A reação dos membros do Ministério Público do Estado do Amazonas à reportagem do ATUAL, manifestada em nota oficial da Procuradoria Geral de Justiça (não assinada, diga-se) era previsível. Procuradores e promotores desta instituição que constitucionalmente foi criada para ser o “fiscal da lei” estão acostumados com as manchetes que destacam seu prestimoso trabalho em benefício da sociedade. Por outro lado, reagem mais quando são incomodados do que quando estão diante de um malfeito praticado por uma autoridade. E quanto mais alto o degrau que essa autoridade está estacionada, menor a reação.
É exatamente desse comportamento que trata a reportagem contestada. Durante mais de dois anos o Ministério Público do Amazonas cozinhou em “banho-maria” denúncias como a contratação da empresa de Nair Blair para serviços na Copa do Mundo da Fifa ocorrida entre junho e julho de 2014 e as irregularidades apontadas por um secretário que conheceu por dentro os malfeitos na Secretaria de Estado de Infraestrutura, denunciou ao governador, foi ignorado e pediu para deixar o cargo.
Há muito se tem criticado (uma crítica rouca e inibida) a seletividade do Ministério Público em todo o Brasil dos assuntos investigados por promotores e procuradores que, por regra e por força da lei, têm autonomia para decidir e para apurar os fatos que lhes chegam ao conhecimento.
No Amazonas o “fenômeno da seletividade” vem de muito tempo. Para ficar em casos mais recentes, vide, por exemplo, as obras da Ponte Rio Negro e da Arena da Amazônia. No primeiro caso, o da ponte, cujo valor da obra saltou de R$ 574,8 milhões para R$ 1,09 bilhão, o MP-AM chegou a abrir um procedimento para investigar o derrame de dinheiro, mas depois de receber 22 caixas de documentos enviados pela secretaria de Estado responsável pela obra, nunca mais se ouviu falar no assunto. Em entrevista, em 2013, na TV Cultura, o então procurador-geral de Justiça, Francisco Cruz, chegou a dizer que o Ministério Público não dispunha de gente capacitada para mergulhar no fundo do rio para apurar os rumores de superfaturamento da Ponte Rio Negro.
No caso da Arena da Amazônia, o Ministério Público do Estado do Amazonas nunca investigou. As suspeitas de sobrepreço partiram do Ministério Público Federal, e foi o Tribunal de Contas da União que atestou em relatório aprovado em abril de 2012 que havia sobrepreço de R$ 86 milhões na obra do estádio da Copa. Mais recentemente, um dos executivos da construtora Andrade Gutierrez, em acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava Jato, afirmou ter pagado propina a dois ex-governadores do Amazonas pela obra, fato que também não mereceu qualquer investigação do Ministério Público do Estado.
Dos fatos narrados na reportagem do último domingo, no ATUAL, o próprio Ministério Público atesta que nenhuma das investigações foi concluída, apesar do tempo percorrido. No caso da empresa de Nair Blair, o Tribunal Regional Eleitoral já concluiu o julgamento de dois processos, um deles resultando na cassação do mandato do governador José Melo e do vice-governador Henrique Oliveira, que recorreram ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e aguardam julgamento. O Inquérito 1343, aberto em abriu de 2015, “continua em andamento e se encontra na fase de análise de documentos na 77a Promotoria Especializada de Proteção ao Patrimônio Público”, diz a nota da PGJ.
O Ministério Público também informa que a investigação das denúncias feitas por Gilberto Alves de Deus, ex-secretário da Seinfra, foi dividida entre os promotores das comarcas do interior onde há suspeitas de irregularidades e o Gaeco (Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado). “Os procedimentos estão em andamento e os membros atuam nos inquéritos com autonomia funcional e sem qualquer ‘pressão’, de quem quer que seja”, diz a nota. A pressão deveria ocorrer, ao menos, em função do tempo. Afinal, as denúncias vieram à tona em outubro de 2015. Um ano e três meses depois, o MP-AM informa que “os procedimentos estão em andamento”.
No caso da saúde, em setembro de 2016, o Ministério Público Federal, a Controladoria Geral da União e a Polícia Federal deflagraram a Operação Maus Caminhos, que prendeu uma quadrilha acusada de fraudar contratos para a gestão de hospitais na capital e no interior do Amazonas. Onde estava o Ministério Público do Estado? Por que não fez parte da operação? Por que não foi convidado para a investigação?
As ações do MP-AM relatadas na nota da Procuradoria Geral de Justiça na área da saúde não tem relação com investigação sobre corrupção. Foram ações para impedir a descontinuidade de serviços, o fechamento anunciado de unidades de saúde. Os contratos de uma ONG pra lá de suspeita, contratada para gerir o maior hospital da capital construído nos últimos anos, o Delphina Aziz, nunca incomodou os membros do Ministério Público do Amazonas. Foi preciso uma investigação no âmbito federal para acabar com a farra praticada por empresas contratadas sem licitação e que davam um rombo milionário aos cofres do Estado, enquanto o governo ameaçava fechar unidades de saúde.
Com muita competência, a repórter Rosiene Carvalho, que assina a matéria, lembra, que esses mesmos promotores e procuradores que fecharam os olhos para irregularidades recentes ou que sentam em cima de investigações que deveriam ser priorizadas, agora esperam ser o escolhido do governador José Melo para uma vaga de desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas. Ora, não se constrói uma candidatura dessas do dia para a noite, muito menos quando o eleitorado é, na verdade, um único eleitor.
Essa estratégia não é nova. Desde as primeiras organizações sociais, aqueles que agradam aos que comandam têm maiores chances de ocupar os cargos mais cobiçados. Ingenuidade seria pensar que ninguém estava pensando em ser escolhido para a vaga de desembargador desde que o processo começou, em 2013, quando a Assembleia Legislativa do Estado aprovou e o governador Omar Aziz sancionou a Lei Complementar 126/2013, criando sete vagas no Tribunal de Justiça do Amazonas.
Mas a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Amazonas preferiu vir a público “rechaçar a reportagem afrontosa publicada neste veículo de comunicação”. De acordo com a nota da PGJ, “a reportagem mostra a nítida intenção de atingir a imagem do Ministério Público do Estado do Amazonas e do procurador-geral de Justiça, Fábio Monteiro, perante a sociedade, usando argumentos falsos e deturpados”.
Contra fatos, não há argumentos, senhores promotores e procuradores. O que foi dito na reportagem é que houve parcimônia naquilo que deveria o MP-AM investigar no âmbito do governo do Estado, principalmente na atual gestão. Se isso vai ser determinante na escolha do novo desembargador a ser indicado por membros do Ministério Público, só o governador José Melo poderá dizer.
Valmir Lima é jornalista, graduado pela Ufam (Universidade Federal do Amazonas); mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (Ufam), com pesquisa sobre rádios comunitárias no Amazonas. Atuou como professor em cursos de Jornalismo na Ufam e em instituições de ensino superior em Manaus. Trabalhou como repórter nos jornais A Crítica e Diário do Amazonas e como editor de opinião e política no Diário do Amazonas. Fundador do site AMAZONAS ATUAL.
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Simples de resolver: é so remeter todas essas suspeitas ao Conselho Nacional do Ministério Público, para análise.