Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Ao manter Marcos Roberto Miranda da Silva, mais conhecido como Marcos Pará, na Penitenciária Federal de Mossoró, no estado do Rio Grande do Norte, no início deste mês, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Jorge Mussi reconheceu a “posição de liderança e influência” do detento na facção criminosa intitulada FDN (Família do Norte).
Mussi aceitou os argumentos do juiz Rômulo Garcia Silva, da Vara de Execuções Penais de Manaus, a respeito da existência de ruptura entre José Roberto Barbosa, mais conhecido como Zé Roberto da Compensa, e João Pinto Carioca, o João Branco, de quem Marcos Pará é braço direito e pistoleiro, segundo a Justiça. Os três são tratados pelo juiz como líderes da FDN.
“O apenado ocupa posição de liderança na organização criminosa intitulada Família do Norte – FDN e a prorrogação da sua manutenção no Sistema Penitenciário Federal seria essencial aos interesses da segurança pública, já que não cessadas as causas que levaram ao deferimento do seu ingresso”, argumentou Silva.
Enquanto a Justiça reconhece a existência das facções no estado e a influência que elas têm para causar “rebeliões com possíveis mortes”, como ocorreu em 2017 e 2019, os órgãos de Segurança Pública e Administração Penitenciária do Amazonas caminham na contramão e optam pelo discurso do “não reconhecimento” delas alegando evitar “apologia” às facções.
No último dia 11 de fevereiro, um dia após a instalação do gabinete de crise, o secretário executivo de Segurança Pública, Anézio Paiva, disse que a SSP-AM não considera a ação de facções criminosas no estado. “O sistema não fala em facção, fala em criminoso. Nós monitoramos todos os criminosos. Nós não fazemos apologia a A, B ou C. Para o sistema todos são criminosos e como tal serão tratados”, afirmou.
Apesar de não reconhecer publicamente a existência das facções criminosas, o governo estadual tem ciência do poder que elas detêm dentro dos presídios do Amazonas, como mostra trechos de documento enviado pela Seap (Secretaria de Administração Penitenciária) à Justiça estadual em que pediu a permanência de Marcos Pará no presídio federal.
No documento, a Seap mostra a preocupação com as possíveis consequências do “racha” entre os líderes da FDN. “Importante salientar que após o recente racha nas lideranças da organização FDN, o sistema penitenciário amazonense encontra-se em alerta e realiza trabalhos diários no intuito de separar membros ligados aos traficantes João Pinto Carioca e José Roberto Fernandes Barbosa”, alegou a Seap.
Ao remeter o pedido ao STJ, o juiz Rômulo Silva citou a “ruptura nacional entre o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital” e apontou o PCC como dominador das rotas do tráfico no Sul do país. Ele também disse que após esse racha “o Amazonas ganhou importância no cenário nacional do narcotráfico por conta de suas fronteiras com Colômbia e Peru”.
Ainda de acordo com Silva, no Amazonas havia uma aliança entre as facções Família do Norte e Comando Vermelho. No entanto, devido a divergência entre as principais lideranças, “houve uma ruptura nessa aliança” e Gelson Lima Carnaúba, o Mano G, um dos fundadores da FDN, iniciou “operação independente do Comando Vermelho no Estado do Amazonas”.
De acordo com o documento, assim que essa ruptura ocorreu foram identificadas seis mortes nos presídios do Amazonas de presos ligados a Mano G “em uma clara demonstração de retaliação” da Família do Norte. Para evitar novas mortes, a Seap teve que separar os presos que eram ligados a Mano G no CDPM 2 (Centro de Detenção Provisória Masculino II).
Silva sustentou que os efeitos da desavença entre os líderes também são sentidos fora do sistema prisional do Amazonas “com a prática de diversos homicídios na disputa pela rota do tráfico e pelo protagonismo na região amazônica”. Além disso, para o juiz, a estrutura carcerária tradicional amazonense se tornou “inapta” para desestruturar as práticas delitivas dos líderes da FDN.
Rotulação
A não rotulação de presos é medida adotada pelo Estado desde maio do ano passado, quando ocorreram 55 mortes em quatro presídios de Manaus. Naquela ocasião, o secretário estadual de Administração Penitenciária, Marcus Vinícius Almeida, disse que “o Estado não reconhece a existência de facções”.
Naquele mês, a declaração do juiz Glen Hudson Machado, da Vara de Execução Penal, contradisse o posicionamento de Almeida. Machado disse à reportagem do ATUAL que a triagem da Seap divide presos por facção dentro dos presídios para evitar confrontos e ressaltou que não se pode “fechar os olhos para a existência das facções porque elas existem”.
“Eu não sei porque razão ele não reconhece. Não sei qual a razão. Mas a gente sabe que existe as organizações criminosas, facções dentro dos presídios. Tanto é que essas 55 mortes estão sendo atribuídas à briga entre facções. Não tem como ignorar isso”, disse o juiz.
“É por isso que a gente tem maior cuidado quando mandamos presos para o sistema prisional porque o cara pode não ser de nenhuma facção aqui fora, mas lá dentro, quando sair de lá, já sai aderido a uma facção. Aderiu lá dentro. A gente tem muito cuidado ao permitir que alguém vá para dentro do presídio porque vai sair de lá muito pior”, afirmou Hudson Machado.
À época, Marcus Vinícius respondeu às declarações de Machado repetindo o mesmo discurso. “O governo do estado não reconhece facção, nós temos metodologias, métodos para selecioná-los de modo que eles não se matem lá dentro”, disse. Ao ser questionado sobre a veracidade da afirmação do juiz Hudson Machado, o secretário não quis responder.
No documento ao qual o ATUAL teve acesso, o juiz Rômulo Silva cita a rebelião que ocorreu em maio do ano passado e afirma que os presídios de Manaus “vivem grave quadro de instabilidade, diante da notícia de nova ruptura” entre José Roberto da Compensa e João Branco.
Silva também lembra que Marcos Pará é considerado “braço direito” de João Pinto e, “caso retorne ao sistema penitenciário estadual, tentará realizar uma contraofensiva para vingar as mortes dos internos ligados a João Branco nos episódios ocorridos em 2019 nesta Comarca”.
A informação é corroborada pela Seap nesse documento enviado à Justiça do Amazonas: “O retorno de qualquer interno com grande influência junto a população carcerária, como é o caso de Marcos, aumentaria os riscos de nova rebelião com possíveis mortes”, afirmou a Seap.