A câmara de deputados do atual governo finalmente mostrou a que veio: praticamente desintegrou o pacote anticorrupção, nessa virada de 29 para 30 de novembro de 2016. Pouco efetivamente restou das “dez medidas anticorrupção” propostas pelo Ministério Público e endossadas por outras entidades. Em grande medida, o que está ocorrendo no país é efeito colateral e amplificado do impeachment ou, como preferem muitos, do golpe.
Até quem apoiou a chegada do atual governo ao comando do poder central não imaginava que ele pudesse fomentar e dar abrigo a um parlamento que se põe a legislar apenas em proveito próprio e contra as instituições e a população de um modo geral.
O perfil do congresso e do executivo que aí estão é esse mesmo, tendendo ainda ao pior, pois são inteiramente insensíveis aos apelos cívicos do povo e suas instituições para algo básico: a causa do efetivo combate à corrupção e a preservação de autonomias dos que investigam e julgam.
A efetiva reforma política é apenas, uma vez mais, uma mera coisa de fachada. Até a responsabilização de partidos políticos foi retirada dentre as medidas anticorrupção, quando o que realmente causa prejuízo ao erário, insegurança política e jurídica, é permitir que os partidos persistam a funcionar, em regra, como organizações criminosas, operando de distintas maneiras antes, durante e após os pleitos eleitorais. Um danoso desserviço ao país.
É fonte de perplexidade e indignação o fato de concretamente nada ser encaminhado ou providenciado no sentido de promover os necessários saneamentos às instituições do país de um modo geral, sobretudo quanto à mediação política e aos poderes ditos republicanos. Embora ocorram conflitos e desavenças entre poderes e instituições, que se acusando e mutuamente, todas necessitam profundas reformas, a fim de extirpar o emaranhado de vicissitudes que corrói a República, a vida institucional e as perspectivas de democracia no país. Esse trabalho é urgente e necessário, talvez o mais prioritário, uma vez que o mesmo tem desdobramentos sobre a confiança nas instituições e sobre o ambiente socioeconômico da nação.
O problema é que, mesmo com tantas manifestações populares e protestos de rua contra todas as rotinas e armações montadas para legitimar e naturalizar a corrupção institucionalizada, o que termina por agravar as crises que se arrastam sem fim, persiste-se em reduzir tudo à “formalidades”, às carcomidas encenações, ao velho e viciado “jogo político” e às falidas fórmulas eleitorais. Não que as eleições não tenham sua importância, pois são essenciais para a vida democrática, todavia, não podem persistir sendo meras peças teatrais indiferentes aos reais problemas da nação. Um espetáculo de obscenidades legislativas e institucionais sem o menor pudor nem constrangimento! Parece até que ninguém mais se importa com a lama e os saques das máfias empoderadas e dos sociopatas com mandatos.
De fato, é gravosamente escandaloso que, em meio à aguda crise institucional envolvendo os poderes políticos e o sistema representativo no país, efetivamente nada tenha sido feito no que tange a uma efetiva reforma política, que alcança a todos os poderes e instituições essenciais do frágil regime aberto que temos.
Por isso, mais uma vez, evidencia-se nitidamente o equívoco de haver sido entregue o Estado nas mãos de quadrilheiros profissionais, sem o mínimo senso de ridículo, de dignidade e de coerência. O que se poderia esperar de gente assim, tão viciada e com pendências diversas, inclusive judiciais? É muito alto o preço a ser pago. Terrível, mas configura-se realmente um golpe, e não um impeachment, o que está ocorrendo no país. O impeachment apenas abriu a porta para o que de pior na política brasileira chegasse aonde chegou.
Infelizmente, é muito tarde. Fracamente, só uma grande reviravolta para rever todo o mal em vias de ser provocado. Não foi por falta de aviso de que o impeachment seria um tiro no próprio pé, pois o país foi alertado sobre quem ascenderia ao comando estatal caso o outro grupo (também muito complicado, mas em certo sentido menos venal) fosse destronado. E então o pior aconteceu, inclusive com o aval e apoio de muitos dos que hoje reclamam.
Por isso, agora é preciso recomeçar tudo de novo se pretendermos tomar de volta o país das mãos dos quadrilheiros profissionais, muito mais “escolados” que os da dita “esquerda” desalojada do poder. Como diziam os antigos, “acabou-se o que era doce”. E olha que nem era tão doce assim…
Pontes Filho é Cientista Social
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