Se o que acontece atrás das grades for tomado como um retrato fiel da realidade, podemos dizer então que estamos mergulhados na cruel barbárie, especialmente potencializada pelo que se convencionou chamar na última década de apagão carcerário.
Em diversas regiões do país, segundo o relatório da CPI do sistema carcerário (2009), que realizou amplo levantamento da situação das cadeias e presídios brasileiros, parece que os cárceres funcionam com o propósito de perpetuar a barbárie. Não há espaço mínimo para uma convivência segura nem saudável nos cárceres do país, muito menos para uma convivência ressocializadora como preconiza a lei de execução penal brasileira. A ociosidade nos cárceres é operada em favor do crime. A estrutura e o espaço físico, via de regra, estão aquém do que estabelecem as normas nacionais e internacionais. Programas de educação ou qualquer outra ocupação para ressocializar os presos, quando raramente existem, não cumprem sequer razoavelmente o propósito nem se importam com a eficácia. A higiene, o trabalho e as condições de segurança nos presídios são precárias, assim como a assistência médica, quase sempre irrisórias dentro das unidades que compõem o sistema no país.
Diante dessas e outras precariedades, as facções criminosas se fortalecem, ofertando assistências, alguma segurança e certas “regalias” em troca do recrutamento para a economia do crime, ditando o ritmo e a intensidade da violência e das rebeliões, bem como apoiando as frequentes fugas. É praticamente impossível a qualquer preso, nos dias atuais, cumprir sua pena sem ser forçado a fazer parte dessas facções criminosas. A quase totalidade deles é constituída de pessoas pobres e de baixa escolaridade. A maioria, jovens. Muitos nem deveriam mais estar presos, expostos a tantos riscos capitais, pois são presos provisórios ou ainda aqueles cujo excesso de prazo já lhes confere o direito a deixar o cárcere. Esse último aspecto evidencia a morosidade do processo judicial criminal e a dificuldade de satisfação da garantia à assistência jurídica. Um sistema carcerário que radicaliza na linguagem do descarte, da violência e do crime.
Com isso, o ambiente prisional brasileiro produz seres embrutecidos, truculentos, ensandecidos, bipolares, constituindo-se numa eficaz fábrica de doentes, psicopatas, doidos, latrocidas, homicidas e outros desviantes potencializados pelas condições humilhantes e degradantes de unidades do sistema prisional do país.
Outra consequência é uma espécie de assepsia prisional, sob as vistas grossas do Estado e da sociedade, decorrente do número de mortos nas prisões brasileiras: em 2007, foram 1.250 mortes, segundo levantou a CPI que investigou o sistema carcerário. Uma média anual de três mortos ao dia. Agentes carcerários são também surpreendidos ocasionalmente, sendo por vezes vitimados de modo fatal.
Torna-se evidente que o cumprimento da LEP não tem sido prioridade. Não há respeito básico às necessidades da condição humana, à formação pela penitência e para o desenvolvimento ético. Ignora-se a finalidade ressocializadora da prisão para a reintegração prevista no art. 1º da LEP. O que resta é uma ociosidade macabra, gasta com elucubrações para novos crimes, fugas e rebeliões.
Drogas, armas, celulares e outras coisas conseguem entrar nas unidades do sistema prisional do país. Há unidades prisionais, como as de segurança máxima, em que a assistência é prestada apenas com o paciente algemado e em ala dominada por facção rival. A superlotação é motivo de brigas e rebeliões e, muitas vezes, de morte para abrir vaga na cela. Um preso custava ao Estado brasileiro, em 2007, R$ 2.100,00 mensais, dez vezes mais que uma criança na escola.
É a forma mais cara de promover, enfim, a insegurança pública, pois o produto do sistema carcerário tem sido um indivíduo maximizado na carreira do crime, mais perigoso e mais articulado a facções criminosas, expondo a sociedade a maiores riscos e dramas causados pela violência e criminalidade no país, praticados dentro e fora dos presídios.
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