Por Thiago Freire*
“O seu direito acaba quando começa o do outro” é uma frase fácil de se ouvir, mas parece longe de ser praticada. No jornalismo diário é comum ver o direito da pessoa humana ser ignorado e até violentado, e não pelo poder público ou por criminosos, mas pela própria imprensa.
Principalmente nas matérias policiais, nas quais, diariamente, são expostas pessoas presas por diversos crimes, os direitos individuais são brutalmente afrontados pelos meios de comunicação. A banalização dos casos policiais parece que serve para legitimar a conduta dos jornais para disseminar ódio e raiva.
O papel da imprensa deveria ser o de estar na linha de frente do combate aos abusos e ponderar sobre o vil sentimento de vingança, preservando e defendendo os direitos individuais. Porém, ao abrir qualquer jornal de grande circulação do nosso Estado, vemos uma “justiça instantânea”, vemos um culto ao linchamento público de um qualquer, desmerecido de defesa ou verdade.
A justificativa usada para a publicação destas matérias é o vago conceito de “interesse público”. Mas é interesse de quem? Da sociedade? Ou seria mera curiosidade e sensacionalismo barato?
A Constituição Federal de 1988 assegura, nos direitos fundamentais, o direito à intimidade, constantemente violado pelos jornais. Quando a polícia executa seu trabalho, não significa dizer que aquela pessoa cometeu determinado delito ou contravenção; esta certeza, na forma jurídica, só será dada pelo Judiciário. Mas nós, senhores das letras impressas/televisionadas/radiofonadas, damos logo um veredito, em um tribunal inquestionável.
No nosso Código Penal está tipificado o crime de difamação, cujo entendimento passa longe dos crivos textuais jornalísticos destas cercanias. No dia a dia do jornalismo policial, pouco importam os direitos, o que mais é visado é a vingança, a sede por sangue e o ódio. Tanto por parte dos profissionais de imprensa quanto pelos agentes executores. Não são todos os jornalistas e agentes que atuam assim, mas os que prestam este desserviço são ótimos no que fazem.
O crime de difamação independe de culpa do difamado. Uma pessoa pode ter matado outra, mas isso não te dá o direito (você, eu, o jornalista, que nada tem a ver com a história) de chamá-lo de assassino, ou mesmo externar a ligação da pessoa com o caso. No jornalismo dito mais sério se trocou o ter “assassino” por “suspeito”, como se isso tirasse aquela imagem para o leitor, que será outro juiz de sua interpretação. Ou seja, trata-se de um artifício hipócrita ou, talvez, de mau caratismo. O problema daquela pessoa é com a Justiça; temos leis e um Poder Judiciário para tratar de assuntos desta natureza.
A liberdade e expressão, por outro lado, é direito de todos, inclusive da imprensa, porém, paralelamente a este direito existe também a presunção à inocência, a inviolabilidade da honra e direito de imagem. Quem somos nós, jornalistas, para batermos o martelo e apontar o dedo? Seria muita presunção ou puro ódio deslocado assumirmos para nós mesmos o papel do magistrado.
É comum vermos largados da sorte expostos em capas de jornais como se fossem prêmios para uma sociedade de inquisidores. Não estou falando que são pobres inocentes, estou dizendo que são pobres coitados, que têm que pagar pelos seus erros, mas, como a Justiça determina. Seus crimes, ou suspeitas de crimes, não significa que são pessoas sem direitos, sem amparo de qualquer sorte ou direito. Muito pelo contrário, são pessoas que merecem uma atenção especial, para o bem da nossa sociedade, de nossa paz, mas que são tratados como prêmios de caçadores e espectadores sedentos por vingança, descontados seu ódio e frustração em mais um perdido.
O que é de interesse público? O que realmente muda a vida das pessoas ? Você faz parte de alguma mudança? Há prazer ? Estou invadido a privacidade de uma família ? Estou explorando a tragédia de alguém? Vou ajudar a sociedade escrevendo isto? Acho que são dúvidas que um jornalista deve sempre carregar.
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*Thiago Freire é jornalista. Escreve sobre causas humanísticas e direitos fundamentais.