
Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – A presidente do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), Maria Dermamm, relatou, nesta segunda-feira (22), em entrevista a jornalistas em Manaus, cenário de abandono, insegurança e medo na região do Rio Abacaxis, entre os municípios de Borba e Nova Olinda do Norte. O conselho pediu providências imediatas do poder público na região.
Em agosto de 2020, o local foi palco de um massacre causado por conflitos entre comunitários e policiais militares. A ação resultou na morte de quatro ribeirinhos, dois indígenas e dois policiais. O caso ainda está sendo investigado no âmbito federal e tramita em segredo de Justiça.
Entre os dias 16 e 19 deste mês, o conselho, que já tinha visitado o local em 2020 logo após o massacre, retornou à região para averiguar denúncias de violações de direitos humanos, incluindo tortura e ameaças. Segundo Maria Dermamm, lideranças indígenas e ribeirinhas relataram situação preocupante.
“Percorremos essas comunidades ao longo de uma semana e o que vimos foram comunidades ainda com muito medo, com muita insegurança e com ausência total do estado para realização de vários direitos, seja da saúde, da educação, de acesso ao saneamento, à energia elétrica”, afirmou Maria Dermamm.
O conselho divulgou uma nota pública com resumo de expedição. No documento, eles afirmam que os comunitários relataram “graves ameaças à vida de defensoras e defensores de direitos humanos, bem como compartilharam a dor e angústia predominante na região por falta de respostas e impunidade”.
As lideranças também relataram uma série de situações que envolvem a falta de políticas públicas nas áreas de saúde, educação, regularização territorial, segurança, trabalho e economias comunitárias.
O conselho pede atuação imediata do poder público na região. “A ausência do Estado é total. Então, existem muitas providências a serem tomadas não só por parte do Governo do Estado do Amazonas, mas também do governo federal. A gente pode falar, de início, da demarcação imediata do território dos Maraguás, que vai dar uma segurança na posse deles, mas também da posse dos ribeirinhos. O Incra precisa tomar essas providências”, disse Maria Dermamm.
Em razão das violações denunciadas por moradores de comunidades ao longo dos rios Abacaxis e Mari-Mari, o TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) suspendeu, em agosto de 2020, a operação policial da Secretaria de Segurança do Amazonas na região, e determinou que agentes da Força Nacional de Segurança e da Polícia Federal fossem enviados para garantir a ordem no local.
De acordo com os indígenas e ribeirinhos, os agentes estão no município, mas ficam apenas na zona urbana.
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A presidente do conselho também sugere a inclusão de vítimas que estão sendo ameaças no PPDDH (Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos) e no Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas).

Investigações
De acordo com Maria Dermamm, as investigações no âmbito criminal estão paradas e continuam em segredo de justiça. A situação é a mesma na esfera cível para reparação e indenização das vítimas e coletivos afetados.
“Vimos que, depois de três anos e oito meses, pouco andou. Tanto sobre a responsabilização criminal dos mandantes e dos agentes que praticaram os homicídios e as torturas, mas também da responsabilização no âmbito administrativo e cível”, afirmou a presidente do conselho.
Em abril de 2023, a Polícia Federal indiciou o ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas Louismar Bonates e o ex-comandante da Polícia Militar Ayrton Norte pelo envolvimento em chacina. Maria afirma, no entanto, que é necessário responsabilizar outros agentes envolvidos.
“Existem os mandantes, mas também existem outros agentes envolvidos. Conversando com o Ministério Público Federal, o efetivo que foi levado para o Rio Abacaxis envolve mais de 100 agentes de segurança. A gente precisa também individualizar a conduta de cada um deles, não só desses dois que foram indiciados”, afirmou Maria Dermamm.
Em relação à esfera civil, o defensor público da União José Roberto Tambasco, que também integrou a viagem ao Rio Abacaxis, afirmou que a DPU (Defensoria Pública da União) avalia a possibilidade de ajuizar ações cíveis para obrigar o pagamento de pensão por morte a familiares e reparações cíveis por danos.
Sobre as responsabilizações administrativas dos agentes, Maria Dermamm afirmou que se reuniu com o vice-governador Tadeu de Souza nesta segunda-feira. Segundo ela, o vice informou que existem PADs (Procedimentos Administrativos) contra os agentes envolvidos no massacre, mas que ainda vai fazer levantamento sobre o número.
Conflitos
Os agentes assassinados integravam uma tropa enviada pela SSP-AM ao local após o ex-secretário executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas Saulo Moysés Rezende Costa ter sido baleado enquanto fazia pesca esportiva sem licença ambiental.
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Durante as diligências, os PMs acabaram entrando em conflito com comunitários. Dois agentes morreram.
O MPF (Ministério Público Federal) informou, na época, que os PMs não se identificaram mesmo após horas de atuação e abordagem inicial de lideranças extrativistas. Nenhum deles usava uniforme ou outra identificação.
Após a morte dos agentes, a SSP-AM enviou dezenas de policiais para Nova Olinda do Norte.
Ayrton Norte liderou um grupo de 50 homens designados para localizar os autores do atentado contra os policiais.
A Polícia Federal concluiu que a tropa enviada ao local invadiu casas sem ordem judicial, torturou moradores e assassinou cinco pessoas, entre indígenas e ribeirinhos. O grupo também seria responsável pelo desaparecimento de outras duas pessoas.