Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – O alerta do procurador-geral do Estado, Giordano Cruz, sobre proposta do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) que revoga os fundos da PGE (Procuradoria-Geral do Amazonas) e DPE (Defensoria Pública do Amazonas) gerou desconforto em parte dos desembargadores na sessão desta terça-feira (19).
Os magistrados entenderam como uma “advertência” a declaração de Cruz de que a medida, caso fosse aprovada sem o cumprimento de requisitos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, poderia configurar crime de responsabilidade do presidente do TJAM. Além disso, para os desembargadores, na fase atual a matéria só deve ser discutida pelo Poder Judiciário.
“Eu não estou entendendo, senhora presidente, essa advertência – pelo menos eu estou me sentindo advertido aqui – em uma sessão administrativa de apreciação de um projeto de lei de iniciativa do Poder Judiciário. Eu não estou entendendo essa participação. (…) Eu estou me sentindo advertido das consequências”, disse o desembargador Hamilton Saraiva.
O episódio ocorreu em sessão do Tribunal Pleno que discutia uma minuta de resolução e anteprojeto de lei que objetiva a alteração da atual sistemática de emolumentos da serventias notariais e de registro. Cruz usou tempo na reunião para defender a manutenção do fundo, mas, em determinado momento, alertou para o risco da prática de crime de responsabilidade.
“Existem alguns requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal para a ocorrência de renúncia de receita. (…) Ressalto a gravidade disso porque em alguns casos o não respeito a esses requisitos de renúncia de receita pode se configurar inclusive crime de responsabilidade, nesse caso, seria crime de responsabilidade do presidente do Tribunal de Justiça”, disse Cruz.
Para Saraiva, as contestações da PGE e da DPE deveriam ter sido feitas na comissão criada para elaborar o anteprojeto. “Essas questões, segundo meu entendimento, já passaram. Teriam que ser objeto da participação da PGE lá na comissão, não aqui. Eu quero que fique registrado esse meu estranhamento quanto a essa questão”, disse o desembargador.
Após a interrupção da fala de Cruz, os desembargadores votaram a questão de ordem de Saraiva para decidir se Cruz continuaria a sustentação oral. A maioria contestou da participação dele na reunião administrativa do TJAM, mas votou pela continuidade da sustentação, uma vez que ele já havia sido autorizado e começado.
Apesar do incômodo com o alerta do procurador, o desembargador Hamilton Saraiva pediu vista para analisar as questões levantadas e a discussão da matéria foi adiada. “O pedido de vista se baseou exatamente nessas ponderações que hoje foram trazidas. Não tem ideia de procrastinação de minha parte”, afirmou Saraiva.
Extinção de fundos
De acordo com Giordano Cruz, o Artigo 12 da minuta do projeto de lei prevê a extinção dos fundos especiais da PGE-AM e da DPE-AM. No entanto, segundo o procurador, esses fundos foram criados através de leis de iniciativa do chefe do Poder Executivo, ou seja, não poderiam estar inseridos em projeto de lei proposto pelo TJAM.
“A redação vai além da extinção do percentual destinado à PGE e à DPE oriundo de taxas cartorárias. A redação extingue o fundo por completo. É só ler o Artigo 12, parágrafo 2º, que se vai perceber que a redação está extinguindo tudo inteiramente”, disse Cruz, ao citar o princípio da separação dos Poderes.
A Lei Estadual nº 3.257, de 30 de maio de 2008, prevê a destinação de 5% das receitas incidentes sobre recolhimento de custas e emolumentos extrajudiciais para o Fundo Especial da DPE-AM. Para o Fundo Especial da PGE-AM, a Lei Estadual nº 3.846, de 26 de dezembro de 2012, estabelece o repasse de 3%.
Cruz leu trecho atribuído ao relatório da corregedora-geral do TJAM, Nélia Caminha, que, segundo ele, diz que “os fundos destinados às instituições como Procuradoria-Geral do Estado e Defensoria Pública que oneram o valor pago pelo consumidor final, porém, sem a reversão dos valores para o desenvolvimento da atividade cartorária”.
“A PGE tem um papel fundamental com a atividade cartorária. Muita das vezes quem está aqui, na prática, sabe que essa atividade é indissociável. A título de exemplo, a PGE inscreve sua dívida ativa e realiza o protesto. Isso é realizado pelos cartórios de protesto do Amazonas”, afirmou Cruz.
Ao defender a manutenção dos fundos, o procurador citou o julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 3704 pelo STF (Supremo Tribunal Federal) que, segundo ele, considerou constitucional um fundo semelhante ao da PGE do estado do Rio de Janeiro. A lei daquele estado destina 5% da receita das taxas ao fundo da PGE.
Cruz apontou como inconstitucionalidade o suposto tratamento diferente entre as instituições do sistema de justiça. “A advocacia pública faz parte do sistema de justiça. Da maneira como está realizando essas modificações, elas estão passando a tratar de modo diferente as funções essenciais da justiça”, disse o procurador.
Ao apontar para o risco da prática de crimes de responsabilidade do presidente do TJAM, Cruz afirmou que a extinção dos percentuais representa renúncia de receita, ou seja, para que isso ocorra deve-se cumprir alguns requisitos, como a modificação da Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual.