Por Rosiene Carvalho, especial para o AMAZONAS ATUAL
MANAUS – O recurso do governador José Melo (Pros) para reformar a sentença de cassação acusa o TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas) de usar provas ilícitas no julgamento e cercear sua ampla defesa ao negar perícia em documentos. O advogado do governador no Amazonas, Yuri Dantas Barroso, afirmou que o recurso pede que a sentença do TRE-AM seja reformada no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Outro pedido da defesa de Melo é que o TSE determine que o TRE-AM julgue novamente o caso, levando em consideração que no primeiro julgamento inverteu o ônus da prova. O governador pede, ainda, que em eventual novo julgamento sejam anuladas as provas que têm origem ilícita. Além disso, requer que seus pedidos de produção de provas, desta vez, sejam assegurados no tribunal regional.
O recurso ainda ironiza o processo ao pedir a anulação da sentença: “O caso em julgamento é emblemático, especialmente por se tratar de uma narrativa inverossímil: a compra de votos documentada por recibos! Seguramente um caso único no rico acervo jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral”.
A defesa também pede anulação da sentença porque o coronel Dan Câmara, que assinou o contrato com a empresa suspeita não consta como parte do processo, apesar de citado em várias partes pela acusação.
Presidência do TRE é a primeira a avaliar
Para que o recurso seja enviado ao TSE, é necessário que a presidente do TRE-AM, Socorro Guedes, dê sentença determinando subida dos autos ao tribunal superior. Antes, terá que analisar o pedido apresentado pela defesa de Melo. O governador pede que a magistrada declare efeito suspensivo à decisão com base na mudança realizada pela reforma do Código Eleitoral que prevê que, mesmo cassado, o eleito permaneça no cargo até trânsito e julgado da ação.
Os advogados de Eduardo Braga, candidato derrotado nas urnas em 2014 que pediu a cassação de Melo, defendem que a mudança não pode ser aplicada no processo. No entanto, até hoje não apresentaram qualquer pedido jurídico no sentido de afastar o governador do cargo para dar posse a Braga.
O governador José Melo e seu vice Henrique Oliveira (SDD) foram cassados por compra de votos no dia 25 de janeiro deste ano e a cassação foi confirmada pelo TRE-AM no julgamento dos embargos, no dia 9 deste mês.
O TRE-AM entendeu que o governador usou uma empresa laranja para receber R$ 1 milhão dos cofres públicos a pretexto de contrato especial durante a Copa do Mundo de 2014, ano eleitoral. O recurso, segundo a decisão do TRE-AM, foi desviado para compra de votos naquele pleito. Para os membros do tribunal, as provas eram robustas e o caso de extrema gravidade. Na ocasião do julgamento, a juíza federal Jaiza Fraixe chegou a declarar que em mais de 20 anos atuando como juíza jamais tinha entrada em contato com processo com tantas provas.
Argumentos da defesa
Os advogados de Melo apontam fragilidades nas provas, a começar pelas operações da Polícia Federal, que consideraram ilegais por falta de autorização judicial e baseadas em denúncia anônima. Além disso, numa das operações, alega a defesa, havia no local entre 50 e 70 pessoas e nenhuma foi ouvida como testemunha no processo. A defesa levanta suspeita que diante de tantas pessoas não haja nos autos uma ao menos que confirme a compra de votos.
“A artificialidade da operação policial é patente! (…) Foram ouvidos apenas os policiais federais que participaram da operação. Apesar de, segundo eles próprios policiais, estarem presentes de 50 a 70 pessoas no local, nenhuma delas foi sequer identificada, embora todas tenham sido revistadas e tido seus veículos também devassados pela Polícia. Todos os requerimentos de produção de provas formulados pela defesa foram indeferidos, resultando na interposição de agravo regimental, cujas razões foram apreciadas no julgamento de mérito da representação”, alega a defesa em trecho do recurso.
Outra fragilidade apontada pela defesa em relação ao trabalho feito pela Polícia Federal é em relação a custódia das provas por parte do órgão. Os advogados indicam que não houve cuidado em arquivá-los. Indica ainda que a falta de zelo na identificação e separação dos documentos apreendidos no dia da operação e considerados como provas no processo coloca os mesmos sob suspeita. Melo insinua que, desta maneira, não se pode ter certeza de quando e se entraram e saíram do acervo sem controle.
“ (…) o auto de apreensão foi instruído sem qualquer separação dos documentos. Não se especifica o que estaria com as presas em flagrante; o que estaria em suas bolsas; o que foi apreendido na sala em que ocorreu o evento, ou na sala reservada; onde e com quem foi apreendida essa suposta lista; o que estaria no carro que sofreu busca. Isso já seria suficiente a demonstrar que não foi respeitada a cadeia de custódia. Documentos podem ter desaparecido, enquanto outros podem ter surgido sem explicação”, indica a defesa em outro trecho.
Os advogados afirmam que a decisão dos membros do TRE-AM afrontam o Código do Processo Civil ao “indeferir todas as provas requeridas pelo Representado (José Melo)” e ainda impor o ônus de provar que não praticou as ilegalidades. “O acórdão violou os princípios da boa-fé objetiva processual e o dever de lealdade para com as partes”, alega a defesa.
Fantástico
Outra fragilidade da decisão, para o governador José Melo, é o uso de reportagem do programa Fantástico no processo como instrumento de convencimento no parecer do Ministério Público Eleitoral (MPE) e dos membros da Corte. A reportagem não constava nos autos e a defesa sequer teve chance de citá-la em seus argumentos, informou Yuri Dantas.
“Em outras palavras, a identificação dos eleitores, a entrega de benesses e o especial fim de agir, elementos caracterizadores da captação ilícita de votos e que exigem prova consistente, teriam sido, na visão equivocada do regional, apontada por meio de reportagem jornalística! E por ligação telefônica, não presencial, em que qualquer um pode se passar até pelo Rei da Espanha, ou por Rainha da Suécia”, cita outro trecho do recurso.
Rascunhos
Melo contesta a veracidade dos recibos apresentados com a assinatura do irmão dele, Evandro Melo, como provas pela falta de perícia. Indica que todos foram preenchidos visivelmente pela mesma pessoa e levanta suspeita na prova questionado se, caso houvesse compra de votos, como Evandro produziria prova contra ele mesmo. Alega ainda que a maior parte dos documentos tem letras incompreensíveis. “Por fim, também está no caderno processual um emaranhado de manuscritos, em sua maioria ilegíveis, seja em virtude da má grafia, seja em razão da reprodução fotográfica que acompanhou a inicial”.