A política é uma das mais importantes invenções culturais que impactou definitivamente a vida do homem em sociedade. Entre muitos aspectos, esta invenção constitui uma forma civilizada de resolver os conflitos, evitando lançar mão de ações truculentas, uma vez que estas já não têm espaço na consciência ética do ser humano. Alguns afirmam que a política é uma maneira privilegiada de fazer o bem ao semelhante e à sociedade, uma vez que uma decisão política pode impactar positivamente grande contingente de pessoas, valorizando a dignidade humana e a vida coletiva. De fato, a política é sinônimo de bem público.
Infelizmente, muitos utilizam esta ferramenta para concretizar interesses particulares, corporativos e, inclusive, escusos. Este é o caso da política exercida pelos titulares da Câmara dos Vereadores do Município de Manaus (legislatura de 2017 – 2020), nos últimos dias do ano, ao tentarem reajustar os salários dos vereadores, assim como os salários do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários, em plena época de colapso sanitário e quando é visível a deterioração das condições de vida da maioria da população da cidade.
A medida dos vereadores contraria o Artigo 8º da Lei Complementar nº 13, de 27 de maio de 2020, aprovado pelo Congresso Nacional, segundo noticiou o Portal Amazonas Atual, em 22 de dezembro de 2020. Esta norma, que os vereadores de Manaus querem abolir, proíbe o reajuste do poder legislativo até o dia 31 de dezembro de 2021, como forma de enfrentamento ao coronavírus. Trata-se de conter os gastos públicos para focar recursos nos problemas causados pela pandemia que assola o Brasil e o mundo contemporâneo.
Múltiplas entidades da sociedade civil se opõem à medida cínica dos vereadores, que buscam se beneficiar do erário público a despeito do cenário perturbador que vive a população mundial, brasileira, especificamente a população manauara, que se depara com um assustador aumento de casos e mortes nos últimos dias. Tal proposta proveniente do legislativo municipal indica o quanto os vereadores manauaras estão distantes da realidade do povo, mostrando que os interesses defendidos por eles divergem dos interesses da cidade de Manaus.
Esta atitude de legislar em causa própria é uma evidência dos tempos sombrios que configuram a política no Brasil contemporâneo. Estamos presenciando a morte da Política, pois ela já não é mobilizada para a realização do bem comum, mas para alcançar objetivos e interesses particulares. Isto é visível tanto na esfera federal, quanto nas esferas estaduais e municipais. Os poderes econômicos e corporativos desvirtuam a política, ferindo o meio ambiente, a gestão das cidades, as instituições, os bens públicos e os direitos fundamentais.
Além do Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), diversos coletivos se mobilizam para evitar esta agressão ao povo manauara: Fórum das Águas, Articulação das Mulheres do Amazonas (AMA), Articulação pela Convivência com a Amazônia (ARCA), Associação Comunitária Wotchimaku (AcW), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA), Conferência dos Religiosos (Regional Manaus), Fórum de Educação Escolar Indígena do Amazonas (Forreia), Sindicatos dos Jornalistas Profissionais do Estado do Amazonas (SJPAM), Sindicato dos Sociólogos do Amazonas, entre outros.
A sociedade precisa tomar as rédeas da política como principal forma de transformação da realidade. Enquanto o poder econômico não for colocado no seu lugar, estaremos sujeitos a aberrações que matam a democracia e o nosso povo.
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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