Por Rosiene Carvalho, especial para o AMAZONAS ATUAL
MANAUS – Os advogados Yuri Dantas Barroso e Maria Benigno, que atuam na defesa do mandato do governador José Melo (Pros) e vice-governador Henrique Oliveira (SDD), disseram estar confiantes na permanência de seus clientes nos cargos. Os advogados apontam que o convencimento deles tem como base a jurisprudência da Justiça Eleitoral e a fragilidade dos argumentos levantados pela equipe jurídica de Eduardo Braga (PMDB), autor do pedido de cassação. Braga pediu, nessa segunda-feira, 21, que o TRE-AM (Tribunal Regional Eleitoral do Amazonas) execute a decisão que cassou Melo e Henrique, afastando-os do cargo e empossado ele e Rebecca Garcia (PP).
Para Yuri Dantas, os argumentos dos advogados de Braga apresentados à imprensa dificilmente se sustentam nos tribunais eleitorais considerando decisões anteriores do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e de outros tribunais regionais. “Se o pedido for deferido nessas bases, com todo respeito, a decisão será ainda mais questionável”, afirmou Yuri Dantas.
No recurso apresentado contra a decisão de cassação, a defesa de Melo pede que seja aplicado efeito suspensivo ao acórdão. Além disso, os advogados do governador apontam cerceamento de defesa e uso de provas ilegais para cassá-lo, e pedem que o TSE reforme a decisão ou determine novo julgamento no TRE-AM, com exclusão de questões que consideraram irregulares no processo.
“Falta argumento jurídico”
Para Maria Benigno, a base do pedido de execução da decisão do TRE-AM indica a falta de argumentos jurídicos para tirar Melo e Henrique do poder e conduzir Eduardo Braga ao governo neste momento do processo. “A maior prova de que eles não têm amparo jurídico é tentar trazer um fundamento que não se sustenta”, declarou Benigno.
Ambos os advogados esclareceram que suas opiniões tem como base declarações e informações fornecidas pelos advogados de Braga à imprensa, porque não tiveram acesso ao pedido de execução que aguarda despacho da presidente do TRE-AM, Socorro Guedes. A reportagem também teve acesso negado pela magistrada ao teor do pedido de execução.
O pedido foi protocolizado na tarde da segunda-feira, 21, pelo advogado que representa Eduardo Braga no processo e ex-presidente nacional da OAB Marcus Vinícius Coelho. Na sequência da protocolização do pedido, Vinícius se reuniu a portas fechadas com a presidente do TRE-AM por mais de meia hora. Socorro Guedes e o advogado evitaram contato com a imprensa após a audiência.
Os dois argumentos jurídicos apresentados por Braga para tirar Melo do governo imediatamente e assumir o comando é baseado no princípio constitucional da anualidade, que impede qualquer norma referente ao processo eleitoral de ser aplicada sem que a mesma tenha sido publicada um ano antes. Este argumento tenta derrubar a alteração no Código Eleitoral, que confere efeito suspensivo automático a qualquer decisão que implique em perda de mandato, sem trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso de uma sentença). A alteração foi feita em 2015, um ano após a eleição. No entanto, antes do julgamento do caso.
Yuri Dantas e Maria Benigno sustentam o mesmo argumento apresentado pelo ex-ministro do TSE, Marcelo Ribeiro, um dos sete advogados de Brasília contratados por Melo para defendê-lo da perda do mandato: a alteração relacionada ao efeito suspensivo nos recursos é de natureza processual e não tem qualquer ligação com normas eleitorais. Portanto, deve ser aplicada sem considerar as regras de anualidade.
“As regras processuais são imunizadas do princípio da anualidade. Foi esse o entendimento do STF, por exemplo, na Lei da Ficha Limpa. O efeito suspensivo é perfeitamente aplicável ao caso dos autos”, afirmou Yuri Dantas.
“Não é lei complementar”
Segundo argumento usado por Eduardo Braga para tomar posse como governador do Amazonas é que a reforma do Código Eleitoral, lei complementar, foi feita por meio de uma lei ordinária, a Lei n° 13.165, de 29 de setembro de 2015. Para os advogados de Braga, a alteração fere a hierarquia entre as leis porque uma lei ordinária não pode alterar uma complementar.
Assim como, uma lei complementar não pode alterar o texto constitucional. A lei ordinária, para ser aprovada, precisa de maioria simples nas casas legislativas. Já uma lei complementar precisa de maioria absoluta. A Lei 13.165, além do Código Eleitoral, também alterou os textos das Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, conhecida como Lei das Eleições; e a Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, a Lei dos Partidos Políticos.
Yuri Dantas afirma que os tribunais superiores já têm fartas decisões em relação a questionamentos dessa natureza. “Não há cabimento em dizer que essa reforma precisava ser feita por meio de lei complementar. O Código Eleitoral só é considerado como Lei Complementar no trecho que trata sobre a organização da Justiça Eleitoral e a competência dos juízes eleitorais. Há dezenas de precedentes a esse respeito. Isso é velho. Já tem decisões do STF (Supremo Tribunal Federal) neste sentido”, disse Yuri.
Além disso, o advogado Yuri Dantas afirma que o artigo 97 da Constituição Federal impede Socorro Guedes de decidir sozinha qualquer questão que indique inconstitucionalidade. A desembargadora teria que levar o caso ao pleno do TRE-AM se fosse considerar esse argumento. O artigo 97 determina: “Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.
Maria Benigno explica que não há dúvida entre advogados que atuam na área eleitoral de que o Código Eleitoral é um lei ordinária com status de lei complementar. “Se eles fundamentaram o pedido só nisso é um argumento muito frágil porque o Código Eleitoral é uma lei ordinária com status de Lei Complementar. Quando essa lei entrou em vigor em 1975, a legislação não exigia que apenas leis complementares tratassem sobre da organização e competência dos tribunais. Foi a Constituição de 1988 que trouxe essa definição. Aí, nesse ponto que trata sobre a competência e organização dos tribunais, ela foi tratada como complementar. Só nesse ponto”, declarou.
Benigno cita como exemplo a Lei das Eleições 9.504, de 1997. “É o mesmo caso. É uma lei ordinária que a alterou o Código Eleitoral, apesar do status de complementar no que diz respeito à organização e competência dos tribunais, e no entanto está em vigor há 19 anos (…) É a maior prova que eles não têm amparo jurídico: tentar trazer um fundamento que não se sustenta”, afirmou a advogada.
Advogado sem vasta experiência no eleitoral
Outra sinalização de que a estratégia escolhida pela equipe jurídica de Eduardo Braga está ciente da falta de argumentos jurídicos na legislação eleitoral foi a escolha do advogado para apresentar o pedido de execução: Marcus Vinícius Coelho ao invés de Daniel Nogueira ou Gustavo Severo.
Severo, que no processo representa Rebecca Garcia, tem mais experiência em direito eleitoral que Vinícius Coelho, tanto que atua no TSE na defesa da presidente Dilma Rousseff (PT) no caso em que o PSDB pede sua cassação. Em várias ocasiões, advogados que atuam no TSE recorrem à jurisprudência do TSE para manter seus clientes cassados no cargo.
Advogados da área jurídica e ex-membros do TRE-AM, ouvidos pela reportagem do AMAZONAS ATUAL, consideraram a peça do advogado Daniel Nogueira melhor que o do escritório de Vinícius Coelho nos embargos encaminhados ao TRE-AM. Nogueira é o advogado do Amazonas que representa a coligação no caso.
O pedido com base em argumentos que podem ser frágeis traria menos prejuízo à imagem de um advogado que não atua com exclusividade na área eleitoral, como Vinícius Coelho, do que a advogados exclusivos do eleitoral, como é o caso de Severo e Nogueira.
Expectativa por decisão
Apesar da segurança dos advogados, os aliados políticos do governador José Melo estão tensos quanto à decisão que pode sair das mãos da presidente do TRE-AM Socorro Guedes. A segunda e terça-feira foram de muitas idas, vindas e telefonemas ao tribunal. No entanto, a assessoria jurídica do gabinete da presidência informou que nenhuma decisão deveria ser tomada antes da próxima segunda-feira, 28. Isso porque nesta quarta-feira inicia recesso de feriado da Semana Santa no TRE-AM, e o tribunal, há cerca de um ano, não conta com plantão.
A assessoria afirmou que, como os pedidos de Melo e Braga são contrários um ao outro e se referem ao mesmo assunto (um quer permanecer e o outro quer assumir o cargo de governador), a desembargadora deve proferir numa só decisão a resposta aos dois lados. O processo envolve sete recursos e um pedido de execução. Os recursos foram apresentados por Melo, Henrique, Solidariedade (partido de Henrique), por dois militares, pelo ex-secretário de Segurança Pública, Vital Melo, e por Nair Blair, apontada como operadora do esquema de compra de votos. Na terça-feira, nem todos os recursos haviam sido anexados ao processo principal.
Só após essa anexação é que o caso vai para as mãos de Socorro Guedes. Depois disso, para dar uma só decisão ao caso, a desembargadora determinará à Secretaria Judiciária publicação no Diário Oficial Eletrônico para que os advogados de Braga apresentem contra-razões ao recurso de José Melo. Haverá o prazo de três dias para que eles se manifestem e, só depois, Socorro Guedes vai dar sua decisão.
O pedido de execução apresentado por Braga não precisa seguir todo esse trâmite. No entanto, a decisão da magistrada de dar sentença única para todos os pedidos vai impor o mesmo prazo a Braga.