Por Fábio Fabrini, da Folhapress
BRASÍLIA-DF – O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) já determinou punições a cinco promotores e procuradores da República por atuação político-partidária, prática que viola deveres do cargo. Nesses casos, o colegiado aplicou aos envolvidos as penas de censura ou de suspensão temporária.
A Corregedoria Nacional, vinculada ao conselho, abriu nesta segunda, 10, processo disciplinar contra integrantes da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, entre eles o coordenador do grupo, Deltan Dallagnol, com base em mensagens publicadas pelo site The Intercept Brasil. Elas indicam que Deltan e o ex-juiz Sergio Moro trocavam colaborações sobre a Lava Jato.
Em outras comunicações, os procuradores da força-tarefa discutiram estratégia para minimizar os impactos de entrevista do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão, durante as eleições de 2018, e falaram sobre o risco de isso ajudar a eleger o então candidato petista Fernando Haddad.
A investigação do CNMP avaliará se houve falta funcional dos membros da Lava Jato, especialmente quanto aos deveres de equidistância entre as partes e de não engajamento em questões político-partidárias.
A Constituição de 1988 proíbe o exercício de atividades dessa natureza por promotores e procuradores da República. A Lei Complementar 75, que se aplica ao Ministério Público da União, e legislações estaduais, aplicáveis aos MPs das unidades da federação, regulamentaram a vedação. As sanções previstas para os procuradores da República são as de advertência, censura, suspensão (máximo de 90 dias), demissão e cassação de aposentadoria ou indisponibilidade.
Os casos já julgados tramitaram a partir de 2005. Nunca houve, segundo os registros obtidos pela Folha de S.Paulo, a aplicação das penalidades mais severas -demissão ou cassação de aposentadoria.
Nos dois processos mais rumorosos, julgados em sessões de 2007 e 2009, os então procuradores regionais da República em Brasília Luiz Francisco de Souza e Guilherme Schelb foram punidos, respectivamente, com suspensão de 45 dias e censura.
Eles foram acusados por Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário-geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de práticas incompatíveis com o cargo, entre elas as de persegui-lo politicamente em investigações.
Em sua representação, o ex-secretário sustentou que Luiz Francisco e Schelb vazaram informações sigilosas para a imprensa, referentes à quebra de seus sigilos. Reclamou ainda que eles passaram informações falsas à Receita Federal. Os dois sempre negaram as irregularidades.
Os conselheiros consideraram o pedido de Eduardo Jorge procedente, mas as sanções não foram aplicadas porque o Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão. Mais adiante, o próprio CNMP reconheceu-se que as punições prescreveram.
Em outro processo, julgado no ano passado, o CNMP entendeu que o promotor de Justiça Marinho Mendes Machado, da Paraíba, violou deveres de sua profissão ao gravar vídeo, divulgado por sites de notícias, no qual apoiava um candidato a prefeito na cidade de Bayeux (PB). A ele foi aplicada suspensão de 60 dias, convertida em multa, segundo os registros do CNMP. O promotor negou nos autos atuação político-partidária.
No fim do ano passado, o conselho também impôs ao procurador de Justiça Francisco das Chagas Santiago da Cruz, do Amazonas, suspensão de 45 dias, convertida em multa.
Segundo o processo, em setembro de 2016 ele solicitou autorização para viajar de Manaus a Humaitá (AM) a serviço, mas, em vez de cumprir agenda de trabalho, fez campanha para aliados políticos. Participou de um comício, discursou e pediu votos para um candidato a prefeito e um primo que concorria ao cargo de vereador.
Em sua defesa, Cruz alegou que o deslocamento não teve a finalidade de participar de comício eleitoral, o que ocorreu de “forma fortuita e tênue”. Sustentou também que seu ingresso no Ministério Público se deu antes de 1988, estando submetido ao regime aplicado anteriormente aos membros da instituição –não havia, antes disso, vedação para exercício de atividade político-partidária.
Num julgamento em 2016, o conselho também determinou punição à promotora Gilka Maria Almeida Vasconcelos de Miranda, de Pernambuco, por ter concedido entrevista a uma rádio na qual, segundo os autos, elogiou o comportamento político do marido, prefeito candidato à reeleição em Panelas (PE), criticou a oposição e disse que os eleitores poderiam votar “com sua camisa vermelha”, correspondente à cor do partido do cônjuge.
Ela alegou que não houve pedido de voto para o candidato. Justificou que sua intenção era apenas a de tranquilizar a população e assegurar aos cidadãos que poderiam exercer seu direito ao sufrágio.
O conselho, contudo, considerou que qualquer ato praticado por promotor de Justiça no sentido de “enaltecer ou diminuir” candidatos, “notadamente em período eleitoral e em localidade onde os ânimos estão exaltados, configura a prática de atividade político-partidária. O conselho decidiu pela pena de censura, uma vez que a promotora não tinha histórico de infrações disciplinares.
A investigação do CNMP sobre membros da Lava Jato foi instaurada pelo corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel, a pedido de quatro conselheiros do órgão. Ele determinou que Deltan e os colegas prestem informações no prazo de dez dias. “Sem adiantar qualquer juízo de mérito, observa-se que o contexto indicado assevera eventual desvio na conduta de membros do Ministério Público Federal, o que, em tese, pode caracterizar falta funcional”, escreveu o corregedor.