Acompanhei, na semana passada, o julgamento de um candidato a deputado estadual no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amazonas, que tenta se livrar da Lei da Ficha Limpa e conseguir o registro de candidatura. O julgamento não foi concluído por um pedido de vista. Mas os argumentos utilizados pelo juiz relator jogava por terra a essência da legislação criada para barrar os “fichas sujas” da política.
Sempre defendi um princípio segundo o qual em um país com população melhor instruída tal lei não seria necessária. O eleitor poderia filtrar os candidatos, separar o joio do trigo sem a necessidade da Justiça, que em última instância é quem interpreta e decide sobre o que determina a lei. E é aí que a coisa se complica. Quando chega ao Judiciário, nunca se sabe o que vai acontecer. Ou sabe-se, antecipadamente, pela lógica da Justiça brasileira, que não vai dar em nada.
Foi o que se desenhou no julgamento inacabado. O candidato em questão tem duas pendências judicias e duas condenações em órgãos colegiados, uma na Justiça Eleitoral e outra no Tribunal de Contas do Estado. Em ambos os casos, ele recorreu da sentença e o recurso ainda não foi julgado. Por conta desse detalhe, os julgadores do tribunal defendiam, durante a referida sessão, que não poderiam condenar o candidato com rejeição do registro de candidatura porque os casos não foram transitados em julgado.
Ora, ora! A Lei da Ficha Limpa foi criada justamente para barrar aqueles que protelam as decisões judiciais ad aeternum para se livrar da Justiça Eleitoral e, elegendo-se, garantir o julgamento em foro por prerrogativa de função. A Lei da Ficha Limpa estabeleceu que basta condenação por um colegiado para o candidato estar impedido de disputar o pleito. A alegada inconstitucionalidade da matéria foi amplamente discutida e decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Não há inconstitucionalidade na lei.
No entanto, os julgadores da Justiça Eleitoral buscam, não se sabe por quais razões, brechas para livrar do alcance da lei alguns políticos com a ficha suja. A Lei da Ficha Limpa é “relativizada”, de acordo com a cara do freguês. O Ministério Público, fiscal da lei, tem uma longa lista de casos que resultaram em frustração para quem defende a aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa.
Não se trata, como querem fazer crer alguns, de condenar o político antes do julgamento em processos de corrupção, mas apenas de suspender o direito de ele se candidatar a representante do povo enquanto estiver sub suspeição. Na verdade, o que todo político ficha suja deveria fazer era, primeiro, provar sua inocência e, só depois, se apresentar ao eleitor como alternativa numa eleição. O que se vê é exatamente o contrário: os fichas sujas indo às últimas consequências para manter-se na ciranda da corrupção que se tornou a administração pública brasileira.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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