Por Iolanda Ventura, da Redação
MANAUS – Pais de estudantes da rede pública de ensino em Manaus afirmam que os filhos não estão aprendendo com vídeos repetidos das aulas on-line da Seduc (Secretaria de Educação do Amazonas). O ATUAL noticiou anteriormente reclamação de pais sobre o reaproveitamento de conteúdos e disciplinas aplicadas em séries trocadas.
A Seduc alegou que se tratam de revisões. Em nova consulta feita pelo ATUAL, os pais afirmam não terem sido avisados sobre isso.
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Ana Silva, 45, dona de casa, tem uma filha no 5º ano do ensino fundamental e diz que nunca recebeu avisos de que seriam repetidas aulas de 2020 como revisão. Questionada se a filha está aprendendo com os vídeos, ela nega. “Não consegue. Eu nem sabia que era revisão”, diz.
A mãe questiona a duração das aulas. “Eu tenho batido muito nessa tecla, que essa situação de aula on-line da Seduc e Semed não tem condições. As crianças não estão aprendendo. Elas ouvem a aula, elas não assistem. Porque você imagina, uma aula de matemática para uma criança de 5ª série do fundamental não é 30 minutos”, diz.
Ana afirma que após a aula, os professores enviam as atividades, mas não corrigem. “A gente resolve o exercício que a professora manda pelo grupo do WhatsApp e aí retornamos para o privado dela o exercício que a criança fez. Acontece que ela não corrige, ela resolve a atividade e retorna para os pais corrigirem o que as crianças fizeram”, diz.
A mãe diz que a filha está atrasada em relação aos alunos de colégios militares. “Uma criança que estuda pela Semed no 5º ano está tendo conteúdo de 3º ano da escola militar”, afirma. Ana relata não saber que critérios usam para aprovar os estudantes. “Simplesmente passaram todo mundo, porque eles não avaliaram o aprendizado da criança”, diz.
Ivanete Carvalho dos Santos, 61, dona de casa, acompanha as aulas dos netos e diz não ter sido avisada sobre a revisão também. “Tenho dois netos, um do 4° ano do ensino fundamental e outro do 1° ano do ensino médio. Não fomos informados sobre a revisão nem nada do tipo”, diz.
Ivanete afirma que as aulas duram de 30 a 40 minutos e passam tarefas referentes ao conteúdo, mas que os netos aprendem mais com o acompanhamento em casa. “Estão aprendendo pouca coisa pelas aulas, estão tendo dificuldades. Aprendem mais quando ensinamos pessoalmente”, diz.
Franciane de Souza Maciel, 41, é professora de educação infantil pela Semed (Secretaria Municipal de Educação). Ela afirma que tem uma sobrinha no colégio militar que está no 3º ano e recebe vídeos da 8ª série.
“Ela fica muito chateada porque está muito fora da série dela. Então que isso acontece, a gente sabe que acontece. Está havendo o aprendizado? Eu acredito que não. Eu acho assim, o que é que está acontecendo, está um jogo de faz de conta. Faz de conta que a gente está passando aula, faz de conta que os alunos estão aprendendo”, diz.
Franciane afirma que a repetição das aulas em si não é um problema, mas é preciso avaliar se os alunos estão aprendendo. “Que essas aulas realmente elas são reprisadas, são. É ruim? Não. Porque se o aluno está entrando esse ano ele tem que ver aula do ano anterior. Mas se eles estão na 4ª série e estão assistindo aulas da 3ª série eu acho que teria que ver aí se houve uma aprendizagem. Para estar sendo reprisada, eu te falo com toda a propriedade, que não está havendo aprendizagem”.
A docente relata que as pedagogas da rede municipal defendem que essa repetição é normal, o que segundo ela, não é garantia. “As pedagogas vão falar que são métodos padrão, que há sim uma aprendizagem, vão falar que é um método diferenciado, vão falar tudo de melhor. Porque jamais vão querer falar mal da secretaria, jamais vão querer perder o cargo delas, ou voltar para uma sala de aula. Porque a realidade de uma sala de aula só sabe quem está lá dentro”, diz.
Pais
Por outro lado, Franciane também cobra os responsáveis. Ela conta que poucos reclamam para ter uma aula de qualidade para os filhos. “A maioria só está preocupada em preencher o link de presença para garantir o seu bolsa-família e o seu bolsa cartão-merenda. Uma grande maioria, eu falo isso com convicção”.
A professora afirma que muitos não retornam os contatos que os docentes fazem. “Ano passado eu tinha alunos que estavam na Venezuela e de lá eles me mandavam a tarefa, porque ainda não tinham conseguido passar pela fronteira. E eu tinha alunos aqui em Manaus que não me mandavam uma evidência, uma foto de tarefa realizada”, diz.
“A gente ficava mandando mensagem para esses pais, eles nunca respondiam. E quando se colocou no grupo ‘precisamos que vá à escola os alunos para pegarem cartão-merenda’ ficou chovendo no grupo mensagens de pais”, relata.
Ana Silva exemplifica isso. “As pessoas que são da mesma escola dela (filha) e da mesma série eu vejo que são pessoas que não são críticas com relação a conteúdo programático da escola”, diz.
Franciane afirma que a criança acompanhada avança mais. “As aulas que são passadas na televisão nesse método aí da ‘Aula em Casa’, são no máximo 20 minutos. Em 20 minutos o aluno vai aprender? Não”, diz. “E o resto da tarde o que é que esse aluno vai fazer? Aí depende de a família estar do lado e acompanhar”.
Segundo a professora, uma série de problemas na pandemia impediu que os estudantes aprendessem. “O último dia que eu dei aula (presencial) foi 16 de março de 2020. De lá para cá, se você perguntar ‘houve um aprendizado da tua turma?’, eu te falo com todas as letras, não”, diz. “Eu sou uma excelente professora. Eu trabalho com educação infantil há mais de 15 anos. Só que infelizmente eu não consegui alcançar o que eu queria desde a pandemia para cá”.
Franciane afirma que os professores tentam manter o nível do ensino, mas muitos estão adoecendo com várias demandas. “Tem que fazer vídeo, mandar atividade, baixa um monte de programa para tentar fazer vídeo, filma isso aqui, faz cartaz dali”, diz.
“E agora com esse auxílio-conectividade é que eles vão cobrar ainda mais do professor mais exigência ainda. E o resultado eu não acredito que seja tudo isso que eles falam não”, afirma. Segundo a professora, os R$ 70 do auxílio não garantem boa internet. “A minha (internet) eu pago R$ 154 e ela é falha”, diz.
O professor da Semed Abel Bezerra dos Santos, 43, relata dificuldades no ensino provocadas pela pandemia que os professores tentam suprir na revisão este ano.
“A gente sabe que nem todo mundo foi alcançado porque a estrutura familiar, a questão de ter os recursos tecnológicos, o acesso à internet que muitas crianças não possuem, o acesso às aulas que passam pela TV quem nem em todo lugar o sinal chega”, relata.
Abel afirma que já houve erro na veiculação de aulas por conta da produtora responsável pelo serviço no Centro de Mídias da Seduc. “Lembrando que a estrutura é da Seduc. Se algum momento também, como eu já vi que aconteceu erro de por exemplo, uma aula de ciências que passou no 4º ano, essa mesma aula foi usada no 5º ano. Se repetiu a aula, mas a legenda estava dizendo que era do 5º ano. Nesse caso foi um erro de veiculação por conta da produtora”, diz.
Acompanhamento
Michelle Bissoli, 45, professora da Faced (Faculdade de Educação) da Ufam (Universidade Federal do Amazonas), afirma que revisar conteúdos do ano anterior no atual é válido. Mas explica que é necessário acompanhar o nível de desenvolvimento da criança, o que a simples repetição não garante.
“Repetir vídeos e justificar que está sendo feita uma revisão não procede. Como eles podem afirmar que as crianças aprenderam os conteúdos? Que medidas de avaliação formativa poderiam ser tomadas para o acompanhamento das crianças? Até quando essa revisão vai se estender? Como eles avaliam que esses conteúdos precisam ser revisados e não outros? Ou vão simplesmente repetir tudo?”, diz.
Michelle afirma que todos esses questionamentos devem ser respondidos e o contato com as famílias é importante. “A conversa com as famílias das crianças para informar sobre as revisões deveria ter sido realizada. Assim como deveria ter sido feita uma seleção de vídeos, evitando que, por exemplo, a questão do Natal fosse utilizada agora (em um dos vídeos repetidos a professora comenta sobre o natal)”, diz.
A professora reconhece que a pandemia e limitações do ensino on-line dificultam esse acompanhamento, tanto na rede pública como privada. Uma alternativa é promover o contato on-line ao vivo entre professor e estudante para melhorar a revisão. “Se a revisão inclui que o professor converse com a criança, perceba o nível em que a criança está, sim, ela pode ser até maior”, diz Michelle.
Darlisângela Monteiro, 44, pedagoga em escola da Semed, afirma que na unidade em que atua foram 18 dias letivos de aulas com atividades. Agora estão avaliando o nível de aprendizagem. “Preparamos avaliações e estamos na fase de verificação da aprendizagem, porém isso varia de escola para escola. Na que eu trabalho, orientei os professores a fazerem, assim, dinamizando o tempo e percebendo quem foi para o 4º ano de fato alfabetizado ou não”, diz.
A pedagoga Quecia de Carvalho, 49, afirma que cada aluno tem seu ritmo e por isso um relatório individual pode avaliar melhor o que foi assimilado. “Cada um tem seu tempo, então é necessário relatório da turma e individualmente dos alunos para que que se possa avaliar se os conteúdos foram realmente assimilados para assim poder seguir adiante”, explica.
De acordo com Quecia, o tempo de cada conteúdo a ser revisado depende da matéria. “Por exemplo: conteúdos de história, geografia, ciências são bem mais fáceis para compreensão em média duas a três aulas, enquanto que português e matemática o tempo pode ser bem maior, cinco a seis aulas, para compreensão e aprendizagem do aluno. Em todas essas disciplinas teoria e prática deverão ser abordadas com praticidade”, diz.
Ao ATUAL, a Seduc informou que a equipe pedagógica da Semed está montando a grade de exibição das aulas e para esse semestre estão usando as aulas da série anterior como estratégia de revisão.
O professor Abel afirma que a Semed não trabalha com semestre, mas sim bimestre. Já Darlisângela diz que a revisão deveria ir até o dia 18 deste mês. Ela atribui o atraso no fornecimento de aulas novas à pandemia.
“A Semed nos passou que seriam aulas inéditas (novas) depois do período de revisão, que em tese terminaria dia 18 (de março), mas isso ainda não ocorreu. Entendemos que estamos em pandemia, infelizmente, parte da população pensa que gravar aula em estúdio é simples e não envolve pessoas, neste caso se arriscando e colocando em risco os seus”, afirma.