O Brasil tem assistido a um festival estarrecedor de desvios com o dinheiro público. O Judiciário tem ocupado o centro das manchetes jornalísticas, ora divinizado, ora satanizado, por fazer exatamente o que determina a Lei. Juízes acolhem em suas respectivas Cortes de Justiça as mazelas de um País a caminho do abismo pelo volume assustador de ilícitos. Embora a Instância Judicial do Estado Democrático não seja parte dessa lide sinistra – posto que os crimes de que aqui se trata foram consumados no âmbito de outros Poderes – ela se vê diante do desafio de julgar esses membros, integrantes do Estado Democrático, ora no papel de corruptos, ora de corruptores.
No exercício dessa tarefa, a Justiça tem sido alvo da manipulação da opinião pública de quem busca inverter a ordem dos fatos, desfocar a atenção sobre a gravidade dos ilícitos e atribuir à Magistratura a pretensão, sem qualquer fundamento, de assenhorar-se do poder exclusivo e decisório. Na arena sagrada do Estado de Direito, a propósito, é que se desenrola essa caminhada de amadurecimento de nossa juvenil Democracia. E com as Tábuas da Lei, a Justiça busca resgatar a brasilidade e equilibrar a necessária e vital articulação, dinâmica e interdependente dos três Poderes. E, se para os percalços da Democracia não há qualquer remédio além da Democracia, é por uma razão muito simples: a Lei, mesmo eventualmente confusa, frequentemente incompreendida ou formulada, muitas vezes, sob a ótica e pressão dos que podem mais. “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei não há salvação”, arremataria Rui Barbosa, diante dos Ministros da Corte Suprema.
A sociedade reconhece o papel do juiz, o representante, emissário e curador da Lei, nodesafio de passar o Brasil a limpo e, ao mesmo tempo, atacar a Justiça, segundo o segmento partidário ou interesse pecuniário em questão, ao cobrar infalibilidade, atributo transcendental. Ora, não foram os Juízes que inventaram os ilícitos, nem lhes compete, além de seus atributos institucionais, consertar as mazelas da sociedade. As contradições da sociedade têm raízes mais profundas. Compreendê-las, corrigir suas distorções e apostar na educação de boa qualidade para que o arcabouço social possa instaurar uma nova ordem é tarefa de todos. À justiça caberá o papel de avaliar e, eventualmente, punir os deslizes de quem romper o contrato social.
Como não lembrar as aulas de Filosofia do Direito sobre a obra apaixonante de Jean-Jaques Rousseau, em particular, o Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, e perguntar o papel do Direito para reduzir o distanciamento entre o homem social e o homem natural. O Filósofo recomenda uma relação de cumplicidade entre os governantes e governados baseada principalmente na liberdade, no contexto de seu “Contrato Social”, em que a vontade geral é o motor da luta em prol de um bem comum.
Para Rousseau, que afirmou, nas Cortes Francesas, diante dos índios da Amazônia, que o homem é naturalmente bom e a sociedade o corrompe, a origem das desigualdades está na propriedade mal distribuída. “O primeiro homem que inventou cercar uma parcela de terra, e dizer, “isto é meu”, foi o autêntico fundador da sociedade civil. Poesia ou filosofia à parte, o mundo contemporâneo e a luta pela sobrevivência de um mundo mais justo e fraterno passam, necessariamente, pela vigília e acatamento do Estatuto Legal. Eis o papel do Advocacia, da Magistratura e da Democracia. Entre seus afazeres está o desafio de consolidar a Segurança Jurídica, tanto para o cidadão comum e sua família, como para trabalhadores e investidores. O Brasil ainda naturaliza essa insensatez de mudar as regras do jogo no decorrer da partida, como, no Amazonas, vítimadiariamente, no âmbito dos empreendimentos da economia, desse autoritarismo disfarçado de negligência permissiva, a afugentarinvestimentos para o Paraguai e China, causa do desemprego do trabalhador e do envolvimento dos jovens com a economia marginal do tráfico. Restam-nos as Tábuas da Lei, seus Guardiões Institucionais – não há outra alternativa – para o exercício pleno e construtivo da Democracia.
(*) Gina Moraes é advogada
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