
Por Alessandra Taveira, Da Redação
MANAUS – A pandemia do novo coronavírus forçou uma mudança profissional na educação. Os professores foram obrigados a incorporar a tecnologia da informação como ferramenta de trabalho. No Amazonas, a mudança de hábito gerou um desafio: ensinar remotamente em um estado onde mais da metade dos estudantes de escola pública não tem acesso à internet.
Para alguns, a solução foi se adaptar à linguagem dos youtubers e produzir a própria aula virtual. É o caso do professor Dheimison Airton, 30, que ensina matemática em duas escolas da rede pública estadual para dois diferentes perfis de estudantes na zona leste da cidade: para adolescentes do 6º ao 9º ano e para adultos do EJA (Educação de Jovens e Adultos).
“As realidades dos meus alunos vão de 8 a 80 a cada diálogo. Se na Integral já tenho desafios homéricos, imagina em uma escola regular dedicada à Educação de Jovens e Adultos”, diz o professor.
Em um vídeo publicado às 19h da última segunda-feira, 12, na sua conta pessoal no Instagram, Dheimison Airton usa a descontração e a desenvoltura para tornar fácil o que muito jovens consideram difícil: gostar de matemática. “Dizer que a matemática é para poucos é uma crença limitante que acaba com o ensino da matemática no país”, é o que diz DH (como é carinhosamente apelidado) em um trecho do vídeo. Assista.
O vídeo alcançou 900 visualizações e 42 comentários no Instagram, um aparente sucesso entre os estudantes. “É a primeira vez que uso minha área para abrir um debate. Tenho muito cuidado na produção e isso exige um tempo que talvez seja retirado de outra coisa que tem mais importância naquele momento, como o atendimento aos alunos nesse período remoto. Gravar, cortar, juntar tudo, legendar para ser acessível… Tudo isso demanda concentração e tempo”, disse DH.
Educação midiática
Apropriar-se de técnicas comunicacionais para ensinar ou facilitar o conhecimento tem um nome: educação midiática, cujos pilares podem ser encontrados na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e ajudam no desenvolvimento completo dos estudantes na era digital. A abordagem de DH é baseada nesse formato.
Para Mariana Filizola, mestre em mídias digitais e educação pela UCL (University College London), educação midiática é “o processo de ensino e aprendizagem sobre a mídia, que tem como objetivo a literação midiática, ou alfabetização midiática”, explica. “Assim como tem alfabetização básica para aprender a ler e escrever, a educação midiática tem como propósito possibilitar essa alfabetização em relação à mídia, e pode se relacionar ao uso das mídias enquanto tecnologia na educação ou à análise crítica da mídia”, complementa.
“A implementação dessas práticas nas escolas, especialmente da educação midiática crítica, pode ser empregada de forma transdisciplinar como parte do currículo de disciplinas como Língua Portuguesa e História, por exemplo, ou como parte de projetos e disciplinas especiais, como ocorre em países como a Inglaterra e a Finlândia, referências no tema”, diz Mariana.
Pela falta de estrutura escolar e de capacitação de professores, aplicar essas estratégias pedagógicas é um desafio no Amazonas. “Descobri que por mais que haja diretrizes sobre o tema na BNCC, falta suporte estrutural, mais especialmente teórico, para os professores desenvolverem isso em sala de aula. Muitos até já desenvolvem atividades de educação midiática sem essa denominação e sem saber que existe um amparo na Base e uma recomendação para que isso seja desenvolvido”, explica Filizola.

“Em termos de educação midiática voltada para análise crítica, acompanhei alguns professores de escolas públicas que desenvolveram atividades nas disciplinas de Educação Religiosa e Língua Portuguesa, por exemplo, a partir de notícias do caso George Floyd ano passado, para desenvolver atividades sobre Direitos Humanos”, comenta a especialista. “É muito mais uma questão de formação teórica dos professores e amparo a eles no desenvolvimento das atividades do que a necessidade de uma estrutura digital”, complementa.
Recorrer às mídias sociais é uma alternativa para facilitar o acesso ao conteúdo das escolas, mas prover isso em uma região ainda sem conectividade retarda o processo, segundo Mariana. “Enquanto países desenvolvidos partem da premissa de que gadgets digitais e acesso à internet fazem parte da rotina dos estudantes, no Brasil, e especialmente aqui na nossa região, é preciso dar um passo atrás antes de pensarmos em desenvolver práticas de mídia e educação”, diz.
De acordo com a pesquisadora, só “assumindo essa responsabilidade coletiva entre professores, pais, escola e imprensa que formaremos cidadãos críticos capazes de analisar informações com objetividade, entendendo os vieses, tirando suas próprias conclusões”.
Cor e sabor
A professora Isabella Pacheco, 34, trabalha para a rede municipal de ensino em duas escolas da zona norte: a Escola Municipal Denival Leite Junior, com crianças da educação infantil, e na Escola Municipal Carmem Guimarães Hagge, onde leciona para no ensino fundamental. Sem muitos recursos e conhecimentos técnicos mais avançados de edição de vídeo, Isabella aposta no lúdico, nas cores e nos sons.
“No início, eu gravava umas dez ou até mais vezes para chegar no produto final que mais me agradava e, assim, poder enviar aos alunos. Eu me maquio, arrumo o cenário e aproveito o momento em que estou só em casa para obter melhores resultados”, explica a professora.
A prática levou ao aprimoramento do trabalho. “Com o passar do tempo, isso foi se tornando mais natural e espontâneo. Fui descobrindo novas ferramentas para uma edição mais elaborada, o que exigia que eu não me preocupasse em montar cenário e outros detalhes que antes me tomavam mais tempo”, relata.
Isabella diz que a recompensa está na troca de mensagens com os pais e alunos. “Toda forma de ensinar é válida, mas algumas não chegam e nem nunca vão chegar a determinados tipos de alunos. Inovar, ser criativo e ensinar com amor é sempre o melhor resultado para uma aprendizagem significativa, e as técnicas de dramatização de um modo geral, seja por uma fala bem expressiva na aplicação da aula, já traz uma atratividade notória”, comenta. “Essas videoaulas atraem até aquelas crianças que a família é mais distante”.

Nesses casos em que a produção provém apenas da criatividade, professores carecem de preparo, formação, recursos e teoria para otimizar um tempo que poderia ser direcionado aos estudantes. “Faltam subsídios, sim, mas se eu esperar o momento ideal e os materiais que eu gostaria de utilizar, o mundo teria uma professora a menos nessa jornada”, comenta Isabella. “Reclamar não me renderia nada de positivo, somente desmotivação a mim e, consequentemente, aos meus alunos”, finaliza.
A resposta dos estudantes à essa metodologia chega imediatamente. Em poucos minutos, o professor Dheimison Airton viu sua dm (direct message) encher de mensagens com feedbacks positivos. Ele atribui o sucesso da publicação à sua linguagem e preocupação em abordar a matemática nas aulas.
“A minha aula em sala não é muito diferente da minha abordagem digital. O acolhimento, o cuidado em estar presente, a motivação de enxergar no erro o caminho e a postura de afetividade são coisas que já nasceram com o professor que me tornei a adentrar a escola pela primeira vez, só fui evoluindo e aprendendo como, onde, quando e com quem intervir. É cansativo, mas tem rendido bons frutos e não tenho tantas reclamações dos meus gestores”, disse.
Leia mensagens dos alunos.


