O que pode levar à condenação um inocente ou a livrar um culpado? O que pode gerar abusos e erros policiais ou judiciários? O que concorre para a impunidade? A mesma resposta: a qualidade da investigação dos delitos realizada pela polícia judiciária (Polícia Civil nos estados-membros, Polícia Federal na União).
Como falar em justiça, liberdade ou democracia num regime sem a devida investigação dos delitos, que condena o inocente ou livra o malfeitor, decaindo na impunidade? Como conceber uma sociedade livre e justa sem a devida e consistente investigação criminal?
Nazismo, fascismo, stalinismo e outras ditaduras tentaram usar a investigação policial para justificar suas teses etnocêntricas e genocidas, mas foram derrotados pela tendência que move a história – a busca pela liberdade e pela justiça. Algo chamado democracia é o que até aqui chegou mais próximo dessa possibilidade de uma sociedade livre, justa e solidária. É o que a devida investigação policial deve resguardar. Pois não é científico nem ético aceitar que “uma mentira afirmada com veemência vire uma verdade”, como nazifacistas e stalinistas queriam e, infelizmente, outros atualmente ainda querem. Aliás, certos produtos publicitários, profissionais da publicidade, líderes fanáticos, além dos políticos carreiristas, tentam nos convencer todos os dias de que suas mentiras são verdade e que a verdade não existe – “é tudo relativo”. Por essa razão, é que faz toda a diferença a necessária e adequada investigação criminal, pois é ela que está entre a pena ou a liberdade, a justiça ou a impunidade, a verdade ou a mentira.
A investigação criminal, presidida pela autoridade de Polícia Judiciária, é imprescindível à apuração da materialidade e autoria dos delitos, pois fornece elementos essenciais ao ministério público para oferecimento ou não da denúncia e ao judiciário para promover a justiça em seus julgamentos e, quando cabíveis, em suas penalizações.
A formalização da investigação criminal policial, que deve sempre ser um processo de investigação científica, dá-se por meio da elaboração do Inquérito Policial, presidido pela autoridade de Polícia Judiciária, o Delegado de Polícia. Esse método possibilita o controle técnico-jurídico da qualidade da investigação policial, que não pode ser apropriada por interesses estranhos, corporativistas nem políticos, mas deve estar a serviço da sociedade em suas aspirações por justiça. Nenhuma técnica, interesse ou corporação, mesmo estatal, pode legar-se o controle da investigação policial, sob pena de viciá-la, comprometer sua cientificidade, violar os fins a que se destina, romper com as suas condições legais, dando margem a todo tipo de questionamento por advogados via judicial.
A investigação policial não pode estar sujeita ao controle de representações econômicas, políticas, profissionais ou técnicas, sejam de que natureza for. Essas não devem sequer reivindicar o controle de repartições administrativas e setores técnicos que apoiam a atividade policial, visto que isso prejudicaria a condução isenta e científica da investigação criminal, abrindo espaço a inúmeros vícios e oposições judiciais. Poderia ser facilmente arguida a prática abusiva e outras arbitrariedades decorrentes da manipulação privada, técnica ou política do objeto de exame, o que seria frontalmente ofensivo ao direito e à qualidade da investigação policial. Por isso, a investigação policial deve observar o dispõe a Constituição Federal, o Código de Processo Penal e as leis relativas a procedimentos específicos, sob comando da autoridade de Polícia Judiciária, o Delegado de Polícia, que tem como seus agentes investigadores, escrivães e, como auxiliares, técnicos especializados vulgarmente chamados de peritos.
A investigação policial de um fato delituoso deve observar procedimentos, princípios e regras que resultem na construção de um conhecimento provável e elucidativo, que irá dar respostas a questões e aproximar ao máximo da realidade investigada. No curso do processo investigativo, dentre outras, produzem-se provas testemunhais, documentais, técnicas, acareações, exames e perícias em geral. Esses elementos probatórios estão sob o olhar, a regência e o controle da autoridade policial. Nenhum desses elementos pode ser descartado nem desmembrado de uma investigação policial desde que tenha pertinência ao fato objeto de apuração. Significa dizer que essas providências, procedimentos e perícias só fazem sentido se servirem à investigação policial e, por meio desta, à sociedade.
Quem fornece as questões, a referência para os exames e define em que a perícia vai atuar é o Delegado de Polícia, pois este preside a investigação criminal, em fase policial. A perícia criminal existe para atender as demandas policiais no curso das investigações criminais. Do contrário, a perícia não serve à sociedade, pois viola suas atribuições legais, descaracterizando-se e convertendo-se em feudo de vicioso corporativismo tecnocrático, sem qualquer validade jurídica, comprometendo sua cientificidade e condição de existência.
Outro aspecto importante é que a investigação policial não é “oba-oba”. Não é “pirotecnia de rua” nem ronda ostensiva. Importa em certa complexidade e em inúmeros riscos, inclusive riscos extremos nos quais se recorrem a táticas de enfrentamento armado. Não é fácil fazer uma boa investigação criminal. Requer discernimento, certa experiência, ágil articulação de informações e certas habilidades essenciais à prática da investigação policial. É um trabalho que, quanto mais discreto, científico e preciso, melhor. Isso se reflete na qualidade do resultado da apuração dos delitos. Por essa razão, deve-se evitar confundir a Polícia Judiciária com outras polícias de características ostensivas.
Por se tratar de investigação policial, deve-se admitir que é fundamental investir no constante treinamento, disciplina, aprimoramento e inteligência da Polícia Civil, que é quem realiza a investigação criminal, com vistas a efetivar serviços constitucionais essenciais à sociedade. A valorização dos policiais civis nos Estados e investimento em tecnologia, método e instalações dignas são medidas que evidenciam o compromisso com a investigação dos delitos e atendimento dos apelos da população por justiça.
Impor penas de qualquer jeito ou a qualquer um é coisa de regimes medonhos e degradantes. Politizar e concentrar a investigação policial nas mãos de grupelhos, quando há instituições democráticas para efetuá-las e administrá-las, são práticas comprometedoras comuns a ditadores e a gestores corruptíveis. A investigação dos crimes e a devida penalização são essenciais à ordem social. Investigar não é só desvendar versões, mas dar condição para que a justiça seja feita. Por isso, investigar os delitos com eficácia é imprescindível e basilar à ordem pública, à liberdade e à cidadania numa sociedade de perspectiva democrática.
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