BRASÍLIA – O Tribunal de Contas da União (TCU) fará nova fiscalização para analisar a responsabilidade do Conselho de Administração da Petrobras em relação a atrasos e decisões que prejudicaram as obras e levaram à paralisação e a prejuízos bilionários verificados nas refinarias Premium I e II, que seriam construídas no Nordeste. A decisão foi comunicada ontem pelo ministro-relator, José Múcio, e implica questionar diretamente a presidente Dilma Rousseff, que presidiu o conselho da estatal entre 2003 e 2010.
Também serão fiscalizadas a refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro.
A nova investida do TCU ocorre justamente no momento em que o Palácio do Planalto atua no Congresso para aprovar suas contas, reprovadas pelo tribunal no mês passado e que podem levar à abertura de um pedido de impeachment.
De acordo com o TCU, a primeira vez que o projeto de investimento nas refinarias Premium apareceu no plano de negócios da Petrobras foi no planejamento do período 2007-2011, durante a gestão de Dilma no Conselho de Administração.
O TCU não menciona o nome de nenhum dos integrantes do conselho no processo. Mas, em 2006, o comitê contava com os então ministros Silas Rondeau (Minas e Energia) e Guido Mantega (Fazenda), o então presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, o general Gleuber Vieira, além dos executivos Arthur Sendas, Roger Agnelli, Fábio Barbosa e Jorge Gerdau.
Prejuízo
Em seu balanço patrimonial de 2014, a Petrobras registrou prejuízo contábil de R$ 2,8 bilhões em relação aos dois projetos previstos para serem erguidos no Maranhão (Premium I) e no Ceará (Premium II). José Múcio afirmou que é preciso apurar a “omissão” do conselho em seu dever legal de fiscalizar a gestão e atos da diretoria executiva no período, que levou ao prejuízo apontado.
“A responsabilização de integrantes de conselhos de administração está associada a condutas omissas ou negligentes, sobretudo quando há falha no dever de vigia, exige-se que ocorra o acompanhamento dos atos da diretoria executiva com enfoque amplo, tendo como objeto, por exemplo, o atingimento de metas globais e a estratégia da companhia”, declarou Múcio em seu voto.
O tribunal decidiu realizar oitiva com a Petrobras para que, no prazo de 15 dias, se manifeste sobre os indícios de irregularidades nas obras e omissões do conselho. Segundo o TCU, os dados disponíveis apontam que, mesmo diante de um aumento dos riscos, a diretoria executiva da Petrobras aprovou proposta recebida da área de abastecimento da estatal, que era chefiada por Paulo Roberto Costa, e autorizou o avanço nas obras sem a devida análise de outros setores, como previsto “na Sistemática de Aprovação de Projetos e Investimento da Petrobras”.
“A análise de dados disponíveis nessa fase preliminar do processo permite afirmar que, na prática, autorizou-se a continuidade do projeto sem que fossem revistas questões essenciais”, disse Múcio. “Havia sinais fortes de que não fossem efetivamente aproveitados no futuro as despesas com projetos e com terraplenagem.”
O TCU vai pedir ainda à Polícia Federal e ao Ministério Público informações sobre possíveis práticas de crime por membros do Conselho de Administração ou Diretoria Executiva, relacionadas às refinarias Premium, apuradas pela Operação Lava Jato. “O intuito é verificar se houve descumprimento do dever de lealdade previsto na Lei das S.A.”, declarou Múcio.
Contratos
O TCU também instaurou outro processo para cobrar a devolução de valores atrelados a irregularidades cometidas entre Petrobras e Odebrecht em contrato de serviços de segurança, meio ambiente e saúde prestados em empresas da estatal no exterior.
São alvos nesse processo os ex-presidentes da Petrobras José Sergio Gabrielli e Graça Foster, além dos ex-diretores da estatal Paulo Roberto Costa, Almir Guilherme Barbassa, Renato Duque, Guilherme Estrella e Jorge Zelada. O TCU decidiu instaurar um processo de tomada de contas especial (TCE), recurso só utilizado quando as ocorrências de superfaturamento estão praticamente comprovadas e pelo qual se cobra a devolução do dinheiro público.
Segundo o relator do processo, ministro Vital do Rêgo, devem ser feitas as diligências “para a completa quantificação do dano. No relatório, o tribunal aponta que a própria Petrobras reconhece que tem direito a um crédito de US$ 3,7 milhões pela Odebrecht, por serviços que, segundo a empresa, não teriam ocorrido. A Odebrecht, no entanto, nega a cobrança da Petrobras e diz que é ela que tem direito a receber US$ 81,7 milhões da estatal. Por causa desse impasse, ações judiciais de cobrança foram movidas pelas empresas.
Gabrielli é apontado no processo porque, segundo o TCU, aprovou a contratação da Odebrecht em licitação que restringia a competição com outras empresas, além de não possuir processo básico adequado em outras irregularidades. As mesmas improbidades deverão ser explicadas pela ex-presidente Graça Foster. O TCU deu prazo de 15 dias para as defesas.
“Todos esses fatos me levam a crer que as decisões relacionadas a tal contratação unificada, com prazo exíguo, precárias condições de divulgação e sem projetos adequadamente esquadrinhados, limitaram a competitividade da licitação e podem ter afastado o interesse de outro competidores”, afirmou Vital do Rêgo em seu voto.
José Sergio Gabrieli e Graça Foster negam ter cometido irregularidades em suas gestões no comando da Petrobras.
Governo
O governo da presidente Dilma Rousseff deflagrou uma operação para blindar autoridades que estão na linha de tiro do Tribunal de Contas da União (TCU). O Executivo quer evitar que o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e autoridades como presidentes da Petrobras, Aldemir Bendine, e do BNDES, Luciano Coutinho, sejam multados e responsabilizados pelas pedaladas fiscais praticadas no ano passado.
O risco de responsabilização de autoridades-chave da atual gestão aumentou após a decisão do TCU que recomendou, no mês passado, a reprovação das contas de Dilma de 2014 de forma unânime. A avaliação no governo é que, como a decisão do TCU sobre as contas da petista teria sido política, o processo que responsabiliza as autoridades – nas mãos do ministro José Múcio Monteiro – possa ter o mesmo desfecho.
Prazo
O governo optou nesta quarta-feira, 4, por abrir mão do prazo de 45 dias concedido pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e levar pelas mãos do ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, e do advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, a defesa prévia das contas de 2014 que foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
No documento, foi apontado pela primeira vez o extrato da dívida com as pedaladas. A conta mostra um débito de R$ 22,438 bilhões com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); R$ 20,737 bilhões com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); R$ 12,329 bilhões com o Banco do Brasil e R$ 1 509 bilhão com a Caixa Econômica Federal. A dívida somada das pedaladas chega a R$ 57 bilhões.
A entrega do documento voltou a gerar divergências entre os articuladores do governo no Congresso. Enquanto lideranças na Câmara garantem tranquilidade no julgamento que será feito primeiro pela Comissão de Orçamento, no Senado apontam instabilidade na base de apoio ao governo e temem que as contas de 2014 sejam reprovadas novamente.
Na entrega do documento, Wagner mostrou confiança em uma reversão do julgamento do TCU. Afirmou que não seria “nada anormal” se as contas fossem aprovadas pelo Congresso. “O governo está tranquilo quanto à análise técnica e a consequente aprovação das contas”, disse o líder do governo na Comissão de Orçamento, Paulo Pimenta (PT-RS).
Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo ontem, senadores apontaram a decisão de entregar a defesa e acelerar o processo de apreciação das contas como “arriscada”. A proposta era que se aguardasse, até 17 de novembro, pela próxima sessão do Congresso em que seria possível ter um termômetro da fidelidade dos deputados na Câmara.
A decisão ainda causou mal-estar com Renan, que se sentiu desautorizado ao ter de ceder às pressões da presidente da Comissão de Orçamento, Rose de Freitas (PMDB-ES), e entregar o processo antes do prazo que ele mesmo havia garantido.
A Comissão de Orçamento é mista e conta com 31 deputados e 10 senadores titulares. Oficialmente, o bloco de apoio ao governo conta com 10 deputados do PT, PSD, PR, PROS e PC do B, além de dois senadores do PT e PDT. Soma-se a isso um possível apoio do PMDB, que possui sete parlamentares.
Antes que a proposta siga para votação, o relator Acir Gurgacz (PDT-RO) terá prazo de 40 dias para divulgar seu parecer. Outros 30 dias adicionais são dedicados à sugestão e à apreciação de emendas. A presidente da Comissão, entretanto, está determinada a encurtar ao máximo os prazos. Ontem, Rose disse que parte da votação do TCU foi política. “Uma parte do relatório do TCU foi política. Houve uma votação rápida com o relator, sem nenhuma explicação ou declaração de votos, sem nada”, afirmou.
Para a senadora, os ministros do TCU deveriam ter “se debruçado” sobre todos os itens que estavam sendo apreciados e oferecer relatório sobre cada um deles. Rose acusou o TCU de corporativismo. “A partir do momento em que o governo quis tirar o relator, ou colocá-lo sob suspensão, houve uma atitude corporativa, que ninguém desconhece”, argumentou Rose. A senadora se refere à tentativa do governo de afastar o relator do processo no TCU, ministro Augusto Nardes, por manifestar opinião e supostamente antecipar em público o voto antes da sessão oficial. O pedido, entretanto, não foi acolhido pelo TCU. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
(Estadão Conteúdo/ATUAL)