Um banner no Facebook com a interrogação “por que será?” indaga quem foram os desembargadores que votaram contra a cassação do prefeito de Coari, Adail Pinheiro. A peça se refere à votação de um dos processos do prefeito por improbidade administrativa que tramitavam no Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) e que os desembargadores decidiram extinguir, por dois motivos: primeiro, o processo tinha um vício que invalidava a denúncia a ser julgada. Tal denúncia foi aceita por uma desembargadora da 2ª Câmara Criminal, quando a Constituição Federal estabelece que prefeito só pode ser julgado pelo Tribunal Pleno, ou seja, pelo conjunto dos desembargadores. Portanto, a aceitação da denúncia foi considerada inválida. Segundo, com a anulação da decisão tomada lá atrás, em 2008, o tribunal precisaria recolocar a matéria para apreciação dos desembargadores para que decidissem, agora, no foro apropriado, se aceitariam ou não a denúncia. Ocorre que o crime imputado a Adail Pinheiro no referido processo foi praticado em 2001. Portanto, não havia mais tempo para a aceitação da denúncia. O crime de responsabilidade prescreve em oito anos. Já haviam se passado 12 anos. Portanto, o crime prescreveu e motivou a extinção do processo, sem o julgamento do mérito.
Mas vamos considerar a hipótese da não prescrição. O advogado de defesa de Adail Pinheiro, Roosevelt Jobim Filho, opina que os desembargadores jamais poderiam condenar o cliente dele por ter contratado uma pessoa sem concurso público para exercer cargo de auxiliar de enfermagem na Prefeitura de Coari. Esse era o teor da denúncia que ameaçava o cargo de Adail. A contratação sem concurso público de uma única funcionária. É o mesmo teor do processo arquivado há duas semanas pelo mesmo tribunal também por prescrição. No mérito, ambos se assemelhavam.
Aviso de antemão que não estou a bancar o advogado dos desembargadores e muito menos de Adail Pinheiro. Mas qualquer leigo no assunto percebe que o motivo para a cassação é frágil como bolha de sabão. Condenar Adail Pinheiro por um crime como o apontado pelo Ministério Público nesse processo criaria uma jurisprudência que levaria para a mesma vala do prefeito de Coari todos os detentores de cargos majoritários do Poder Executivo. Qual prefeito e qual governador do Estado do Amazonas nunca contratou um servidor sem concurso público. Bastaria ao Ministério Público uma busca rápida na internet para ficar diante de uma montanha de gestores propensos a perder o mandato pelo mesmo motivo.
Não teria o Ministério Público, a partir de uma decisão condenatória no processo julgado hoje, o dever moral e institucional de também apresentar denúncia contra o atual prefeito de Manaus e todos os seus pares do interior do Estado, assim como o governador, pelo inegável fato de que todos contratam sem concurso público não apenas um servidor, mas algumas centenas? Não faltam exemplos, e o Tribunal de Contas do Estado, nos últimos anos, chamou todos eles à responsabilidade para que realizassem concurso público, sem ser atendido, salvo raras exceções.
Em Manaus, a Câmara Municipal aprovou lei, há dois anos, efetivando um batalhão de servidores que trabalham sob o regime de contrato temporário há mais de cinco anos na Prefeitura de Manaus. Alguns com mais de 20 anos de serviços com contratos irregulares, sem concurso público.
Faço essas considerações apenas para dizer que o fato gerador da denúncia que o Tribunal de Justiça arquivou só geraria a cassação de prefeito se os desembargadores ignorassem o bom-senso. No entanto, não foi necessário julgar o mérito, porque havia outros problemas no processo, como a demora na tramitação, denunciado pela desembargadora Carla Reis, que, inclusive, pediu que fosse inserida no acórdão a recomendação de encaminhamento dos fatos que contribuíram para a prescrição ao Conselho Nacional do Ministério Público, à Corregedoria Nacional de Justiça e à Corregedoria Geral de Justiça do TJAM, para as devidas providências.
O desembargador Rafael Romano, relator do processo, a desembargadora Maria das Graças Figueiredo e o desembargador Lafayette Carneiro Vieira Júnior, que acompanharam o relator, ficaram sem chão, depois do voto divergente do desembargador Wellington Araújo, mas mantiveram seus votos pela cassação do mandato de Adail Pinheiro.
Resumindo: o processo era tão inconsistente que condenar qualquer prefeito à perda do cargo seria uma decisão absurda.
Adail Pinheiro responde, só na Justiça Estadual, a 56 processos, 28 por improbidade administrativa (eram 29 até o julgamento de hoje). Elementos não faltam para condená-lo, mas o Ministério Público e a Justiça não conseguem amarrar os nós necessários para aplicação da Lei e da Justiça.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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