Por Alessandra Taveira, da Redação
MANAUS – Não estava nos planos de Gustavo Henrique, de 12 anos, voltar para a escola nesta segunda-feira (23), primeiro dia de aulas 100% presenciais da rede pública em Manaus. Embora matriculado, ele já não estava mais estudando com o mesmo afinco de antes da pandemia de Covid-19.
Ele não é um caso isolado. Essa é a realidade de 5 milhões de alunos entre 6 e 17 anos que abandonaram os estudos ou deixaram de frequentar a escola no primeiro ano de aulas remotas no Brasil. É o que mostra um estudo realizado em abril de 2021 pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) com o Cenpec Educação.
“Ele sentia falta de acordar cedo, ir para a escola, interagir com os colegas e com o professor. Sentia falta da rotina”, disse a mãe, Cristina de Souza, de 34 anos. Seus outros dois filhos menores, de três anos e uma bebê de oito meses, ficam sob a responsabilidade de Gustavo enquanto ele está em casa. “Ele me ajuda e, por isso, ele quase não consegue se concentrar nas aulas. Na escola, pelo menos, ele desfoca de casa e foca no estudo, e o aprendizado dele é melhor”.
Dos 5 milhões de meninos e meninas fora da escola no país, 40% eram crianças de 6 a 10 anos, uma faixa etária considerada “universalizada” na educação antes da pandemia. No Amazonas, a realidade é de 300.044 crianças e adolescentes fora da escola no primeiro ano de aulas remotas na pandemia, em 2020, o que corresponde a 32% do total dessa população no estado (936.243).
“Aí ele acorda e olha para dentro de casa… Nas aulas em casa, ele não tem como discutir com o professor, não tem esse vai e vem, essa troca. O Gustavo é muito comunicativo e gosta de responder aos questionamentos do professor, gosta de participar”, disse Cristina.
A falta de rotina para estudar e o método empregado pelos professores nas transmissões das aulas foram decisivos para que o primogênito levasse os estudos com negligência. “Ele ficou desmotivado, mas não chegou a desistir. Só tinha uns momentos assim, de apatia”, revela a mãe de Gustavo.
Pais ausentes e acesso à internet
São inúmeros os motivos para esse afastamento. “Não é só pela desmotivação, mas também pela falta de acesso, de conectividade, de assistência dos pais e condições financeiras para se manter presente nas aulas à distância”, explica a pedagoga Mônica Augusto, que leciona em duas escolas da rede pública de Manaus.
Na rede estadual de ensino, 7.065 alunos (incluindo os de nível fundamental e médio) abandonaram a escola no primeiro ano de pandemia. A Seduc (Secretaria de Estado de Educação) informou que atualmente 441.585 estudantes estão matriculados na rede pública e seguem ativos no sistema.
De forma discriminada, de acordo com o Censo Escolar de 2020, nos anos iniciais do ensino fundamental 0,7% (3.091) dos alunos abandonaram a rede pública estadual; 0,8% (3.532) estão no ano final do fundamental e 0,1% (441) largaram o ensino médio.
A realidade na rede municipal de ensino é semelhante. No ano passado, 0,2% dos alunos matriculados foram reprovados e 0,1% abandonaram a escola. De acordo com a Semed (Secretaria Municipal de Educação), foram identificados 3.702 alunos de 109 escolas, entre educação infantil e fundamental, em situação de evasão escolar, dos quais 1.760 crianças e adolescentes foram resgatados e retomaram os estudos.
Prejuízo econômico
Há implicações econômicas na perda de crianças e jovens na escola. A cada jovem que não conclui a educação básica, o país perde R$ 395 mil anualmente, totalizando R$ 214 bilhões, ou 3% do PIB anual, segundo o estudo “Consequências da Violação do Direito à Educação”, de julho de 2020, parceria da Fundação Roberto Marinho com o Insper.
O custo de oferecer toda a educação básica (pré-escola, fundamental e médio) é da ordem de R$ 90 mil por estudante ao ano, ou seja, o custo da evasão por jovem supera quatro vezes o que custa para garantir a sua educação básica.
A não conclusão da educação básica ocasiona uma perda de 3,3 anos de vida saudável, fazendo com que o valor da vida do jovem aos 25 anos seja R$ 131 mil menor do que seria caso concluísse a educação média, conforme o estudo.
Assim como Gustavo Henrique, outros estudantes da rede pública tiveram dificuldades para se adaptar ao ritmo do “Aula em Casa”, programa educacional instituído pelo Governo do Amazonas, adotado pelo município, como alternativa à lacuna deixada pela pandemia na ausência de alunos em sala de aula.
Professores tiveram que aderir aos recursos tecnológicos, criando salas virtuais e grupos em chat de aplicativos e fazendo a frequência dos alunos por formulário on-line. Ferramentas nunca antes utilizadas nas aulas passaram a fazer parte da rotina dos profissionais em educação que, por 1 ano e 5 meses, trabalharam de casa.
“Eu tenho 15 alunos em uma escola (municipal) e 21 em outra (estadual), nem todos participam desde o início do ano. Essa participação oscila muito. Os que não participavam antes, no ensino remoto, estão indo agora às aulas presenciais híbridas”, disse Mônica Augusto.
A professora está otimista com o retorno das aulas normais. “A escola é esse ambiente de socialização, é importante que a criança, por estar ainda desenvolvendo seu cognitivo, esteja em contato com outras da sua faixa-etária e que tenha um acompanhamento profissional. Os pais nem sempre têm esse preparo, paciência e didática que nós, professores, estudamos para ter”.
“O aluno não consegue separar a casa da aula. Na cabeça da criança, estudar é uma atividade para se realizar somente na escola. O ambiente escolar é outro, é isso que a criança associa. A falta de uma rotina de estudos em casa e de imposição da família atrapalha e, naturalmente, desestimula o aluno”, explica a pedagoga.
Ensinar remotamente em um estado onde mais da metade dos estudantes de escola pública não tem acesso à internet se tornou um desafio.
Segundo Mônica, a presença da família é importante. Nos seus dias de aula em casa, ela conta que percebeu que nem todos os alunos recebiam algum incentivo dos pais ou responsáveis.
“Muitos alunos não tinham acesso à internet, não tinham celular ou o aparelho que eles tinham era da mãe ou do pai. Durante as aulas, os pais estavam no trabalho e quando chegavam em casa, cansados, estressados, não iam ver reprise da aula. Cansei de ligar para os pais e eles responderem que estão no trabalho. Daí eu mandava a atividade para o celular do pai ou do responsável e quando eles chegavam em casa, teoricamente, eles explicavam o conteúdo para a criança”, disse.
Para os estudantes cujas famílias não conseguiam conexão ou acesso, a professora disponibilizou apostilas que ela mesma imprimia em casa e deixava na escola para a retirada dos alunos. “Era uma forma de não deixar o aluno de fora das aulas, de comprovar a participação dele e também para termos uma nota para aplicar”, relata a pedagoga.
De acordo com a Semed, em 2020 o MEC (Ministério da Educação) determinou que todos os alunos fossem aprovados ao fim do ano letivo. Essa comodidade retirou dos estudantes a ânsia pela busca de respostas, de conhecimento. A professora relata que desde o retorno das aulas, em maio, na modalidade “híbrida” – em que os alunos são divididos em grupos para não aglomerar em sala -, ela percebeu que uma “lacuna” no processo de aprendizagem foi aberta durante a pandemia e que as crianças voltaram “apáticas” para a escola.
“Eles estão mais frequentes, isso é fato, mas é diferente de estar motivado”, disse. “Eu chamo de ‘síndrome da pandemia’, porque eles estão meio perdidos, apáticos. (…) estamos tentando recuperar o que ficou. É difícil, é árduo porque a gente percebe que eles criaram um hábito de não pensar, de querer ter as respostas prontas”, disse Mônica.
Segundo ela, seus colegas professores de outras turmas e séries têm a mesma percepção sobre os discentes. “Essa é uma realidade nas duas escolas onde eu ministro aula e é uma reclamação comum. Os alunos estão parados, apáticos, parece que o tempo parou”.
A presença do professor é de possibilitar descobertas, aprendizado e não dar resposta pronta, “a gente facilita o acesso ao conhecimento”, diz. “Nas aulas em casa, eles já tinham a resposta, porque depois da explicação do professor, ao fim da aula, eles sabiam que viria o gabarito da atividade.”
A retomada das aulas presenciais representa, para a professora, uma possibilidade de se amenizar esse colapso no ensino da rede pública no Amazonas. Vai levar um tempo, segundo ela, mas é possível. “É uma questão de tempo, de readaptação. Eles passaram muito tempo fora da escola. Quando a gente volta de férias, a gente percebe uma dificuldade. Imagina passar mais de um ano em aula remota, que pra muitos nem tiveram acesso, é mais complicado ainda”.
Soluções paliativas
Estratégias têm sido usadas pelo Estado e pelo Município para conter a evasão escolar na volta às aulas presenciais. Para garantir que o maior número possível de alunos compareça, as gestões implementaram buscas para recuperar os que estão fora da escola.
As duas redes de ensino possuem programas nesse sentido, mas com nomes diferentes. A Semed trabalha com o “Tele Resgate”, que resgata os alunos “infrequentes”, e já recuperou 1.760 crianças e adolescentes.
Quando as unidades de ensino não conseguem nenhum tipo de contato com a família, a coordenação informa ao Cemasp (Centro Municipal de Atendimento Sociopsicopedagógico) para que uma equipe (com pedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, psicopedagogos e assistentes sociais) vá até a casa do aluno.
No retorno das atividades híbridas, em agosto do ano passado, a Seduc lançou o “Busca Ativa Escolar”, que faz contato com os alunos por telefone ou redes sociais e viabiliza maneiras para que eles acompanhem os conteúdos e participem das aulas.
Na última quinta-feira (19), todos os estudantes da rede estadual realizaram uma mobilização nas proximidades das escolas. Eles saíram em busca dos alunos faltosos e conscientizaram sobre o retorno às salas de aula.
Como solução às “lacunas” deixadas pelo ensino remoto, a Seduc implantou este ano o “Contraturno Digital” – um programa focado na transmissão de conteúdos que reforçam o que é passado na sala de aula. São disponibilizadas apostilas com atividades complementares e explicações extras dos professores pela TV e canais na internet.
Outros projetos como o “Educação Empreendedora”, o “Ponta na Língua” e “Da Escola para o Trabalho” oferecem aos estudantes noções de empreendimento, acesso a outros idiomas e estágios.
Retorno
Mesmo com a nova variante do coronavírus, a Delta, identificada no Amazonas na última semana, o Governo do Amazonas e a Prefeitura de Manaus mantiveram o retorno das aulas 100% presenciais nesta segunda.
Cerca de 426 mil alunos das escolas estaduais e municipais de Manaus retornam às escolas. A maioria das escolas da rede privada também retoma as aulas 100% presenciais nesta semana.
Na quinta-feira (19), a secretária de Educação Kuka Chaves se reuniu com gestores das escolas e coordenadores distritais para discutir a nova programação das aulas. “As escolas já tiveram uma grande preparação, elas estão preparadas. Precisamos fazer com que nosso aluno consiga recuperar (o aprendizado)”, disse.
A volta à sala de aula ocorre ao mesmo tempo em que a vacinação contra a Covid-19 avança em adolescentes de 12 a 17 anos. Até sábado (21), 131.421 pessoas desse grupo receberam a primeira dose na capital amazonense.
Na rede municipal, o retorno 100% presencial também ocorre nesta segunda, mas nem todas as escolas vão abrir os portões ainda. Conforme a Semed, algumas escolas estão sendo reformadas e, por isso, tiveram as atividades paralisadas por tempo indeterminado. Os estudantes matriculados nessas instituições seguirão em regime remoto.
O término do ano letivo de 2021 foi mantido para o dia 17 de dezembro.
Ainda não é o momento de termos o retorno das crianças nas aulas presenciais. Nossos governantes estão sendo mais uma vez irresponsáveis, tendo em vista que nem o período de quarentena esta sendo respeitado. Governo do Estado e de Manaus deveriam MANTER as aulas através do sistema EAD, pois a decisão totalmente autoritária poderá elevar ainda mais o índice de infecção deste vírus. O Pais devem ter seus DIREITOS respeitados como suas decisões. A quem interessa este retorno aonde temos uma nova variante dentro de nossa cidade???? Cadê o Ministério Público do Amazonas que não está participando deste processo???? Mais uma vez a população estará pagando uma conta muito caro por causa de pessoas maquiavélicas que estão no poder.