Por Ricardo Balthazar, da Folhapress
SÃO PAULO – Com advogados combativos, jornalistas destemidos, um depoimento inédito e a corrida presidencial no pano de fundo, o documentário “Amigo Secreto”, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (16), tem todos os ingredientes para fazer barulho na estreia.
Mas o filme da cineasta Maria Augusta Ramos provavelmente desapontará os que estiverem em busca de uma narrativa equilibrada. Ele adota sem ressalvas o ponto de vista dos críticos mais contundentes da Operação Lava Jato e abre pouco espaço para visões alternativas.
O documentário discute o impacto político das investigações sobre corrupção na Petrobras, do cerco promovido ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelos procuradores de Curitiba até a reviravolta causada pela anulação dos processos que o levaram à prisão.
Advogados que atuaram na defesa de vários acusados e jornalistas que tiveram acesso a mensagens trocadas pelos investigadores e pelo ex-juiz Sergio Moro nos bastidores da operação, obtidas pelo site The Intercept Brasil em 2019, fornecem os fios condutores do roteiro.
Divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo e por outros veículos que trabalharam em parceria com o Intercept, as mensagens tiveram influência decisiva no julgamento em que o Supremo Tribunal Federal anulou as ações movidas contra Lula, após concluir que Moro não fora um juiz imparcial.
O ponto alto do filme é o depoimento de um ex-executivo da Odebrecht que se tornou colaborador da Justiça, Alexandrino Alencar, que diz ter sido pressionado pelos procuradores a fazer acusações contra Lula quando negociava seu acordo de delação premiada, em 2016.
Preso por quatro meses em Curitiba e condenado por pagar propina em troca de favores para a Odebrecht, Alexandrino foi uma das testemunhas que incriminaram o líder do PT no caso das reformas feitas por empreiteiras num sítio que ele frequentava em Atibaia (SP).
No documentário, o executivo sugere que foi levado a refazer seus relatos várias vezes durante as negociações com a Lava Jato para incluir fatos relacionados a Lula e seus familiares, garantindo assim a redução de sua pena e outros benefícios alcançados com a delação.
“Fizeram uma pressão em cima da gente”, afirma Alexandrino, que falou a duas repórteres do site El País Brasil, extinto no ano passado. “Era uma questão com o Lula. Ele queria saber o que o irmão do Lula [fez], o filho do Lula, não sei o quê do Lula, as palestras do Lula”.
As mensagens trocadas na época mostram que os procuradores de fato demoraram a se satisfazer com a colaboração de Alexandrino, que consideravam incompleta, mas documentos examinados pela Folha de S.Paulo revelam nuances que seu depoimento no filme não contempla.
Em meio aos arquivos obtidos pelo Intercept existem pelo menos cinco versões dos relatos apresentados por Alexandrino durante as negociações com os procuradores da Lava Jato. A mais antiga tem 11 páginas. A última, 58.
As principais informações que ele forneceu sobre Lula, que tratavam das reformas no sítio de Atibaia, da doação de um terreno ao Instituto Lula e da contratação de um sobrinho pela Odebrecht, já constavam dos primeiros relatos que Alexandrino entregou à Lava Jato.
Alexandrino afirma também no documentário que um executivo da Odebrecht foi solto durante as negociações após incriminar o deputado Aécio Neves (PSDB-MG), sugerindo que havia uma “questão direcionada” e os procuradores tinham interesse em proteger o tucano.
O único executivo da Odebrecht que estava preso e foi solto durante as negociações foi Hilberto Silva, que chefiava o departamento responsável pelo caixa dois da empresa. Ele nunca falou de Aécio nos depoimentos que prestou após fechar o acordo com a Lava Jato.
Mas quatro executivos da empresa que também se tornaram delatores incriminaram o tucano, entre eles Marcelo Odebrecht, que estava preso. Os outros três estavam em liberdade quando negociaram com a Lava Jato, que pediu a abertura de cinco inquéritos sobre Aécio.
“Amigo Secreto” foi patrocinado pelo grupo Prerrogativas, formado por advogados que apoiam Lula, e pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), criado pelo advogado Walfrido Warde, autor de um livro sobre o impacto econômico da Lava Jato.
Warde e vários integrantes do grupo Prerrogativas falam no documentário. Responsáveis pela operação, como Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, e seus defensores, como o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, aparecem falando apenas em imagens de arquivo.
Advogados e jornalistas buscam reforçar no filme as principais críticas feitas à operação nos últimos anos, apontando abusos dos investigadores e os custos impostos às empresas brasileiras pela cooperação da Lava Jato com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
A jornalista Natalia Viana, fundadora da Agência Pública e autora de reportagens que apontaram irregularidades na colaboração dos procuradores com os EUA, comete um erro ao falar da relação de Moro com a consultoria americana Alvarez & Marsal.
O ex-juiz, que abandonou a magistratura para ser ministro da Justiça no governo Jair Bolsonaro (PL) e depois rompeu com o presidente, trabalhou por quase um ano na consultoria, que no Brasil administra o processo de recuperação judicial da Odebrecht, hoje Novonor.
No documentário, Viana aponta a Alvarez & Marsal como responsável por garantir o cumprimento de compromissos assumidos pela Odebrecht com os EUA no acordo bilionário fechado com a Lava Jato em 2016, mas a consultoria nunca teve nada a ver com isso.
Uma das últimas cenas do filme mostra Moro no evento em que se filiou ao Podemos para se lançar candidato a presidente, no ano passado. Sem sucesso até agora, o ex-juiz se mudou para o União Brasil e não sabe se terá vaga para concorrer a alguma coisa.