MANAUS- “O que a sociedade não sabe e esse tipo de imprensa não fala é que todos os presos, xerifes, chefões, ou qualquer nome que se dê, estão presos onde estão por mandados de prisões, guias de recolhimento etc, expedidos por mim. Que apesar de ameaçado de morte, andando escoltado, com a vida de minha família em risco, estão todos esses xerifes presos, inclusive alguns já em penitenciária federal”, disse o juiz titular da Vara de Execuções Penais, Luís Carlos Valois.
Ele usou seu perfil na rede social Facebook para se manifestar sobre as interceptações telefônicas oriundas da Operação La Muralha, nas quais presos do regime fechado acusados de fazerem parte de uma organização criminosa denominada FDN (Família do Norte), comentam que têm privilégios nas unidades prisionais com o auxílio do magistrado. Parte das conversas foram reproduzidas nesta terça-feira, 24, pela mídia local.
Segundo reportagem publica pelo jornal A Crítica, José Roberto Fernandes Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, transferido recentemente do Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim) para um presídio federal em Rondônia, e o fugitivo da justiça João Pinto Carioca, o João Branco, falam sobre a possibilidade de o juiz deixar a Vara, o que acarretaria em riscos de cortes de privilégios na prisão. Eles mencionam, ainda, o ex-secretário de Justiça e Direitos Humanos, coronel Louismar Bonates, afirmando que ele não está do lado dos detentos. “Tem que unir forças para derrubar esse homem (Bonates) porque o Valois é por vocês” diz a advogada Lucimar Vidinha Gomes, que também aparece nas escutas.
Luís Carlos Valois afirmou em seu perfil no Facebook que “o sistema penitenciário do Amazonas, apesar do caos em que se encontra, como na maioria dos outros Estados, possui programas de educação, trabalho e assistência para os presos, principalmente porque eu, há 16 anos De acordo com ele, enquanto juiz esse é seu único papel. “Ainda que às vezes seja difícil, tenho tentado dar prioridade à vida, bem maior, de muitos internos constantemente ameaçados”. Ele admitiu a possibilidade de ser substituído na Vara de Execuções Penais, mas se preocupou com a possibilidade de a VEP ficar abandonada “ como muitas pelo Brasil a fora, onde não param juízes, e a criminalidade de Manaus cresça assustadoramente no futuro. Mas eu sei o trabalho que fiz para os presos e sei que, fazendo um bom trabalho com o sistema penitenciário, estou fazendo um bom trabalho para a sociedade”, reforçou.
Valois conclui o comentário da seguinte forma: “só o futuro dirá, mas meus detratores, se são mesmo cidadãos amazonenses, podem um dia se arrepender de atacar, vilipendiar e tentar humilhar quem apenas faz um trabalho honesto e dentro da lei. De qualquer forma, nunca se pratica injustiça em vão”. Questionado pelo AMAZONAS ATUAL se gostaria de comentar especificamente os diálogos dos presos, Valois disse apenas que os questionamentos deveriam ser feitos aos presos que mencionaram seu nome durante a conversa.
Na última sexta-feira, durante a operação La Muralha, desencadeada pela Polícia Federal no Amazonas, em outros quatro estados brasileiros e em países que fazem fronteira com o País (Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia), Zé Roberto da Compensa foi transferido para o presídio federal. Na ocasião foram cumpridos 97 de mais de 100 mandados de prisão preventiva expedidos pela Justiça. As acusações vão de tráfico internacional de drogas a homicídios e torturas. As investigações da Polícia Federal apontam indícios de envolvimento da FDN nas ações criminosas, inclusive com a participação de presos como Zé Roberto, o que motivou sua transferência.
Em setembro deste ano, em entrevista ao AMAZONAS ATUAL, Valois afirmou não haver organização criminosa mandando na cadeira “e sim um bando de pé rapado”. Na ocasião, ele disse que falar de organização criminosa no Estado é “um tiro no pé que a sociedade tá dando, por que a gente acaba legitimando isso. Acaba legitimando um bando de pé rapado que se junta pra cometer crime e que a polícia poderia facilmente combater, mas com esse enaltecimento, inclusive dá força pra essas quadrilhas e gangues. Eu acho que dizer que existe crime organizado é legitimar quadrilhas e gangues que não deveriam ser legitimadas. Legitimar é permitir que tenham alcance”.
Defesa
“Só se recupera da criminalidade se agente tiver um olhar fraterno para eles, ainda que façam mal a nós, cidadãos de bem”, disse o presidente da Associação dos Magistrados do Amazonas (Amazon), Cássio Borges, ao defender o juiz Luís Carlos Valois, na manhã desta terça-feira, 24.
A reunião contou com a presença dos magistrados Mônica Câmara, Roberto Aragão e Celso Silveira, que posicionaram-se a favor de Luis Carlos Valois, juiz da Vara de Execução Penal há 16 anos. Cássio Borges afirmou que recebeu a notícia de interceptações telefônicas do juiz Luis Carlos Valois com bastante surpresa. “Eu conversei com Luis Carlos há mais ou menos três horas, logo que tive acesso à. Ele está tão surpreso quanto nós. Não há nada que desabone o juiz nas escutas. Ele é extremamente competente, trabalhador e estudioso”.
Em declaração à imprensa local, Luis Carlos Valois, alegou que desconhece o pedido de apoio dos presos para que ele permaneça na VEP. “Eu não sei de nada. Eu falei que ia sair de licença, mas não pedi apoio de ninguém. Uma vez os presos fizeram um abaixo-assinado para eu sair e o tribunal me comunicou, mas desta vez, não”, disse o magistrado.
Para o juiz Cássio Borges, o preso é isento de liberdade e não de dignidade. “Se quer uma lei mais rigorosa, a gente vai produzir monstros nas cadeias, e não recuperá-los.” O juiz finaliza afirmando que acredita que a maioria dos presos se recupera. “Ninguém nasce bandido; ninguém nasce marginal; ninguém nasce assassino; ninguém nasce traficante. Assim como as pessoas caminham para a criminalidade, elas podem ser recuperadas da criminalidade pela sociedade”, exemplificou.