Por Iolanda Ventura, do ATUAL
MANAUS – O uso do medo e da ameaça por empresários e líderes religiosos de igrejas como forma de coagir eleitores a votar em determinado candidato sempre existiu, mas ganhou força nos últimos anos no Brasil. É o que afirmam especialistas ouvidos pelo ATUAL. Para os analistas, o assédio eleitoral é atitude covarde.
O sociólogo Marcelo Seráfico, professor do Departamento de Ciências Sociais da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), considera esse tipo de atitude uma concepção característica do período colonial escravocrata.
“Não acredito que seja uma coisa circunstancial, me parece que tem a ver mesmo com uma visão de mundo que agora ganhou certa expressão por conta das posturas do senhor presidente da República [Jair Bolsonaro], que de modo muito tranquilo e sem que as instituições o coíbam, revela todos os seus preconceitos, toda a sua capacidade de cometer violência contra grupos sociais, contra camadas da sociedade que discordem dele”, disse.
Marcelo Seráfico alerta que é preciso combater o assédio eleitoral, pois se não for coibido faz com que quem comete o crime se sinta confortável para impor a própria vontade na medida em que dispõe das condições econômicas e institucionais para subjulgar outras pessoas.
“Essas pessoas precisam respeitar as regras que regem a vida social porque senão o tecido social se esgaça ainda mais, e as relações de trabalho passam a ser relações de submissão e não propriamente de trabalho”, explicou.
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Para o sociólogo, a perda de direitos trabalhistas ao longo dos anos e o alto desemprego tornam o assédio eleitoral um ato de covardia e desumanidade. “Porque faz da necessidade do outro uma possibilidade de manipulação, de imposição da vontade, criando através do medo um constrangimento difícel de ser enfrentado às vezes”.
Bizarrice e racismo
O sociólogo e professor Francinézio Amaral, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA (Universidade Federal do Pará), classifica a coação aos eleitores como bizarrice e entende que não é possível considerar apenas como um comportamento do “calor da política”.
“Ao contrário, o que estamos vendo é o ápice de algo que sempre existiu no Brasil. Todo racismo, intolerância religiosa, artimanhas que as elites sempre buscaram fazer para manter os seus privilégios e manter as classes suborganizadas sob controle estão nesses últimos quatro anos ganhando destaque. Porque essas pessoas se sentiram à vontade e representadas na figura do atual presidente da República”, afirmou.
O cientista político Helso Ribeiro corrobora o pensamento. “As pessoas racistas, intolerantes, os discriminadores em geral estão com menos vergonha de mostrar a cara. E aí isso é direcionado muitas vezes para o voto. ‘Se você votar nesse daí não apareça mais, não contrato quem tem essa ou outra característica’ e sem contar com ameaças ‘se Lula ganhar pode não vir mais trabalhar na próxima semana’ e por aí vai”.
O problema é estrutural. “Eu adoraria saber que isso é momentâneo, mas não, isso está enraizado na nossa cultura e muitas vezes nós é que temos vergonha de falar e denunciar essas pessoas, o que é lastimável”, lamentou Ribeiro.
Para Francinézio Amaral, quem se sente confortável em demonstrar ódio não terá escrúpulos ao chantagear empregados ameaçando com demissão quem votar no candidato que não apoia. O sociólogo também vê esse tipo de atitude como desespero. “Eles estão partindo para o tudo ou nada, no desespero de verem que mesmo fazendo todas essas bizarrices, atrocidades, o quadro não se reverteu a favor do candidato deles”.
Projeto de poder religioso
Quanto ao assédio eleitoral contra fiéis através do medo, Amaral afirma que há muito tempo uma parcela de religiosos, especialmente nas igrejas evangélicas, traçaram um projeto de poder, visando aumentar a influência nas decisões políticas do país.
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“Toda essa pressão que os pastores estão fazendo em cima dos púlpitos das suas igrejas sobre os fiéis não é por acreditarem que o Lula representa o mal, que a esquerda é do diabo, não. Eles estão usando desses subterfúgios, que trazem medo para a população que não tem muito conhecimento, única e exclusivamente porque estão vendo tudo aquilo que construíram nas últimas décadas de poder político ameaçado de se esvair com uma possível vitória do Lula”, afirmou.
Sociedade doente
Raquel Lemos, psicóloga clínica e professora na área da Saúde Mental, diz que essa comunicação violenta apenas confirma o quanto a sociedade está doente emocionalmente e como é importante a saúde mental. “Hoje a política é o que está em evidência, o que está no momento de as pessoas colocarem tudo aquilo que tem dentro delas para fora”, disse.
A profissional alerta que o problema vai além da política. “Hoje nós temos o extremismo, mas as pessoas estão intolerantes a tudo, é no trânsito, nas questões de identidade e gênero, raça. Pessoas estão matando as outras por conta de futebol. Entã,o não é de hoje. A OMS [Organização Mundial de Saúde] disse que em 2020 a sociedade estaria com uma classe muito grande de pessoas com ansiedade, depressão. E aí veio a pandemia e potencializou. Agora veio a política e foi a cereja do bolo”, ressaltou.
Raquel Lemos orienta trabalhar a comunicação não violenta. “Porque aí é um vetor de transformações. Ok, eu não concordo com aquilo, a minha ideologia é diferente, eu não acredito, mas eu respeito teu espaço. E isso não está acontecendo em nenhuma esfera, então não é somente a política”, disse.
Para quem é coagido a votar em determinado candidato, a psicóloga afirma que na urna é importante lembrar do sigilo do voto. “Eu dou uma dica para as pessoas que se sentem assim, é que o voto é secreto e o que é meu, dos meus valores e minha ideologia, é tão somente meu”.