Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – Com o reajuste de 24,52% na tarifa da água em Manaus, famílias que consomem 30 mil litros de água e têm acesso ao esgotamento sanitário pagarão o valor mais alto entre as dez maiores cidades brasileiras que recebem serviços do Grupo Aegea, controlador da concessionária Águas de Manaus. O aumento está valendo desde o último domingo (22).
Os dados foram levantados pelo ATUAL com base em informações do grupo empresarial. A reportagem comparou os preços dos serviços em Manaus com aqueles praticados em Cabo Frio (RJ), São Pedro da Aldeia (RJ), Campo Grande (MS), Sinop (MT), Teresina (PI), Barcarena (PA), Timon (MA), Sorriso (MT) e Ariquemes (RO).
Para o consumidor que paga a tarifa residencial, o fornecimento de 30m³ (igual a 30 mil litros) de água em Manaus custa R$ 585,38, sendo R$ 292,69 referente ao consumo de água e o mesmo valor relativo ao serviço de esgoto. O custo pelo volume mais próximo ao de Manaus é o de Cabo Frio e São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro.
Nos municípios analisados, em média, 30m³ de água (com o serviço de esgoto) custam R$ 373 ao consumidor que paga a tarifa residencial. Conforme o gráfico abaixo, em Ariquemes (RO), município com 109 mil habitantes, o consumidor paga o menor valor entre as dez avaliadas: R$ 203,65 pelos serviços.
Na comparação entre as capitais, enquanto em Manaus, que tem 2,2 milhões de habitantes, 30 mil litros de água custam R$ 585,38, em Campo Grande (MS), com 906 mil habitantes, o mesmo volume custa R$ 377, e em Teresina (PI), com 868 mil habitantes, R$ 348. A diferença entre Manaus e Campo Grande é de R$ 208.
A tarifa antiga em Manaus já era alta se comparada com os mesmos municípios analisados. Com os valores anteriores, o consumidor de Manaus pagaria R$ 470 pelo consumo de 30m³ de água e serviços de esgoto. Nesse ranking, a capital amazonense ficaria atrás apenas de Cabo Frio e São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro.
Reajuste aplicado
Uma das faturas de moradores de Manaus analisadas pela reportagem mostra que o consumo de 30m³ de água entre julho e agosto custou R$ 242 para uma família com cinco pessoas que não usa os serviços de esgotamento sanitário. Neste caso específico, o valor da fatura é composto por 26 dias com o valor antigo e quatro dias com o valor reajustado.
Se houvesse rede de esgoto na rua desse consumidor, ele teria que pagar mais R$ 242, ou seja, R$ 484 no total, mesmo que não estivesse usando esses serviços. Isso porque o Novo Marco do Saneamento obriga que as residências estejam conectadas às redes públicas de abastecimento de água e esgotamento sanitário e sujeitas ao pagamento de tarifas.
Tarifa social
Em Manaus, a tarifa de água é divida em cinco classes (tarifa social, residencial, comercial, industrial e poder público). Para definir a conta de água, calcula-se a quantidade consumida com o preço do metro cúbico definido em cada faixa de consumo, conforme descreve o Artigo 112 do Manual de Prestação de Serviços e Atendimento ao Consumidor.
A tarifa social, paga por usuários de baixa renda, garante desconto de 50% até o limite de 15 metros cúbicos de água. Em Manaus, cerca de 70 mil famílias são usuárias do benefício. A concessionária afirma que pretende ampliar essa quantidade para 400 mil domicílios, tornando Manaus a “maior população vulnerável protegida do país”.
Os beneficiários da tarifa social da capital amazonense que têm acesso ao esgotamento sanitário também pagam o preço mais caro do Brasil por 30m³ de água, conforme o levantamento do ATUAL com base nos valores divulgados no site da Águas de Manaus. Esses valores, conforme imagem abaixo, já sofreram reajuste de 24,52%.
De acordo com a pesquisa, enquanto uma família paga R$ 464,38 por 30m³ de água e os serviços de esgotamento sanitário em Manaus, em Sinop (MT) os consumidores pagam R$ 318; em Teresina (PI), R$ 310; em Campo Grande (MS), R$ 213; em Barcarena (PA), R$ 179; em Cabo Frio (RJ), R$ 170; e Timon (MA), R$ 155; e em Ariquemes (PA), R$ 142.
A reportagem não identificou tarifa social em Sorriso (MT), apenas uma indicação de parlamentares enviada à prefeitura em março deste ano para criação do benefício.
Em Manaus, como a tarifa social só é aplicada no limite de 15 mil litros de água, o volume que ultrapassar esse limite será cobrado na mesma faixa do consumidor comum. Por exemplo, se ele usa 20 mil litros de água, paga R$ 85,33 (R$ 37,23 referente a 15 m³ da tarifa social + R$ 48,1 referente a 5 m³ que ultrapassaram o limite da tarifa social).
A reportagem verificou que em Campo Grande (MS), Timon (MA), Barcarena (PA) e Ariquemes (RO), a tarifa social é aplicada até 20m³ consumidos. Em Teresina (PI) e Sinop (MT), o benefício vale para o consumo de até 10 metros cúbicos. Em Cabo Frio e São Pedro da Aldeia, ambos no Rio de Janeiro, não há limite.
Na sexta-feira (27), a Águas de Manaus afirmou que, embora tenha publicado em seu site o valor da tarifa social reajustado (R$ 2,482), não aplicará o aumento até dezembro desde ano. Com isso, segundo a concessionária, os beneficiários da tarifa social continuarão pagando a fatura com base no valor antigo R$ 1,99, podendo este benefício ser prorrogado.
Consumo racional
A dona de casa Arlene Gonçalves dos Santos, de 61 anos, é beneficiária da tarifa social há um ano. No apartamento onde ela mora com o marido, no bairro Petrópolis, zona centro-sul de Manaus, a conta de água deste mês alcançou R$ 39,86, valor referente a 10m³ de água consumidos (R$ 19,93 referente a água e o mesmo valor relativo ao esgoto).
O baixo consumo, além de estar associado à quantidade de pessoas que moram no apartamento (apenas duas pessoas), também está relacionado com o consumo racional da água. Arlene afirma que ela e o marido usam água apenas para tomar banho duas vezes por dia, cozinhar alimentos a cada três dias (ela congela a comida) e lavar roupas.
“Eu passo dia em casa, mas geralmente eu lavo louça de manhã. Se eu tiver de lavar roupa, eu também lavo de manhã. Depois, eu não mexo mais na torneira, até porque não tem porquê estar mexendo água toda hora. O almoço eu faço para três dias porque não tem como fazer almoço todos os dias. Eu congelo e quando vou comer levo ao forno”, disse Arlene.
Como a concessionária afirmou que o reajuste de 24,52% não será aplicado para usuários da tarifa social até o fim deste ano, as faturas dos próximos meses de Arlene serão calculadas com base na tarifa antiga de R$ 1,99, ou seja, se ela manter o consumo de 10m³, pagará aproximadamente R$ 40 pelo menos nos próximos quatro meses.
A dona de casa afirma que o aumento de R$ 10 a partir de janeiro de 2022 vai pesar. “Já fica pesado um pouco… Porque só meu marido que trabalha. Eu não trabalho. Fica pesado. Mas, fazer o quê?”, disse Arlene. “A gente paga gás, luz, alimentação… Ele (marido) não ganha o suficiente para suprir”, completou.
Esgoto
Em Manaus, os serviços de esgotamento sanitário alcançam apenas 19,90% da população, segundo estudo do Instituto Trata Brasil divulgado em maio deste ano com dados de 2019. A Ageman (Agência Reguladora dos Serviços Públicos Delegados de Manaus), órgão que fiscaliza o contrato com a concessionária, afirma que, atualmente, 22% tem acesso a esgoto.
A concessionária quer ampliar a cobertura. Em junho deste ano, o presidente da Águas de Manaus, Thiago Terada, afirmou que a cobertura de esgoto deve chegar a 30% até o final deste ano, com expectativa de alcançar 50% em 2025 e 80% em 2030. Ele disse que esse percentual deve ser alavancado com a operação da ETE Timbiras e da ETE do Prosamim.
Em maio deste ano, em entrevista ao ATUAL, o presidente da Ageman, Fábio Alho, informou que a concessionária estava cumprindo as metas e que havia construído a Estação de Tratamento de Esgoto Timbiras, no bairro Cidade Nova, e cinco reservatórios capazes de armazenar 30 milhões de metros cúbicos de água.
Na última quinta-feira (26), o Governo do Amazonas inaugurou a ETE do Prosamim, no bairro Educandos, que cobre os domicílios da zona sul da capital amazonense. A obra, que custou R$ 48,4 milhões (valor atualizado) aos cofres públicos, será repassada para a Prefeitura de Manaus, que vai entregar a operação do sistema à concessionária.
Briga judicial
Desde o final de julho deste ano, a Prefeitura de Manaus trava batalha judicial com o Grupo Aegea para derrubar o reajuste do preço da água e esgoto em 24,52%. Esse percentual considera a inflação calculada pelo IGP-M (Índice Geral de Preços–Mercado da Fundação Getúlio Vargas) entre novembro de 2019 e o mesmo mês em 2020.
No último dia 20 de agosto, o secretário chefe da Casa Civil de Manaus, Tadeu de Souza, enviou ofício à concessionária sugerindo o reajuste pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), que registrou alta de 4,52% entre novembro de 2019 e o mesmo mês em 2020, ou por outro índice que “melhor reflita a inflação do período”.
Para a prefeitura, o IGP-M não representa “mera reposição da moeda” e “causa distorção em relação ao objeto inicialmente contratado”. Isso porque este índice corresponde a uma média entre os indicadores IPA (produtor), IPC (consumidor) e INCC (construção civil), que estão ligados aos preços das produções que sofrem forte influência do dólar.
Na segunda-feira (23), o presidente da Águas de Manaus solicitou uma reunião com representantes da prefeitura na terça-feira (24), na Casa Civil, para tratar do reajuste na tarifa e encerrar a briga. A reportagem questionou a prefeitura e a concessionária se a reunião havia sido realizada, mas nenhuma resposta foi enviada.
Levantamento
Para realizar o levantamento, a reportagem mapeou os valores das tarifas residenciais cobradas em 45 dos 126 municípios listados pela companhia em publicação feita em abril deste ano. A maioria das concessionárias controladas pelo Grupo Aegea tem sites próprios e padronizados, onde são informados todos os valores cobrados pelos serviços.
Entre as 81 cidades em que a taxa não foi identificada estão 68 municípios sul-mato-grossenses, onde o grupo empresarial atua apenas no esgotamento sanitário. Naquelas localidades, o abastecimento de água é feito pela Sanesul (Empresa de Saneamento de Mato Grosso do Sul), empresa vinculada ao governo estadual.
Em Piracicaba (SP), o Grupo Aegea também só atua no esgotamento sanitário. A reportagem não identificou as tarifas da concessionária Ambiental Metrosul, que atua em 9 cidades gaúchas, e os preços cobrados pelas concessionárias Ambiental Serra, Ambiental Vila Velha e Ambiental Cariacica, que prestam serviços em municípios capixabas.
Após o mapeamento das tarifas de 45 cidades, a reportagem cruzou a lista com dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) para filtrar as dez mais populosas. Em seguida, calculou o preço pago por 30m³ de água conforme a tarifa de água e esgoto cobrada em cada um dos dez municípios selecionados.
O volume de 30 mil litros de água foi estipulado por ser média de consumo mensal de cinco famílias analisadas pela reportagem. A Águas de Manaus, no entanto, informou que a média mensal é de 12m³ e que, atualmente, 70 mil usam a tarifa social, o que representa 10% dos domicílios da capital amazonense (700 mil domicílios).
Em cada cidade, a tarifa é aplicada conforme classes de consumo, podendo ser residencial, comercial, industrial, poder público e tarifa social. Para chegar ao valor que será pago, a empresa calcula os metros cúbicos de água que o consumidor usou durante determinado período pelo valor de faixa de consumo.
Na capital amazonense, por exemplo, o valor de R$ 292,69 por 30 mil litros de água foi identificado através do seguinte cálculo: R$ 49,63 (referente aos 10 primeiros metros cúbicos) + R$ 96,20 (relativos aos outros 10m³ da segunda faixa – 11 a 20m³) + R$ 146,86 (referente à terceira dezena de metros cúbicos – de 21 a 30m³).
Se a rede de esgoto passar na rua do cliente, ele deve pagar a taxa de esgoto no montante de 100% do valor da tarifa da água, ou seja, mais R$ 292,69. No final, ele pagará R$ 585,38 pelos serviços de água e esgoto se usar 30 mil litros de água. Esse valor final foi comparado com o preço cobrado pelo mesmo volume em outras cidades brasileiras.
O outro lado
Em resposta à reportagem do ATUAL, a Águas de Manaus afirmou que “não é coerente considerar o consumo de 30m³, uma vez que apenas 4% dos usuários da Águas de Manaus consomem esse volume ou mais”. A concessionária alega que a média de consumo mensal de moradores de Manaus é de 12m³, que custam R$ 137,75 com os serviços de esgoto.
“Vale destacar que 61% dos manauaras consomem até 10m³ por mês. Nessa faixa de consumo, o valor do litro de água tratada custa R$ 0,00496, o que envolve captação, tratamento e distribuição, ou seja, energia elétrica, produtos químicos, controle de qualidade, manutenções em geral e profissionais capacitados”, afirmou a Águas de Manaus.
Sobre a tarifa social, a concessionária afirmou que os beneficiários não serão afetados com o reajuste de 24,52% até o fim deste ano. “A Águas de Manaus, atendendo ao seu compromisso social, está concedendo desconto equivalente ao reajuste para todos os usuários beneficiados pela Tarifa Social, até 31 de dezembro de 2021, podendo ser prorrogado”, informou.
A empresa afirmou ainda que pretende ampliar o número de beneficiários de 70 mil para 400 mil domicílios. “Em breve, Manaus será a capital brasileira com maior população vulnerável protegida com a Tarifa Social, alcançando 400 mil manauaras. A meta é que, até o ano que vem, aproximadamente 20% da população tenha acesso ao benefício”, informou.
A reportagem questionou a empresa sobre a possibilidade de mudança do índice do reajuste para o IPCA, mas ela informou apenas que o IGP-M está estabelecido em contrato e que “está aberta a discutir cenário, em comum acordo com o poder concedente, que garanta a manutenção do equilíbrio-financeiro do contrato e a segurança jurídica do mesmo”.
Leia a nota completa da Águas de Manaus:
NOTA DA ÁGUAS DE MANAUS PARA O AMAZONAS ATUAL
Manaus, 27 de agosto de 2021 – Quanto às informações solicitadas pelo Amazonas Atual, a Águas de Manaus informa que:
• Não é coerente considerar o consumo de 30m³, uma vez que apenas 4% dos usuários da Águas de Manaus consomem esse volume ou mais.
• A média de consumo mensal do manauara é de 12m³. Para esse consumo, o valor da conta de água e esgoto é de R$ 137,75.
• Vale destacar que 61% dos manauaras consomem até 10m³ por mês. Nessa faixa de consumo, o valor do litro de água tratada custa R$ 0,00496, o que envolve captação, tratamento e distribuição, ou seja, energia elétrica, produtos químicos, controle de qualidade, manutenções em geral e profissionais capacitados.
• As famílias de baixa renda têm acesso à Tarifa Social, benefício que concede 50% de desconto na conta de água e esgoto. A Águas de Manaus vem ampliando o número de beneficiários, passando de 22 mil para 70 mil famílias alcançadas.
• Em breve, Manaus será a capital brasileira com maior população vulnerável protegida com a Tarifa Social, alcançando 400 mil manauaras. A meta é que, até o ano que vem, aproximadamente 20% da população tenha acesso ao benefício.
• A Águas de Manaus, atendendo ao seu compromisso social, está concedendo desconto equivalente ao reajuste para todos os usuários beneficiados pela Tarifa Social, até 31 de dezembro de 2021, podendo ser prorrogado. Assim, para estes usuários, na prática, o reajuste de 24,52% não será aplicado em suas contas de água e esgoto.
Vale ressaltar ainda que:
• Contratos de concessão são estabelecidos por editais de concorrência, com estimativas de investimento, outorgas, preço base e índices de reajuste específicos, determinados de acordo com o município contratante.
• O edital e o contrato de concessão de Manaus consideram o Índice Geral de Preços– Mercado, da Fundação Getúlio Vargas (IGP-M/FGV), como base para cálculo de correção tarifária.
• A concessionária está aberta a discutir cenário, em comum acordo com o poder concedente, que garanta a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a segurança jurídica do mesmo.
Por fim, a Águas de Manaus destaca que:
• A concessionária tem dedicado atenção especial à população vulnerável, garantindo o acesso à água tratada e de qualidade, com a implantação de 95 km de redes de água em áreas de becos, palafitas e rip-raps, com benefício direto a 1,4 milhão de pessoas.
• Desde que a Águas de Manaus iniciou a atuação na cidade, o acesso à Tarifa Social cresceu 220% na capital, e alcançará 400 mil pessoas, tornando Manaus a capital com mais população beneficiada no país.