Uma das enormes tragédias do pensamento ordinário de nosso tempo é não cavucar nem procurar reciclar o que entendemos por política. Como se esta se apresentasse de maneira monolítica, dogmática…
Evitamos por em questão os fundamentos de seu formato, sua premissas e sua origem. Aceitamos seu exercício sem desconstruir as distorções, a lógica da manipulação das consciências de seus atores. As notícias de cada dia trazem a todo instante a manifestação deste paradoxo das relações institucionais onde o novo – aquilo que poderia anunciar novas relações objetivas entre representes e representados – não emerge ainda e o velho paradigma apodreceu, em nome de objetivos sorrateiros.
No avanço da história do pensamento, sempre nos deparamos com genialidades que tentaram esboçar uma teoria que desse conta do funcionamento real do Estado, para elucidar as contradições se seu tempo. Mesmo dentro dos limites do conservadorismo ou da visão progressista aparecem aqueles que defendem a total presença estatal, e outros sua completa abstração. Uns que atribuíam a ele um papel de entidade teocrática, idealista, até aqueles que estipulavam sua extrema necessidade dada a violenta natureza humano.
O fato é que quase todos são a favor da presença, em algum grau, do estado. Seja para gerir a economia, aplicar políticas sociais, seja até para apenas garantir direitos fundamentos e privilégios. Para além dessa discussão, a presente reflexão tenta apontar não somente quem governa, mas sobretudo, para “quem” e para “que” governam.
A leitura liberal frequentemente falha em seu propósito pois não consegue exceder de sua já tradicional visão individualista dos processos. A leitura classista, isto é, aquela que identifica os interesses de classes em eternos conflitos com os interesses de outras classes. Este confronto pode talvez nos mostrar aspectos mais interessantes para essa reflexão.
A atual crise do capitalismo mundial que demonstra, por sua vez, a incapacidade dos Estados dos países mais ricos manterem a chamada social democracia – a melhor forma até hoje, de tentar agradar todas as classes sem supera-las – nos dá a oportunidade de questionar o que de fato é o Estado para além da maneira como comumente pensamos.
Pode-se ver que as disputas de poder – por mais verdadeiras e bem intencionadas que sejam – sempre estão, na formalidade política, operando o confronto ou a barganha, na definição de quem terá o encargo de gerenciar a máquina estatal. Com isso é extrema a dificuldade de vermos surgir um debate que contorne por uma outra via a questão de quem vai gerir pra quem.
As ilusões dos liberais continuam quando estes pregam um afastamento do Estado das relações capitalistas – priorizando o mercado como paradigma de decisões – como se estas tivessem um caráter natural e que, com intervenção estatal, estaria em risco a divinização deste paradigma. Não é, nem nunca foi, um cabo de guerra entre o Capitalismo e o Estado. Na verdade, um nasceu para o outro. Um não existe sem o outro.
Dessa suposta incompreensão, surgem as enormes falhas dos chamados governos de esquerda das últimas décadas.
Tentou-se por todo o mundo usar o Estado para sanar as graves demandas sociais que foram causadas por aquele mesmo sistema que financia e sustenta a possibilidade de haver um Estado, este é, o capitalismo. O estado não é neutro, nem está acima das contradições da sociedade. Ele pode tentar, ao máximo, agradar todas as classes, mas não sobreviverá sem a sustentação dos donos dos meios de produção.
Uma simples briga por mais direitos para os explorados sem superar positivamente a lógica que os explora é, no máximo, uma forma sofisticada de correr sem sair do lugar. Nisso consiste a maior forma de ilusão da ingênua esquerda contemporânea.
Nas crises frequentes do capitalismo, diante a primeira oportunidade os “direitos fundamentais” são varridos.
Se nossa chamada democracia representativa já se mostra essencialmente não popular, nosso tempo demonstra que cada vez mais o poder político se funde com o poder econômico.
Na charrete do capitalismo, portanto, o cavalo somos nós, sem bússola nem autonomia para trafegar.