EDITORIAL
MANAUS – Enquanto o STF (Supremo Tribunal Federal) se debruça sobre a quantidade de drogas que diferencia traficante de usuários, o Senado Federal resolveu pular à frente e decidiu proibir o porte de qualquer quantidade de qualquer tipo de droga por brasileiros. O porte de drogas, que já era proibido, passa a ser mais proibido ainda. Tanto no STF quanto no Senado trava-se um debate tosco sobre as drogas.
A realidade brasileira e mundial é que ninguém consegue frear o avanço do tráfico de drogas. E o problema central nem é o consumo de entorpecentes, mas a violência gerada pelas organizações criminosas que se formaram diante da proibição da venda e consumo no mundo.
No entanto, apesar da proibição, o Estado não consegue evitar nem a venda nem o consumo. Qualquer pessoa, em qualquer lugar no Brasil, a qualquer hora do dia ou da noite, querendo, encontra droga para comprar. Não há qualquer dificuldade de se conseguir a droga que se quer consumir.
E, ao contrário do que muitos pensam, o consumo não está concentrado nas periferias das cidades, mas em todas as camadas sociais. Nas baladas da classe média e das classes acima dela, o consumo rola solto. Fora das baladas, há, inclusive, serviços de delivery funcionando em plena luz do dia ou sob as luzes artificiais das noites e madrugadas. Mas a venda de drogas é apenas a ponta do novelo. Há uma rede poderosa por trás dos vendedores.
Não é novidade – muitos já disseram isso – que no combate às drogas ou na guerra às drogas, como passou a ser chamada a batalha entre estado e traficantes, os estados nacionais fracassaram. Não há êxito em lugar nenhum do mundo para servir de exemplo.
No entanto, o mundo insiste em fazer de conta que é possível combater o tráfico de drogas e as organizações criminosas que se fortaleceram com a venda de entorpecentes proibidos.
O debate é tosco porque ninguém quer discutir o problema central: a proibição. De fato, as drogas são legalmente proibidas, mas circulam livremente por todos os poros sociais, inclusive com a conivência das policiais, muitas vezes com a participação da Justiça (não são poucos os casos em que magistrados são investigados e punidos por colaborar com organizações criminosas). Políticos têm sido beneficiados pelo poder do tráfico.
A falácia de que as drogas são uma questão de saúde pública não encontra mais eco na sociedade. Os males causados pelo consumo de drogas são muito menores que o produto das guerras de facções e da polícia contra essas organizações.
O STF quer definir uma quantidade de maconha para separar usuários de traficantes, mas mantendo a proibição da venda da droga. Fazendo isso, a Suprema Corte brasileira vai apenas fortalecer o tráfico. De quem os usuários irão comprar a quantidade permitida para consumo?
Por outro lado, o Senado, ao repetir a lenga-lenga de que as drogas são nocivas para a família e para a sociedade, fecha os olhos para um problema que só cresce: a violência do tráfico e o fortalecimento das organizações criminosas. Há no Brasil um processo de simbiose entre organizações do tráfico com as milícias, e estas avançam na política, nas polícias e nos negócios, como revelaram as investigações sobre empresas de ônibus em São Paulo.
O foco na proibição das drogas só fortalece o tráfico e as organizações criminosas que dominam a venda de entorpecentes no mundo. Os Estados Unidos, que começaram a guerra às drogas há mais de cinco décadas, são o maior mercado consumidor de cocaína do mundo.
O Estado perde muito dinheiro com o tráfico de drogas. A história está aí para relembrar que toda proibição de entorpecentes no mundo se transformou em um problema para as sociedades. É hora de discutir a proibição das drogas com maturidade e a seriedade que o tema exige. É hora de construir alternativas à guerra às drogas.