MANAUS – Eleito na semana passada para assumir a presidência do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) a partir de julho deste ano, o desembargador Flávio Pascarelli concedeu entrevista ao AMAZONAS ATUAL para falar sobre a sua expectativa do Poder Judiciário estadual, que enfrenta uma grave crise financeira a ponto de ameaçar o pagamento do 13° salário dos servidores. Ele abordou também a lentidão nos julgamentos dos casos de corrupção no Estado e quais são suas estratégias para resolver o problema. Pascarelli comentou ainda sobre a falta de transparência em processos disciplinares de magistrados e prometeu mudar essa realidade. Em entrevista, o desembargador admite que precisará recorrer aos chefes dos Poderes Executivo e Legislativo para tentar resolver seus problemas com falta de recursos para pagar despesas básicas do Tribunal. Leia a entrevista abaixo.
AMAZONAS ATUAL – Em meio a uma crise econômica no País, o senhor foi eleito para presidir um Poder que acumula despesas maiores que suas receitas e corre o risco de não pagar no prazo a primeira parcela do 13° salário dos servidores, que deve ocorrer em meados do ano. Como o senhor pretende resolver o problema?
FLÁVIO PASCARELLI – A minha primeira medida foi decidir pela criação de uma Comissão de Transição Administrativa no tribunal, que levantará todos os dados sobre as finanças do Judiciário. A partir dessas informações e do diagnóstico, vai ser feito um levantamento de quanto precisamos. E depois do balanço desses dados é que vamos saber como poderemos superar essa crise interna. Atualmente, não saberia falar sobre números envolvendo a gestão financeira do tribunal porque preciso ter acesso a esses dados pela equipe técnica.
ATUAL – Quem fará parte dessa equipe de transição?
PASCARELLI – Ela vai ser dirigida pelo desembargador João Simões e pela desembargadora Nélia Caminha. Os dois serão apoiados por vários técnicos. É uma equipe que vai trabalhar com os desembargadores.
ATUAL – Porque o senhor escolheu os dois magistrados?
PASCARELLI – Escolhi o desembargador João Simões pela experiência que ele teve como presidente do tribunal (2010-2011). Ele foi muito bem sucedido na gestão do tribunal. Suas contas foram aprovadas com tranquilidade no Tribunal de Contas do Estado. E a desembargadora Nélia foi escolhida por já ter experiência como juíza auxiliar da presidência e conhecer bem as questões da gestão.
ATUAL – No ano passado, os deputados tomaram de volta para o Poder Legislativo aproximadamente R$ 17 milhões do orçamento do Tribunal de Justiça do Amazonas, o equivalente a 0,25% do orçamento do Judiciário, que ficou estimado em R$ 545 milhões para este ano. O senhor tem conhecimento de como esse corte comprometeu os serviços do tribunal?
PASCARELLI – O primeiro problema que estamos enfrentando é que a atual presidente Graça Figueiredo já disse que não sabe se órgão vai conseguir pagar o 13° salário dos servidores. O atual requerimento de verba do Judiciário está totalmente deficitário e precisa ser revisto. Quero, inclusive, dizer que fui totalmente contra a essa suposta devolução de recursos ao Poder Legislativo. Tive acesso à justificativa do processo. O argumento foi que o Poder Judiciário recebeu os recursos para aumentar o número de desembargadores e investir no primeiro grau de jurisdição.
ATUAL – Mas de fato, esse investimento não ocorreu?
Acredito, porque houve outras prioridades de gestão. Mas é importante lembrar que o número de desembargadores não foi aumentado porque três deputados entraram com uma ação de inconstitucionalidade contra esse aumento e até hoje esse processo está em tramitação.
ATUAL – Com a redução dos recursos, houve prejuízo à população nos atendimentos?
PASCARELLI – Sim, com certeza. Faltando dinheiro, ficou difícil a ampliação do atendimento nas comarcas da capital e interior do Estado. A população também será afetada com a questão do não pagamento ao 13° salário aos funcionários.
ATUAL – Na análise do orçamento para 2017 já é consenso entre os deputados manter o atual orçamento do TJAM com a mesma redução de 2016. Como o senhor avalia a decisão dos parlamentares?
PASCARELLI – Eu acho que temos que mudar a postura sobre o orçamento público. Eu entendo o seguinte: temos que mostrar o que pretendemos fazer com as verbas que recebemos. Nós temos que ser claros. Pensando no povo, o que é mais importante para o povo? No meu modo de ver é saúde, educação, segurança e justiça. São as quatro funções que o povo quer ver bem resolvidas para poder ser feliz. Porque não se é feliz se não tiver saúde; não se é feliz se não tiver educação, mas também não se pode ser feliz se não houver Justiça. Então, nós temos que canalizar verbas do Estado prioritariamente para essas funções.
ATUAL – Então, seu primeiro desafio como gestor será rever o orçamento do tribunal?
PASCARELLI – Como presidente do Tribunal, a partir de julho, vou tentar estabelecer uma discussão com o presidente da ALE (Assembleia Legislativa do Estado), com o governador do Estado, com o chefe do Ministério Público, com o presidente do Tribunal de Contas. Porque nós temos que discutir nossas prioridades. O que não é correto é um Poder ficar sem dinheiro para investir em favor da população, como ocorre nesse momento com o Judiciário no Amazonas, enquanto um outro órgão tem dinheiro para fazer o que quiser. Hoje, nós temos um Poder que guarda dinheiro e outro que nunca tem dinheiro. Por isso, temos que agir, conversando com os chefes dos poderes, sentando à mesa para discutir.
ATUAL – Independente da definição orçamentária, o senhor tem alternativa para aumentar a receita do tribunal?
PASCARELLI – Então, preciso primeiro saber como estão as contas para avaliar a nossa realidade. Contudo, sabemos que para tentar resolver essa questão de receita já existe na ALE (Assembleia Legislativa do Estado) um projeto de lei encaminhado pela presidente (Graça Figueiredo) para rever o pagamento cumulativo a juízes. Quando um juiz acumula mais de uma vara, ele ganha R$ 8 mil a mais no salário. A proposta é reduzir em 20% esse valor.
ATUAL – E os juízes aceitaram essa redução com tranquilidade?
PASCARELLI – Isso foi definido pela presidente (Graça Figueiredo), acredito que com base em conversa com a classe.
ATUAL – Falando nessa questão de despesas e receitas, em 2011, o Tribunal de Justiça, na gestão do desembargador João Simões, divulgou que o valor da dívida do tribunal era de R$ 400 milhões com a Previdência e diferenças salariais. Qual estratégia o senhor pretende usar para resolver essa questão? Como corregedor, o senhor teve acesso a informações sobre esses números?
PASCARELLI – Não, não tive acesso. Não sei como está essa situação e espero que a equipe de transição possa me passar essas informações.
ATUAL – O senhor acha que falta mais transparência ao Tribunal de Justiça do Amazonas para lidar com alguns assuntos, entre eles contas internas e processos envolvendo magistrados? Esse tema inclusive foi objeto de desentendimento entre o senhor e a atual presidente Graça Figueiredo no ano passado.
PASCARELLI – Houve a situação da doutora Rosa (juíza Rosa Maria Calderaro de Souza, aposentada compulsoriamente por suspeita de se apossar de dinheiro apreendido com o tráfico de drogas). No meu entendimento a situação é a seguinte: a sindicância contra os magistrados devem ocorrer em segredo de Justiça até sua conclusão. A partir do momento em que o processo vai a julgamento, ele se torna público e precisa ser aberto. Não tem nem que tirar ninguém do plenário, como hoje está se fazendo.
ATUAL – Então, o senhor promete dar transparência nos julgamentos de de processos de magistrados?
PASCARELLI – Transparência absoluta. O sigilo ocorre durante a sindicância, mas quando se admite a instauração do PAD (Processo Administrativo Disciplinar), há uma obrigatoriedade de transparência, de publicidade. Tanto é que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) julga os juízes e desembargadores pela televisão. Por que seria diferente aqui?
ATUAL – No que diz respeito a estatísticas de julgamento, o Tribunal de Justiça do Amazonas apareceu em último lugar na Região Norte no ranking de processos de improbidade administrativa, corrupção, no ano passado. Como o senhor pretende melhorar esses índices?
PASCARELLI – A partir de agora, vamos fazer diagnósticos semanais e mensais. Identificar os problemas, o que trava esse tipo de julgamento. Mas esse é um problema que vai ser enfrentado pelo tribunal com toda a seriedade e queremos solucioná-lo, pode ficar certa disso.
ATUAL – O mesmo problema de demora na tramitação de processos de improbidade foi constatado em outras áreas, como cíveis e criminais…
PASCARELLI – Sim, temos conhecimento disso. Nossa ideia é também estabelecer assessorias e equipes para auxiliar os juízes na análise desses processos antigos para dar celeridade à tramitação.
ATUAL – O senhor lembra se em algum momento e em qual gestão o Amazonas já esteve bem colocado na Região Norte no ranking da análise dos processos?
FLÁVIO PASCARELLI – Lembro que já estivemos em primeiro, em segundo na região. Acredito que foi na gestão do desembargador Ari Moutinho.
ATUAL – Atualmente, existe uma forma de recompensa para funcionários que alcançam metas. O senhor pretende ampliar esse sistema?
FLÁVIO PASCARELLI – Manter e ampliar coisa que está dando certo vai acontecer, não tenha dúvidas. Tudo que é bom será mantido. Aliás eu não quero fazer nenhuma crítica à desembargadora presidente. É que cada um tem sua maneira de dirigir. Mas a minha será um pouco diferente.
ATUAL – O senhor já conseguiu superar todas as suas diferenças na sua relação com a desembargadora Graça Figueiredo?
PASCARELLI – As minhas diferenças e indiferenças com a desembargadora Graça a gente discute de forma clara. Tanto eu quanto ela. Falamos o que queremos um para o outro, mas em seguida apertamos as mãos. Não há problema algum entre eu e a presidente.
ATUAL – No ano passado, houve uma ‘saia-justa’ com advogados por conta da determinação do CNJ em mandar instalar equipamentos de detecção de metais. Os advogados em conversa com o site AMAZONAS ATUAL não reclamaram do equipamento em si, mas da falta de conversa da presidente Graça Figueiredo com os advogados sobre mudanças implantadas no tribunal.
PASCARELLI – Eu já presidi o TRE (Tribunal Regional Eleitoral), onde também fui corregedor; já presidi a Associação dos Magistrados; fui vice-presidente da Associação de Magistrados do Brasil e presidi o Colégio de presidentes dos Tribunais Eleitorais do Brasil. Em toda essa trajetória, minha marca sempre foi o diálogo, inclusive com vocês, jornalistas. Fui o primeiro a colocar uma sala de imprensa no Tribunal Eleitoral. Mesmo antes de assumir, já pretendo conversar com o presidente da OAB, com o chefe do Ministério Público, com os demais poderes, identificar o que afasta o tribunal das classes. Sempre acho que tudo é uma questão de conversa.
ATUAL – Na sua eleição para presidente do TRE, teve uma polêmica em torno na escolha do seu vice-presidente, o desembargador Jorge Lins, que tem proximidade ao senhor e está há apenas cinco anos como desembargador. Comentou-se que não foi respeitado o critério da antiguidade para essa escolha.
PASCARELLI – Não foi bem assim que ocorreu. Na verdade, acredito que não houve publicidade das desistências que aconteceram, porque a antiguidade foi respeitada, sim. Tem direito a concorrer ao cargo os três desembargadores mais antigos, mas os três mais antigos de onde? Aqueles que estão na linha de sucessão. Os três mais antigos antes para a vaga de presidente do Tribunal de Justiça eram a desembargadora Socorro Guedes, o desembargador Domingos Chalub e o desembargador Yedo Simões. Esses dois últimos renunciaram e nisso abriu mais duas vagas. Então, a Socorro Guedes continuou, o desembargador Paulo Lima renunciou e eu me habilitei. Pois bem. Socorro não podia mais ser candidata a vice-presidente, o Chalub não queria a função, o Yedo Simões já estava no Eleitoral. E quem está na linha de sucessão para vice-presidente: Paulo Lima, mas esse não quis concorrer, tinha o desembargador Aristóteles Thury, mas ele já estava na Corregedoria e não queria concorrer a vice; a desembargadora Maria da Encarnação se habilitou, depois tinha o desembargador Mauro Bessa, que não queria concorrer; em seguida, teve o desembargador Cláudio Roessing, que não quis participar da disputa. Em seguida, o desembargador Sabino Marques quis concorrer, então já tínhamos dois: ele e a desembargadora Maria da Encanação. Faltava um, a desembargadora Carla (Maria Santos) estava na linha sucessória e não quis entrar na disputa, ainda, havia uma vaga para concorrer, o Wellington José de Araújo não quis concorrer. Depois, a desembargadora Encarnação desistiu e o doutor Jorge Lins se habilitou e venceu a eleição.
ATUAL – Na semana passada, houve uma grande polêmica nas redes sociais em Manaus sobre os supostos “vetos” dos desembargadores do TJAM para os membros do TRE que cassaram o mandato do governador José Melo Pros) na eleição para a escolhas dos membros do Eleitoral. Isso ocorreu?
PASCARELLI – Isso não ocorreu. Apenas havia dois grupos que estavam disputando a presidência do TRE: o grupo da desembargadora Socorro Guedes e o grupo do desembargador Yedo Simões. O dele venceu.