EDITORIAL
MANAUS – Era 28 de abril de 2020, a pandemia de Covid-19 assustava o mundo… Países como a Itália registravam mais de mil mortes por dia; o Brasil, que registrou as primeiras mortes em março, contava 5 mil óbitos.
O presidente da República do Brasil, Jair Bolsonaro, optou por confrontar os governadores e prefeitos que adotavam medidas de distanciamento social, alegando que elas poderiam “quebrar” a economia e gerar desemprego. Dias antes, havia demitido o ministro da Saúde que defendia as medidas orientadas pela ciência e o uso de máscaras pela população.
Diante das mortes, que assustavam a todos e ultrapassavam os números da China, um repórter ousou questionar o presidente sobre os 5 mil óbitos. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre…”, respondeu Bolsonaro.
Dias antes, em 20 de abril de 2020, questionado sobre o número diário de mortes, cerca de 300 na ocasião, Bolsonaro saiu-se com essa: “Ô, ô, ô, cara. Quem fala de… eu não sou coveiro, tá?”
Naquela ocasião, os cientistas previam que o Brasil teria um número de mortes superior a alguns países da Europa, que na ocasião eram castigados pelo vírus mortal.
Por aqui, houve uma desarticulação geral do controle da pandemia, com o presidente puxando para um lado, contra a vontade e orientação de dois ministros da Saúde, e os governadores e prefeitos puxando para outro.
Na ponta, eram os prefeitos e governadores os responsáveis pelo atendimento hospitalar das pessoas infectadas. Uma coordenação nacional era essencial para o enfrentamento do novo coronavírus.
Bolsonaro, ao contrário, optou por ser adversário dos Estados e municípios, limitando a participação do governo federal ao envio de verba pública para a saúde.
Por outro lado, o presidente da República adotou uma narrativa de negação da gravidade da pandemia, desaconselhando as pessoas a ficarem em casa, a usar máscara e a se prevenir, em nome de “salvar a economia”.
Bolsonaro chamou os brasileiros de “maricas” e pediu que enfrentassem a Covid-19 “como homem”. Pregava que 70% da população deveriam ser contaminados pelo vírus e que isso precisava ser feito logo para que a economia voltasse ao normal (a chamada imunidade de rebanho).
“O emprego é essencial, essa é a realidade. Vamos enfrentar o vírus com a realidade. É a vida. Todos nós vamos morrer um dia”, disse o presidente no dia 29 de março deste ano. Naquele mês, as mortes por Covid-19 explodiam. Eram mais de 3 mil óbitos por dia.
Nada disso demoveu o presidente da República do propósito de caminhar em sentido contrário à orientação da ciência e às medidas de contenção do vírus. Em outras palavras, de sabotar as medidas adotadas pelos governadores e prefeitos com base na experiência de outros países.
Nas últimas semanas, Bolsonaro promoveu dois grandes eventos geradores de aglomeração, com incentivo ao não uso de máscaras, chamadas de “motociatas”. O presidente da República liderava a desordem, agindo como um desordeiro mor, como, aliás, vem fazendo desde o início da pandemia.
A expectativa, agora, é da frase que Bolsonaro usará quando o número de mortes chegar a 100 vezes àquele registrado em 29 de abril de 2020, quando ele soltou o “E daí?”.