Por Felipe Campinas, da Redação
MANAUS – O presidente da Amazon (Associação dos Magistrados do Amazonas), Cássio Borges, afirmou na tarde desta segunda-feira, 1°, que “estudos de várias gestões” anteriores à do ex-presidente do TJAM (Tribunal de Justiça do Amazonas) Flávio Pascarelli (2016-2018) indicaram a necessidade de “quase 50 vagas” para juízes no Amazonas. Mesmo assim, o Edital n° 1 – TJAM/2015 ofertou apenas 23 vagas, ou seja, metade do necessário.
“Não é verdade que o Tribunal tenha retardado concurso algum. Esse concurso foi estartado em 2015 e quando foi estartado nós tínhamos apenas 23 vagas. Entretanto, com o crescimento da Justiça, nós já tínhamos estudos de várias gestões que apontavam no sentido de que precisávamos criar mais cargos”, disse Cássio Borges.
“Não houve nenhuma irregularidade. Se você somar cinco [vagas] dos desembargadores que ascenderam, três vagas do Júri, duas vagas da VEP (Vara de Execuções Penais), quatro vagas da Central do Inquérito, mais doze dos auxiliares = 26, é natural que a gente chegasse a quase 50 vagas”, afirmou.
O concurso público do TJAM foi alvo de matéria jornalística divulgada nesta segunda-feira pelo site The Intercept, que afirma que sete famílias têm “grande influência para agregar parentes no TJAM“. Segundo o site, o Tribunal criou 12 vagas a mais para que os filhos da desembargadora Nélia Caminha, Igor e Yuri Caminha, e uma sobrinha do desembargador Lafayette Carneiro, Rebecca Vieira, se tornassem juízes no Amazonas.
De acordo com o presidente da Amazon, as 12 vagas não foram incluídas no Edital n° 1 – TJAM/2015 porque o Anteprojeto de Lei Complementar n° 08/2017 foi enviado à ALE (Assembleia Legislativa do Amazonas) apenas em junho de 2017, ou seja, um ano e sete meses após a publicação do edital. “Ninguém pode incluir no edital vaga que não está criada. Essa é a verdadeira e jurídica justificativa”, afirmou Borges.
Questionado sobre o motivo do anteprojeto de lei não ter sido enviado antes da divulgação do edital, o magistrado respondeu: “Antes do edital? Por que ela [a lei] não foi criada antes? Porque o estudo não estava concluído”. A reportagem questionou: “O estudo foi concluído após a publicação do edital?” e o magistrado respondeu: “E qual o problema nisso?”.
Conforme Cássio Borges, as vagas para juízes do Amazonas são criadas na medida da necessidade do Poder Judiciário e as 12 vagas abertas na capital “não foram criadas para parente de A ou B”. “Vocês só se esqueceram de uma coisa. Por que tu não me pergunta, por exemplo, porque nós criamos as vagas antes do resultado final do concurso? Quando nós criamos as vagas o concurso não tinha acabado, não tinha filho de ninguém aprovado”, disse Borges.
De acordo com o Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos Universidade de Brasília), responsável pelo concurso, o resultado final do certame foi publicado no dia 25 de janeiro de 2017, cinco meses antes do TJAM enviar o anteprojeto de lei à ALE. Antes da publicação final, os candidatos já poderiam acompanhar os resultados parciais das cinco etapas (prova objetiva, prova discursiva, exames, prova oral e avaliação de títulos), que eram divulgadas no site do instituto.
Mandado de segurança
O resultado final divulgado em janeiro de 2017 apresentava Igor Caminha em 33º lugar, com 6.736 pontos, e Yuri Caminha na 47º posição, com 6.645 pontos. O resultado mudou com uma decisão proferida em um mandado de segurança ajuizado pelos irmãos Caminha na 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual no dia 10 de fevereiro de 2017, onde foi registrado com o número 0604205-42.2017.8.04.0001.
No processo, os irmãos contestavam a pontuação alcançada na última etapa do procedimento, que analisava os títulos dos candidatos. Segundo eles, o certificado de conclusão e aproveitamento do “curso preparatório para ingresso na carreira de magistratura” não foi aceito pela comissão do concurso porque não continha informações como duração do curso ou frequência maior que 75%.
O pedido de urgência para travar o concurso foi aceito no dia 13 de fevereiro de 2017 pelo juiz Márcio Rothier Pinheiro Torres, que determinou que a Corte não homologasse o certame até que o Cespe corrigisse as notas de Igor e Yuri e publicasse novo edital com a classificação dos candidatos corrigida.
No dia 10 de maio de 2017, no julgamento do mérito do pedido, o juiz Marcio Pinheiro confirmou a decisão tomada anteriormente e mandou a comissão do concurso validar os certificados dos irmãos Caminha. No mesmo dia, o Cespe publicou o Edital n° 26-TJAM, alterando a classificação de Yuri Caminha de 47º lugar para 43º e Igor Caminha de 33º lugar para 34º.
O Estado do Amazonas recorreu da decisão no dia 5 de outubro de 2017 e o recurso foi parar nas mãos da desembargadora Nélia Caminha, mãe dos irmãos Caminha. No entanto, a magistrada se declarou suspeita para julgar o caso, que foi às Câmaras Reunidas do TJAM no dia 31 de janeiro de 2018, onde os desembargadores, ao julgar o pedido dos filhos da colega de toga, decidiram rejeitar o recurso do Estado e manter a validação do certificado dos gêmeos.
Doze vagas
Enquanto o mandado de segurança dos irmãos Caminha tramitava na 4ª Vara da Fazenda Pública Estadual, em junho de 2017, o TJAM enviou o anteprojeto de Lei Complementar n° 08/2017 à ALE, que, conforme o Artigo 18, cria mais doze vagas para juízes de direito auxiliar de 2ª Entrância. O projeto foi aprovado pelos deputados e se tornou a Lei Complementar n° 178, de 13 de julho de 2017.
De acordo com o site The Intercept, a criação dos cargos foi para incluir a sobrinha do desembargador Lafayette Vieira, a juíza Rebecca Vieira, que atualmente responde pela Comarca de Pauni (a 929 quilômetros de Manaus). Conforme o Edital n° 27-TJAM, Rebecca ficou em 51º lugar na lista de classificados, mas, de acordo com o The Intercept, “cinco candidatos desistiram das vagas e, em janeiro de 2018, (…) o Tribunal nomeou ela e os irmãos Caminha.
Questionado pela reportagem sobre a necessidade do TJAM de promover estudo de vagas antes de publicar edital de concurso público, o presidente da Amazon, Cássio Borges, respondeu: “Quando se faz um concurso, tu tens vagas antes e tu publica no edital as vagas que existem no momento que tu faz o concurso”.
“Já havia uma lei prevendo a ascensão dos desembargadores e a criação das varas do Júri, mas as varas não estavam criadas na entrância inicial. Então, nesse momento nós só tínhamos 23 vagas”, afirmou Cássio Borges. Segundo ele, o número de vagas de juízes subiu para 47 no momento da investidura dos aprovados nos respectivos cargos. Mais cedo, o juiz havia afirmado que já havia estudo que indicava a necessidade de “quase 50 vagas” de juízes.
“Qual é a irregularidade nisso?”
Para Cássio Borges, a colocação de Rebecca Vieira em 51º lugar divulgada pelo site “é outra inverdade”. “Não é verdade. Ela foi a 47ª. E nós já chegamos ao 51º (aprovado). Então, qual é a irregularidade que há nisso? Nós estamos favorecendo quem quando estamos nomeando jovens que se esforçaram, estudaram e tiveram êxito no concurso público?”, questionou.
Cássio Borges disse que “é natural” o aumento do número de cargos do TJAM de 23 (conforme o edital) para 50 vagas e que o TJAM não chegou “a isso sem estudo orçamentário”. “Foi a gestão do desembargador Pascarelli que preencheu todas as comarcas do interior, e agora o desembargador Yedo preencheu mais quatro vagas tornando, de novo, as comarcas do interior todas providas”, disse o juiz.
O magistrado disse que a publicação do The Intercept é ofensiva aos colegas porque eles “tiveram sua imagem desgastada ilegitimamente”. “Eles se submeteram a um concurso que teve inscrições de gente de todo o Brasil feito por instituição de fora sem nenhuma ingerência nossa no resultado do concurso”, afirmou.
“Não nos procurou”
A repórter Nayara Felizardo, do The Intercept, afirmou que esteve durante quatro dias em Manaus para procurar dados para a reportagem. Apesar de não ter divulgado o mês em que esteve em Manaus, o presidente da Amazon disse que “ela passou quatro dias aqui no mês de abril e não nos procurou”. “Nós teríamos respostas efetivas para todas essas dúvidas que estão dizendo”, disse.
“Mexeu com um, mexeu com todos”
Cássio Borges afirmou que o alvo da reportagem são todos os magistrados do TJAM. Para ele, não há como segmentar. “Mexeu com um de nós, mexeu com todos. Não há como dizer que o alvo é grupo A ou grupo B, apanhamos todos nós”, afirmou o magistrado.
O representante dos juízes do Amazonas disse que “todo mundo na sociedade sabe” da proximidade dele com o desembargador Pascarelli, presidente do TJAM à época da nomeação dos juízes. “Se ele é alvo, eu sou alvo junto. Se há alguma irregularidade dessas 12 vagas que criamos por lei e criamos com pensamento, com estudo para que elas fossem criadas, eu teria participado da irregularidade junto porque a associação participou ativamente disto”, afirmou.
“Era um pleito da associação criar essas vagas porque quando veio a PEC da bengala, a possibilidade de termos colegas apodrecendo no interior era grande. Fora a situação que nós tínhamos em vários municípios de não haver juízes titulares há muitos anos”, disse Cássio Borges.
“Necessidades da Corte”
Em nota, o TJAM informou que o Edital n° 1 – TJAM previa que “o quantitativo poderá ser ampliado durante o prazo de validade do concurso, observadas a dotação orçamentária, a reserva de vagas e a necessidade do serviço”.
Ainda conforme o TJAM, o quantitativo de nomeados aumentou para “atender às necessidades da Corte, que precisava, principalmente, suprir o histórico déficit de juízes nas Comarcas do interior, bem como preencher as vagas decorrentes de aposentadorias, da promoção de juízes a desembargadores (o que cria vacâncias no quadro de juízes) e a criação de novas Varas na capital. Ainda conforme o TJ, o referido certame ainda está dentro de seu prazo de validade e a expectativa é de que sejam feitas novas nomeações.