A infraestrutura de transportes é anterior a atividade econômica. Esta premissa leva a muitas derivações, pois contraria o senso comum, prescritor da construção de infraestrutura onde há mais atividades econômicas, sendo este o discurso para priorização das regiões mais desenvolvidas em detrimento das regiões periféricas, que ficam condenadas ao subdesenvolvimento. O que há de prioritário para o Amazonas são as rodovias. Entretanto, o modal aquaviário é quase tão importante, para o desenvolvimento do estado, quanto o transporte rodoviário.
Não faltam motivadores para o modal aquaviário. Em minha opinião, o maior deles é a grande quantidade de cursos de água que existe na Bacia Amazônica, com rios que possuem profundidades expressivas e acessibilidade hidrográfica relativamente fácil para o Oceano Atlântico e possível para o Pacífico, por meio da multimodalidade e da superação dos Andes. É o modal dos sonhos sob o ponto de vista ambiental e permite acesso a praticamente todas as cidades mais importantes da região.
Há alguns pontos negativos, que fazem com que não seja o modal preferencial. Início com a falta de portos, pois na estrutura moderna portuária, há um expressivo investimento em ativos nas áreas de retroporto, onde se constroem estruturas compatíveis com o tipo de carga e movimentação portuária. Assim, um Terminal para Contêineres terá recursos bem diferentes de um porto para granéis sólidos (soja ou minério, que mesmo entre si possuem uma diferença substancial) ou granéis líquidos (como combustíveis). Outra questão, é que não havendo a atividade econômica expressiva, não haverá portos. Como exemplo, com toda a pujança das atividades econômicas de Manaus, não há mais um porto público, o acesso ao interior do estado é sofrível, em uma estrutura improvisada, há dois Terminais Privados para contêineres, mas não tem sido possível licenciar novos portos na cidade. Imaginar transporte hidroviário sem portos é impossível. Este é um dos motivos do interior do Amazonas ser tão isolado.
Para o transporte, são necessárias companhias de navegação, pois os usuários, de maneira geral, não terão as embarcações para se levar ou para transportar as suas cargas. Viabilizar o equilíbrio entre a oferta e a demanda necessitaria um volume de produção e de viagens elevados, que é o caso de Manaus, por conta das indústrias, mas certamente não é o caso do interior do estado. Então, imaginar um interior desenvolvidos com portos é uma impossibilidade e isso é uma parte quase total da explicação do baixo nível de desenvolvimento humano e econômico do interior do Amazonas.
Outra limitação do modal aquaviário é que é necessário transformar os rios da região em hidrovias, pois faltam sinalização e cartas náuticas atualizadas, como no Waze (no caso das rodovias), ou ainda o menor custo para a Praticagem, que agrava os custos do transporte de grande porte na região. Há também o problema de algumas áreas que não possuem o calado para a passagem de grandes embarcações e ainda existem as restrições do regime de vazantes/cheias, quando alguns rios se tornam não navegáveis ou apenas utilizáveis por embarcações de pequeno porte, inviabilizando atividades econômicas mais expressivas.
O positivo é fácil perceber: é a vocação da região. Há a possibilidade de implantação de um imenso polo naval, tendo atratividade para esta indústria com uma diversidade ampla de alternativas. Além disso, com o uso deste modal, o acesso ao estado fica muito mais restrito, o que é bom para redução dos riscos relativos ao meio ambiente. Entretanto, nada impede que este modal também seja o caminho para a destruição da floresta e poluição dos rios, com vazamentos de combustíveis e com embarcações de outras regiões do mundo que levem água da região e ainda coloquem em risco a natureza local, com a interação microbiológica e o enorme risco de contaminações propositais.
O investimento anual sistemático de 2,5% do PIB do estado em sua infraestrutura, utilizando-se das técnicas tradicionais de Planejamento dos Transportes haverá de definir as prioridades. Enquanto só houver conversa fiada ou afiada, os defensores do subdesenvolvimento e da manutenção da realidade e do status-quo seguirão a vencer, como têm vencido ao longo dos últimos anos, mantendo a condição pré-histórica do estado, onde ainda se param barcos em barrancos improvisados. Para os que não concordam com este cenário, será necessário encarar os riscos e as oportunidades associadas a infraestrutura, pois não há oportunidade de ganhos econômicos amplos sem a construção dos caminhos que levarão as produções sustentáveis para os consumidores.
O que precisa ser feito? Liberar novos portos em Manaus e no interior do estado. Destravar o projeto do Polo Naval, permitindo a presença ampla da indústria naval no estado. Construção de uma verdadeira estrutura de acesso ao interior do estado. Estruturação de tarifas e rotas para cargas e passageiros, acessando o interior do estado, em velocidades maiores, viabilizando integração com aeroportos no interior e com isso permitindo o turismo da floresta. O modal hidroviário só é viável quando complementado amplamente por outros modais, ou seja, com a presença de aeroportos, rodovias e outras soluções para o local onde o rio “vira” terra e o passageiro ou carga desembarcam.
A pergunta foi por que ainda é uma oportunidade, em razão de esta oportunidade ser secular e não realizada, tal como as demais oportunidades da região. Com respeito as outras prioridades para a infraestrutura de transporte no Amazonas, elas serão exploradas nos próximos artigos desta série, onde este é o terceiro texto.
Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.
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