MANAUS – O representante do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) Evainton de Oliveira, disse, na manhã desta segunda-feira, 18, que o governo federal quer privatizar o Rio Madeira por causa da aceleração do assoreamento na hidrovia provocado pelas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, que implicaram num aumento do custo de dragagem do rio. A afirmação foi feita durante audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Amazonas promovida pelo deputado Dermilson Chagas (PDT), presidente da Comissão de Agricultura, Pecuária, Pesca, Abastecimento e Desenvolvimento Rural. O Madeira banha municípios do Amazonas e Rondônia.
Dermilson Chagas afirma que é importante esclarecer outro problema levantado durante a audiência: se o serviço de dragagem do Madeira, pago pelo governo federal, de fato está sendo realizado. “A Fenavega afirmou categoricamente que o serviço é pago e não é feito. Isso, caso se confirme, é uma irregularidade grave e criminosa”, afirmou o parlamentar.
Para o deputado, a situação é grave, dentre outras razões, porque as populações dos municípios da calha do Madeira e o Estado do Amazonas não estão sendo ouvidos na construção da proposta de privatização. “Se o governo federal vai fazer essa concessão do primeiro rio a ser privatizado no Brasil, temos que verificar de que forma a população vai ser atingida. E essa população tem que ser inserida no debate. Como serão cobradas as taxas? Ou seja, é preciso discutir uma série de fatores que vão mudar a vida da população e levar esse assunto aos municípios. O Ministério Público Federal tem que ser chamado para entrar na discussão, as Câmaras Municipais também e o governador precisa ser alertado do que está acontecendo”, disse Chagas.
Ao justificar a privatização, o representante do Dnit afirmou que o tempo de dragagem do rio, necessária para manter a navegabilidade, diminuiu de cinco para um ano, após as obras das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, ambas em Rondônia. O custo com o serviço, segundo o Dnit, aumentou. “Acontece que com a construção das represas de Jirau e Santo Antônio a sedimentação que ocorria de forma rápida para desaguar no Rio Amazonas e, por consequência, no oceano, ficou mais lenta e aquele assoreamento que ocorria a cada cinco anos passou ocorrer anualmente, então os custos aumentaram. Como resolver isso melhorando a qualidade da navegação e reduzir os custos da União? Privatização. As empresas são as mais beneficiadas pela atividade, ganham em Euro, nada mais justo que colaborem com essa dragagem”, afirmou Oliveira.
Impactos ambientais
Ao ser questionado após a declaração, Oliveira disse não acreditar que haja erro nos estudos de impacto ambiental das hidrelétricas, mas admitiu que elas “contribuem para o assoreamento do rio”. Para a imprensa, ele apresentou outra teoria. “O Oceano Atlântico está criando uma barreira natural que está impedindo que o Rio Amazonas deságue como desaguava há alguns anos. Com isso, o Rio Amazonas fica represado, criando as grandes cheias e isso também está causando o assoreamento mais rápido da hidrovia do Madeira. As barragens também contribuem; quando se constrói uma represa, é claro que o assoreamento vai aumentar”, admitiu.
Oliveira confirmou, ainda, que o projeto de privatização da hidrovia não garante isenção para os ribeirinhos. “A cobrança será para as grandes empresas. Mas, se houver cobrança para os ribeirinhos, será uma taxa irrisória”, declarou.
Falta diálogo
Para o presidente da Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária (Fenavega), Raimundo Holanda, falta diálogo do governo federal com as entidades empresariais que atuam no Madeira. “Fomos pegos de surpresa. Não existe hidrovia no Brasil, existem rios navegáveis e o Madeira é um deles. Nós navegamos com muita dificuldade. É claro que, se vai privatizar um rio, isso causará um custo que cairá para o armador e por consequência para a sociedade”.
Serviço fantasma
O presidente da Fenavega, em sua exposição, mostrou fotos em que aparecem os bancos de areia do Madeira e declarou que as dragagens pagas pelo governo federal não são realizadas. “Alguém faz de conta que faz, outro faz de conta que existe e alguém paga por isso (…). O Dnit está apaixonado por essa ideia de privatização e quando há paixão se faz besteira”, declarou Raimundo Holanda.
Dermilson Chagas afirmou que os dados expostos na audiência pública colocam a sociedade em alerta sobre o futuro do Madeira. “Estão matando o Rio Madeira”, disse.
O presidente do Sindicato dos Pescadores do Estado do Amazonas, Ronildo Palmere, afirmou que há algum tempo os ribeirinhos perceberam as mudanças no Rio Madeira e já sofrem as consequências. “O rio está mais raso e com uma largura menor. Já chegou a cinco metros de largura. E também há a diminuição do peixe, o que só piora a qualidade de vida dos ribeirinhos e dos pescadores”, afirmou.
Portos
Na audiência também foram discutidas a situação dos portos das cidades da calha do Madeira e a proposta da construção do novo porto da Manaus Moderna. Chagas afirmou que as questões apresentadas durante a audiência sobre os portos construídos no interior do Amazonas serão aprofundadas e, se necessário, formalizadas denúncias aos órgãos de controle. “Os portos não atingiram a sua finalidade, é dinheiro público investido. Precisamos achar uma solução para o problema”, afirmou.
Entidades
Participaram da audiência pública o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit/AM), a Federação Nacional das Empresas de Navegação Aquaviária (Fenavega), a Capitania dos Portos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), o Instituto Municipal de Planejamento Urbano de Manaus entre outras.