Por Felipe Campinas, do ATUAL
MANAUS – Por 15 votos a sete, os desembargadores do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) suspenderam provisoriamente nesta terça-feira (20) as regalias a advogados presos provisoriamente no Amazonas, entre elas o acesso a notebook, internet e aparelho celular.
Os benefícios à classe estão previstos na Lei Estadual nº 5.661/2021, aprovada pela Assembleia Legislativa do Amazonas, que estabeleceu a definição da ‘Sala de Estado Maior’ – onde ficam os advogados presos.
Nesta terça-feira, o colegiado concedeu medida cautelar para suspender a vigência de trechos dessa lei. A decisão não é definitiva. O caso continua a ser julgado pelo TJAM.
O espaço para os advogados é previsto na Lei Federal nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), mas os deputados estaduais do Amazonas acrescentaram benefícios através da lei estadual.
Em maio de 2022, o procurador-geral de Justiça do Amazonas, Alberto Nascimento Júnior, apresentou ao TJAM uma ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra a norma. Ele disse que a lei incluiu garantias incompatíveis com a Constituição do Estado do Amazonas e que “não encontram assento na legislação vigente e no entendimento jurisprudencial pátrio”.
O pedido para suspender os efeitos da lei começou a ser analisado em outubro de 2023, com a apresentação do voto da relatora, desembargadora Onilza Gerth, pela suspensão de trechos da lei. Ela acompanhou o entendimento do MP-AM (Ministério Público do Amazonas).
No dia 14 de novembro, o desembargador Flávio Pascarelli apresentou voto divergente, para manter os benefícios aos advogados presos, mas a análise da medida cautelar foi concluída nesta terça-feira.
Acompanharam a relatora os desembargadores Yedo Simões, Paulo Lima, Cláudio Roessing, Lafayette Vieira Júnior, Hamilton Saraiva dos Santos, Elci Simões, Vânia Marques Marinho, Abraham Campos Filho, Cézar Bandiera, Socorro Guedes, Luiza Cristina Marques, Anselmo Chíxaro, Carla Reis, Jorge Lins e Henrique Veiga.
Os desembargadores favoráveis à suspensão defenderam o princípio da isonomia, que prevê que todos os cidadãos são iguais perante a lei.
O voto de Pascarelli foi acompanhado pelos desembargadores João Simões, Graça Figueiredo, Domingos Chalub, Airton Gentil, Joana Meirelles, Délcio Santos e Mirza Cunha.
Sala de Estado Maior
De autoria do deputado estadual Carlinhos Bessa (PV), a lei prevê que o estado disponibilizará espaço para trabalho sem grades, com notebook, internet, impressora e aparelho celular. Conforme a norma, os advogados presos também podem receber visitas de familiares duas vezes por semana.
A norma estabelece, ainda, a concessão de prisão domiciliar a advogados, independente da acusação imputada, diante da inexistência de Sala de Estado Maior. Nesse caso, segundo a lei, o juiz deve aplicar restrições previstas no Artigo 319 do CPP (Código de Processo Penal), com exceção da “suspensão do exercício de função pública”.
Para Alberto Nascimento Júnior, a lei amazonense buscou garantir possibilidade do advogado preso continuar a exercer seu trabalho. No entanto, o conceito do ambiente fixado na norma estadual ultrapassou aquele previsto no Estatuto da Advocacia (Lei Federal nº 8.906/1994).
De acordo com o procurador, o advogado, no momento em que cumpre a prisão, passa a “ostentar a condição de preso provisório” e “passa a ter direitos e deveres previstos” na LEP (Lei de Execução Penal). Esta lei, segundo ele, determina que “para o preso provisório, o trabalho não é obrigatório e só poderá ser executado no interior do estabelecimento”.
Ainda de acordo com Nascimento Júnior, a LEP estabelece que, caso o trabalho seja implementado ao preso, deve ser “obrigatoriamente realizado de forma interna, por meio de atividades laborais disponibilizadas dentro da própria estrutura administrativa visando sua ressocialização”.
“Não há qualquer previsão legal de que o preso recolhido provisoriamente prossiga realizando as mesmas atividades laborais de outrora, sobretudo onerando o Estado de modo a viabilizar materialmente o exercício de seu labor, como assim pretende a norma legislativa estadual”, afirmou Nascimento Júnior.
Sobre o trecho da lei que autoriza familiares de advogados a fornecerem equipamentos eletrônicos, como celular e notebook, ao detento, Nascimento Júnior afirma que aos presos “não é garantido o uso irrestrito de aparelho celular e computador” e essa possibilidade não está entre os direitos previstos na LEP.
Em relação a possibilidade de familiares visitarem os advogados duas vezes na semana, o procurador sustenta que a LEP garante o direito em dias determinados pela administração do presídio. No Amazonas, segundo ele, a visitação de familiares atende uma determinada periodicidade e ocorre a partir de agendamento por um aplicativo.
Sobre a regra que garante as regalias advogados presos que foram suspensos pela OAB, o procurador apontou desarmonia com o entendimento dos Tribunais Superiores de “não poder ser invocada a prerrogativa de recolhimento em Sala de Estado Maior por causídicos que estejam com sua inscrição suspensa ou cancelada” no momento da prisão.
Em relação a concessão de prisão domiciliar a advogados, Nascimento Júnior aponta violação à competência dos parlamentares federais de legislarem sobre regras de Direito Processual Penal. Segundo ele, a lei amazonense determina “hipóteses em que deve ser a prisão domiciliar deferida, tratando-se tal matéria de norma de processo, e não de procedimento”.
O procurador revela que a PGE-AM (Procuradoria-Geral do Amazonas) chegou a recomendar ao governador Wilson Lima através do Parecer nº171/2021-GPGE o veto ao trecho que prevê essa regalia, sob argumento da invasão da competência da União. Entretanto, mesmo com o documento, a lei foi sancionada na íntegra.
“Padece, portanto, de evidente inconstitucionalidade forma o aludido texto, na medida em que determina hipótese em que deve ser a prisão domiciliar deferida, cuidando, assim, de matéria de natureza processual, e não procedimental”, afirma o procurador, ao pedir a declaração de inconstitucionalidade da lei amazonense.