Por Diogo Rocha, do ATUAL
MANAUS – Na primeira audiência pública da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Águas de Manaus, da CMM (Câmara Municipal de Manaus), na quarta-feira (19), o coordenador do Fórum das Águas, Sandoval Rocha, criticou as CPIs criadas para investigar os serviços das concessionárias de água e esgotamento sanitário.
Em Manaus, a concessão para a iniciativa privada do saneamento básico começou em 2000 e vai até 2045. Desde 2018, a Águas de Manaus assumiu os serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto na capital.
“Essa concessão, que começou em 2000, estou chamando de a ‘concessão das CPIs’. Já são três CPIs [na CMM]. Em 2005, recomendação principal: quebra do contrato de concessão. Não foi aceito. Em 2012, recomendação principal: quebra do contrato de concessão. Não foi aceito. Em 2023, terceira CPI. Quantas CPIs a gente vai ter mais durante essa concessão?”, disse o coordenador do Fórum das Águas.
Sandoval Rocha afirmou que há uma “insustentabilidade” e uma “perversidade” na privatização dos serviços de saneamento básico em Manaus. Ele argumentou que o valor da tarifa é superior à renda média dos moradores da cidade, segundo estudos citados na audiência.
Ele também declarou que existe muita “pobreza e desigualdade” na cidade e que a maioria da população não consegue pagar pelo básico para se sustentar.
“Já são 23 anos de privatização, 23 anos de concessão […] Tem alguns dados sobre a questão social na cidade de Manaus. Foi feito uma pesquisa recente com os dados do imposto de renda, que diz que a renda média da população de Manaus é R$ 1.012. E também numa pesquisa recente, a partir do IBGE, que 53% das moradias de Manaus estão em aglomerados subnormais, que são favelas, palafitas e ocupações. São moradias extremamente vulneráveis, de pessoas pobres”, disse.
O coordenador do Fórum das Águas disse também que as metas que justificaram, em 2000, a privatização dos serviços de água e esgoto em Manaus não foram alcançadas. “Uma meta muito clara que estava na privatização, no contrato de concessão, era que hoje nós teríamos 90% da cidade coberta com coleta e tratamento de esgoto. Então, essa meta que justificou a privatização não existe mais, ou seja, a privatização não tem mais sentido”.
Ainda conforme Sandoval, somente 25% da capital amazonense tem esgotamento sanitário. “Não existe justificativa razoável, econômica, ética e técnica para que a privatização aconteça [permaneça]. Existe uma justificativa política porque os prefeitos e governos estão sempre passando a mão e se omitindo em relação ao que acontece na cidade”, acusou Rocha, que é padre jesuíta e tem doutorado em água e saneamento.
Igarapés em risco
O presidente da Associação dos Moradores do Conjunto Habitacional Flamanal e vice-presidente do Comitê de Bacias do Tarumã Açu, Gilberto Ribeiro da Silva, disse que os igarapés de Manaus estão “morrendo”. Em seu pronunciamento na audiência pública, ele afirmou que o Igarapé do Gigante virou uma “rede de esgoto a céu aberto” que prejudica a flora e fauna local.
O Igarapé do Gigante nasce nas proximidades do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, no bairro Tarumã, e percorre vários bairros da zona oeste da cidade.
“Até quando vai chegar o socorro para aqueles igarapés que ainda estão vivos ou estão à beira da morte? […] Por que pagar água tão cara se a cada dia que passa vemos nossos igarapés sendo mortos? Isso é justo?”, questionou Silva, que fez um apelo pela despoluição do Gigante.
Ele alertou que o Igarapé Água Branca, que também atravessa o Tarumã, é o último com água limpa de Manaus. Nos últimos anos, a ONG Mata Viva trabalha na conservação desse curso d’água e das áreas de preservação ambiental do bairro.
Por ser o único igarapé ainda vivo de Manaus, o Água Branca serve de base de laboratório para as universidades do Amazonas e sempre atrai pesquisadores. O nível das suas águas é monitorado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas).
Omissão
Relator da CPI da Águas de Manaus e autor do requerimento da audiência pública, o vereador Rodrigo Guedes (Podemos) novamente acusou a Prefeitura de Manaus de “omissão” por não penalizar a concessionária por falhas na prestação dos serviços.
A Ageman (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados do Município de Manaus) até o momento, segundo constatou a CPI, multou quatro vezes a empresa.
“Já ficou muito claro para a gente [na CPI] que houve a omissão da Ageman em não autuar. Porque num contrato que o poder concedente [Prefeitura de Manaus] concede para a iniciativa privada, via licitação, qual é a sua obrigação? Fiscalizar esse contrato. E se a Águas de Manaus não estiver cumprindo algumas diretrizes e [por exemplo] tiver faltando água na casa das pessoas diariamente, cabe ao poder concedente multar e punir”, disse Guedes.
E conforme a agenda da CPI da Águas de Manaus, as próximas audiências públicas serão itinerantes. As comunidades dos bairros Planalto, João Paulo e Conjunto Franceses serão as primeiras a receber a comissão parlamentar.