EDITORIAL
MANAUS – A história se repete. Nos anos que antecederam o golpe militar de 1964, muita coisa que está acontecendo na era Bolsonaro fez parte do cotidiano brasileiro. O desfile de tanques nas ruas de Brasília nesta terça-feira (10) é apenas uma das demonstrações de força típicas de ditadores. Mas o golpe que durou 20 anos teve outras nuances.
O presidente Jair Bolsonaro e seus defensores tentam tratar o desfile como coisa normal, mas nos bastidores do governo o feito desta terça foi muito bem pensado. Essa e outras reações recentes do presidente da República tem uma motivação: a ameaça real de derrota nas eleições de 2022.
Como já dissemos neste espaço, Bolsonaro não aceitará a derrota. Por isso, criou a fantasia da fraude eleitoral, tenta transformar em necessidade o tal “voto auditável” e demoniza o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luis Roberto Barroso, e o futuro presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, com o intuito de tirar qualquer credibilidade da Justiça Eleitoral em 2022.
Em 1964 um evento teve importância fundamental: a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”. O evento organizado por conservadores foi articulado depois de um discurso feito pelo então presidente João Goulart anunciando uma série de medidas que, segundo ele, colocariam o Brasil no caminho da “justiça social”.
Os conservadores, no entanto, viam o movimento de Goulart como uma guinada rumo ao comunismo e alardearam, com a ajuda da imprensa, que o governo levaria o país a uma ditadura socialista.
Desde a campanha eleitoral de 2018, esse discurso que opõe a religião ao comunismo voltou à tona e ajudou a eleger Jair Bolsonaro. “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos” foi o slogan de campanha do atual presidente.
Agora, diante dos números das pesquisas de intenção de voto, o falso discurso da ameaça comunista volta a ganhar força. Falsamente, a esquerda virou sinônimo de comunismo no discurso da direita. Bolsonaro e seus seguidores tentam vender ao povo brasileiro a ideia de que a esquerda levaria o Brasil a uma situação como a de Cuba ou Venezuela.
Aliado a esse discurso, volta com mais força o fantasma da corrupção que tanto assusta os desinformados. Tal discurso vende a ilusão de que o Brasil do presente vive sem corrupção e que a vitória de um candidato de esquerda em 2022 representaria a volta dela.
O governo, mais do que ninguém, sabe que esses discursos são insuficientes para convencer a população a manter no poder um presidente que ainda não mostrou a que veio, ainda não apresentou resultados e se mostrou uma tragédia no enfrentamento à pandemia.
A derrota iminente no Congresso Nacional na votação da proposta de voto impresso levou o presidente Jair Bolsonaro a atacar os membros do Poder Judiciário. O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luiz Fux, reagiu. A crise gerada pelos ataques de Bolsonaro reverberou no Congresso, que tem a palavra final sobre o voto impresso.
Diante do cenário político, só um tolo acreditaria que os tanques nas ruas nesta terça-feira foi uma ação trivial. Ela representa séria ameaça à democracia. Tanto é assim que o convite feito aos chefes dos demais poderes por Bolsonaro não foi atendido. Apenas o presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Ives Gandra da Silva Martins Filho, se fez presente.
Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro que se reuniram em frente ao Palácio do Planalto gritaram “Eu Autorizo” em referência a uma intervenção militar no Brasil.
A diferença de 1964 para agora é que o mundo não está polarizado entre capitalismo e comunismo como estava na chamada “guerra fia” entre Estados Unidos x União Soviética, e Bolsonaro não goza de prestígio junto ao governo de Joe Biden.
Outra diferença é que agora os meios de comunicação de maior prestígio não apoiam o movimento golpista, como apoiou em 1964, e o Congresso Nacional, por hora, está atento a esse movimento e não tem feito a vontade do presidente da República.
Mas a vigilância deve ser permanente.