitos. A juíza sustentou que os crimes e a “maneira como foram supostamente executados devem ser considerados, sobretudo o modo como da execução, em um cenário de horror e extrema violência”.