Eventos extremos são muito difíceis de lidar, porque costumamos adotar os referenciais passados, assumindo que o futuro será semelhante e, tipicamente, estaremos errados. O negacionismo se apresenta caracteristicamente atacando instituições, especialmente tribunais superiores e a academia, como deliberado no Dicionário de Negacionismos no Brasil, de José Szwako e José Ratton, em um excelente texto publicado com vários termos associados com a Covid-19 e do difícil período que vivemos com ataques extremos às instituições, que reduziram, mas não foram superados em seu todo.
Passada a pandemia, temos outro evento extremo para lidar com ele que é o aquecimento global. Em setembro, o Oceano Pacífico Ocidental estava 1,6 graus centígrados além das médias entre 1991 e 2020, extrapolando o alerta de “severo” do El Niño e já se posicionando como um dos maiores da história. Quando observamos os gráficos da Copernicus C3S/ESCMWF, com dados desde 1940, o ano de 2023 será o mais quente da história e outubro foi o outubro mais quente, em uma sequência de quatro meses excepcionalmente quentes.
Os gráficos do CPRM sobre a seca no Rio Negro e Rio Amazonas, que afeta a hidrovia que atende Manaus, segue em seus patamares mais baixos e o DNIT, que conduz a obra emergencial de dragagem, após contatos diários que fiz nas últimas semanas, segue se recusando a estabelecer prazo para liberar a hidrovia com 8m de calado. O rio insiste em seguir baixo, não vemos chuva em Manaus, a fumaça ocupa a cidade, nos deixando até sem segurança respiratória. Fábricas estão sem insumos, já conseguimos constatar mais de R$ 1 bilhão de gastos excessivos com transporte para a indústria e comércio de Manaus, segundo estudos preliminares meus e do Dr. André Costa.
Por mais que os gráficos apresentem que a seca não acabou, há um grupo grande de lideranças que afirmam que a seca acabou ou estaria acabando. Acontece que nem o rio começou a subir de maneira clara, nem há chuvas abundantes, nem o calor reduziu. Estamos em um evento extremo e fica arriscado ter parâmetros na história recente, ainda mais quando há um referencial, indiretamente correlacionado, onde as empresas nunca usaram tanto a cabotagem para Manaus quanto agora.
No evento extremo anterior, a repartição modal era muito diferente. Não adianta ficar fazendo postagem no Instagram, nem em redes de WhatsApp, que isso não devolverá o calado para 8m. O que construirá isto será a chuva, pois parece que a obra é apenas para acalmar os corações e sentimentos, mas não para resolver o problema.
Em meio ao cenário colocado, cargas de navios são transbordadas para aviões e caminhões, com empresas aprendendo a seguir as leis nestas novas alternativas logísticas e os governos ávidos por arrecadar, seja nos custos excessivos, seja nas multas por processos feitos errados, simplesmente pela falta de prática e planejamento para aquela rotina excepcional, subindo ainda mais os custos gerais.
Como sociedade, precisamos retirar algum aprendizado e reconhecer os erros da caminhada até aqui, formulando novas políticas públicas para enfrentar a realidade, do incêndio e da falta de infraestrutura ou de capacidade técnica para obras emergenciais. Nas empresas, será importante repensar a repartição modal, reduzindo o peso da hidrovia na divisão dos sistemas de transportes.
São muitas ações que devem ser feitas, antes do próximo evento extremo, que não parece distante, mas, o início do fim desta crise não parece ser antes de dezembro ou janeiro, afinal não se sabe ao certo nem quantos contêineres estão retidos por aí.
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Augusto César Barreto Rocha é doutor em Engenharia de Transportes (COPPE/UFRJ), professor da UFAM (Universidade Federal do Amazonas), diretor adjunto da FIEAM, onde é responsável pelas Coordenadorias de Infraestrutura, Transporte e Logística.