
Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Alterar nomes de ruas e prédios públicos em Manaus que homenageiam presidentes da ditadura militar gera um impasse entre a necessidade de reparação histórica e a comodidade de permanecer com o nome que identifica o local há anos.
Na semana passada, criadores do projeto colaborativo Ditamapa divulgaram um levantamento preliminar que mostra ao menos 197 lugares públicos no Brasil que carregam nomes de generais protagonistas do golpe militar de 1964.
O projeto mapeou ruas, praças, pontes e avenidas que homenageiam figuras centrais do período marcado por repressão política e violações de direitos humanos, mas está em fase inicial. A divulgação do resultado gerou discussão sobre a viabilidade de mudança os nomes dos ditadores.
Historiadores ouvidos pelo ATUAL afirmam que as mudanças são importantes, mas que isso depende de uma demanda popular.
Para o historiador Davi Avelino Leal, professor na Ufam (Universidade Federal do Amazonas), homenagear figuras políticas da ditadura com nomes de ruas e escolas é como reafirmar, simbolicamente, a permanência de valores autoritários.
“Nesse sentido, seria muito mais interessante para história da cidade nomear as escolas, ruas e avenidas com nomes de cientistas, professoras e professores, intelectuais que efetivamente contribuíram com a educação da cidade e do Estado”, sugere.
Em Manaus, há pelo menos três pontos que homenageiam o ex-presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro do período militar, que governou de abril de 1964 a março de 1967. Há o Conjunto Castelo Branco, no bairro Parque 10 de Novembro; no mesmo conjunto, o Centro Municipal de Educação Infantil Humberto de A. Castelo Branco; e a Avenida Castelo Branco, na Cachoeirinha.

O historiador Aguinaldo Figueiredo afirma não ser simpatizante dos homenageados, mas acha que as nomenclaturas não devem ser alteradas.
“Eu não sou simpático aos nomes, principalmente de ditadores. Até porque colocar os nomes deles sem consulta popular é uma forma de autoritarismo, típico deles. Mas aí já tem todo um contexto de estrutura, de vida social e inclusive de administração da própria vida”, diz.
Artur da Costa e Silva, general presidente da República de março de 1967 a agosto de 1969, tem a Avenida Presidente Costa e Silva – antiga Silves – que liga o Distrito Industrial ao bairro Cachoeirinha, na zona sul, e as ruas Costa e Silva, uma no bairro Santo Antônio e outra no Lírio do Vale.
Para o historiador Otoni Mesquita, a Avenida Silves não deveria ter mudado de nome. “Eu não acho algo louvável termos algumas ruas e os conjuntos habitacionais com os nomes dos generais de um período que foi bastante doloroso para o Estado brasileiro”, diz.

Mudança
Fábio Augusto Pedrosa, acadêmico de História na Ufam e administrador da página História Inteligente defende que antes de pensar em mudanças, é preciso questionar se a população conhece as origens dos nomes, considerando as relações que os moradores têm com os logradouros.
“Algumas das ruas citadas, por exemplo, possuem o mesmo nome há mais de 50 anos, ou seja, fizeram parte do cotidiano de pelo menos duas gerações”, diz.
Fábio Augusto acredita que após um debate, esses nomes poderiam ser trocados. Ele afirma que após isso entra a questão de que nome rebatizar o local.

Juarez Silva Junior, mestre em História e servidor no Arquivo Central do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas), afirma que dependendo do caso é necessária uma revisão das homenagens.
Para ele, é preciso a participação não só dos moradores, que podem preferir por motivos práticos, manter nomes dos quais desconhecem a história.
“Então é também importante a participação de especialistas que possam colocar com racionalidade os prós e os contras da manutenção ou alteração”, diz.
Juarez cita como exemplo a Avenida Domingos Jorge Velho, no bairro Dom Pedro. “Ele foi um bandeirante do séc. XVII, apresador de indígenas e destruidor de quilombos, inclusive o de Palmares, portanto o algoz de Zumbi dos Palmares, que é herói do panteão nacional e tem homenagem em feriado municipal e estadual, o que é um paradoxo, homenagear um herói e seu algoz ao mesmo tempo”, afirma.
Otoni Mesquita não confia nos critérios usados pelos vereadores para fazer as alterações. “Agora eu temo pelo que vai se colocar. Porque em geral isso está na mão de pessoas que no meu ponto de vista elas também não têm grande conhecimento. É feito ao bel prazer, essas coisas são realizadas na Câmara”.
Apreço popular

Juarez Silva afirma que quando não há uma ligação especial na memória dos moradores é mais fácil trocar nomes de ruas, por exemplo. “Caso da rua em Niterói (RJ) que homenageava o Cel Moreira César, que a maioria nem sabe quem foi, pelo do recém-falecido ator Paulo Gustavo”.
Davi Avelino afirma que a força coletiva é que sustenta um novo nome e cita o bairro Amazonino Mendes, zona norte, como um exemplo local.
“O nosso bairro Mutirão, tem por nome oficial Amazonino Mendes, no entanto, as pessoas do lugar, da cidade, continuam a usar a denominação coletiva de Mutirão – que faz referência ao trabalho coletivo de ajuda mútua”, diz.
O historiador também lembra da homenagem a Paulo Gustavo. “No caso de Niterói, não tivemos problema com a mudança, pelo contrário, tanto a municipalidade quanto os moradores apoiaram o movimento”.
Na CMM (Câmara Municipal de Manaus), o Projeto de Lei nº 088/2021, do vereador Luis Mitoso (PTB) propunha trocar o nome da Avenida do Samba, no bairro Flores, para Avenida Cultural Zezinho Correa, vítima da Covid-19 no dia 6 de fevereiro deste ano. No momento, a proposta está arquivada.

Para Aguinaldo Figueiredo, a nominação de ruas em Manaus sempre obedeceu ditames autoritários. “Os vereadores, os prefeitos, por conta do cargo que ocupam, da autoridade que acham que têm, colocam nomes inclusive de suas esposas, mães”, critica.
O historiador vê alguns casos como exagero. “Aqui em Manaus eu cataloguei em certa ocasião, que tem mais de cinco ruas com o nome de Arthur Virgílio. Tudo bem, o Dr Arthur Virgílio que é o pai do ex-prefeito, um homem íntegro, uma pessoa de renome. Mas ter cinco nomes?”, afirma.
Figueiredo defende que a sociedade seja consultada antes. “Nem sempre alguns nomes são simpáticos, principalmente de políticos que tiveram passagem duvidosa na vida política da cidade, do estado”.
Ele critica a homenagem ao sertanista Pedro Teixeira. “A Avenida Pedro Teixeira dá nome a um dos maiores matadores de índios que já teve na Amazônia, um assassino cruel, desumano”.
Para Davi Avelino, trocar o nome da rua ou espaço público pode ser lido como um sintoma de que a sociedade não tolera mais símbolos de opressão ocupando lugar de destaque.
“Sei que só substituir, demolir ou derrubar um monumento/nome não apaga o passado de opressão e nem significa que estamos a negá-lo, mas pode significar sim uma mensagem de que não concordamos que essas pessoas sejam homenageadas por nossas cidades”, conclui.