Nicola Pamplona, da Folhapress
RIO DE JANEIRO – Sob críticas da opinião pública, de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e de deputados, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou da intenção de tratorar a tramitação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da imunidade parlamentar.
Em vez de votar a PEC nesta sexta-feira (26), Lira, visivelmente insatisfeito, decidiu acatar a proposta de partidos de esquerda e de deputados contrários à tramitação acelerada e enviou a proposição para uma comissão especial, que fará a análise do mérito do texto.
A PEC foi acelerada pela Câmara como resposta à prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), determinada pelo ministro Alexandre de Moraes e ratificada pelos plenários do Supremo e da própria Câmara na semana passada.
A decisão da prisão teve como base a publicação de um vídeo de Silveira com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.
Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores e reduz as possibilidades de prisão em flagrante dos parlamentares.
A proposta prevê, por exemplo, punição disciplinar no conselho de ética a deputados que fizerem discursos que possam ser considerados excessivos e impede afastamento judicial cautelar de congressistas, colocando também o parlamentar preso em flagrante por crime inafiançável sob custódia da Câmara ou do Senado, e não da Polícia Federal, como no caso de Silveira.
Ao anunciar a decisão pelo recuo nesta sexta-feira, Lira procurou se desvincular da responsabilidade de acelerar a tramitação do texto e afirmou que outros líderes partidários respaldaram, na semana passada, o rito adotado para a proposição. Ele também criticou apelidos dados à proposta. “Essa não deveria ser chamada PEC da imunidade. Deveria ser chamada PEC da democracia”, afirmou.
O líder do centrão lamentou a falta de acordo sobre o texto e afirmou que o procedimento havia sido combinado com outros líderes partidários.
“Essa Casa de novo hoje não consegue consensuar a alteração de um artigo. Não é um código, é de um artigo”, disse. “Não trago essa situação toda para mim, porque a situação é de todos nós.”
Os líderes deverão fazer a indicação dos membros da comissão especial até a próxima segunda (1°).
Ao fim da sessão, Lira não quis falar com a imprensa e designou a relatora do texto, Margarete Coelho (PP-PI), para responder pelo fracasso na tramitação. A deputada afirmou que não se deveria falar de vitoriosos ou derrotados e disse que a Câmara buscava votar temas consensuais.
Sem acordo, continuou, não foi possível obter um texto pactuado que delineasse os limites de parlamentares que abusem dos direitos e de suas prerrogativas. Ela defendeu ainda a tramitação acelerada da PEC em meio a uma pandemia e afirmou que a Câmara não deixou de debater os temas relacionados à crise sanitária.
“Esta Casa em momento nenhum negligenciou quaisquer dos temas urgentes do nosso país. Claro que estarmos em um estado de pandemia dificultou, as comissões não estão funcionando”, disse. “Só reafirma o acerto do presidente de, não estando consensuado, dar um tempo maior para esta Casa para maturar esta PEC.”
O rito tradicional de uma PEC exige a votação da admissibilidade pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), para avaliar se atende aos princípios constitucionais, e o envio a uma comissão especial, responsável por avaliar o mérito da proposição. Só depois o texto segue para apreciação em plenário.
Na pandemia, a tramitação foi acelerada para votar textos considerados necessários para dar ao Estado instrumentos para enfrentar a crise sanitária -caso da PEC do Orçamento de Guerra- ou para mudar o calendário das eleições municipais.
O problema identificado por alguns congressistas foi atribuir o mesmo senso de urgência a uma PEC que era vista como forma de legislar em causa própria e que gerou forte desconforto junto a ministros do STF. A expectativa, agora, é que a PEC seja deixada em segundo plano.
A tramitação agora desta PEC foi vista como uma resposta ao que foi interpretado como uma interferência do STF em outro Poder por causa da prisão de Daniel Silveira. O texto preliminar começou a circular entre líderes partidários na terça-feira (23) e, no dia seguinte, a proposta teve a admissibilidade aprovada pelo plenário da Câmara.
A partir daí, a tramitação travou. A primeira tentativa de votar o primeiro turno da proposição, na quinta-feira (25), fracassou por falta de apoio dos congressistas. Para ser aprovada, a PEC precisa de 308 votos, em dois turnos, antes de seguir para o Senado.
Durante a obstrução realizada na sessão de quinta, as votações oscilaram de 304 a 319 votos, margem considerada arriscada para uma PEC. Uma nova sessão foi marcada para esta sexta, mas Lira não conseguiu costurar um acordo para aprovar o texto.
A sessão, marcada para começar às 10h, só teve início quase 4h30 depois. Desde o começo, Lira, irritado, já sinalizava que recuaria da intenção de acelerar a tramitação da PEC.
“Toda essa celeuma é um artigo só. Não tem impunidade, não tem blindagem, não tem nada. Só que a imunidade parlamentar precisa de ter limites quanto ao seu absolutismo de voto e voz”, afirmou.
“Mas nós vamos continuar no nosso ritmo, e, se a Casa decidir, deputado Glauber [Braga, PSOL-RJ], que o rito deverá ser o normal, deverá ir para as comissões, deverá passar o tempo que for, a Casa decidirá no seu plenário.”
Líder do PSOL na Câmara, a deputada Talíria Petrone (RJ) afirmou que não houve, entre os deputados, consenso sobre o rito que Lira queria aplicar à proposição.
“É justamente porque muitos de nós entendemos a relevância da matéria, a importância de enfrentar os abusos do Judiciário, coisa que nós do PSOL, nós do campo da esquerda fazemos há muito tempo, e também garantir as nossas prerrogativas de congressistas é que essa matéria não pode passar a toque de caixa”, disse.
A defesa do envio da PEC a uma comissão especial teve o apoio até mesmo do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). No plenário, ele afirmou que “não se pode passar mensagem para a sociedade de que esse é instrumento de proteção do cometimento de crimes ou de ilegalidades pelos parlamentares”.
A expectativa pela aprovação do projeto de lei que libera a mineração em terras indígenas na Amazônia provocou uma corrida por pedidos de pesquisa mineral na região, que já vem sofrendo com aumento do garimpo desde o início da escalada do preço do ouro, em 2019.
Segundo levantamento feito pelo Instituto Escolhas, o número de pedidos à ANM (Agência Nacional de Mineração) para pesquisar ouro em Terras Indígenas bateu recorde em 2020, chegando a 31 solicitações.
Chama a atenção o crescimento no número de pedidos para pesquisa do minério em áreas indígenas. Em 2017, oito pedidos do gênero foram feitos. No ano seguinte, 11. Em 2019, foram protocolados 21 pedidos.
A agência ainda não pode aprovar os pedidos, já que a regulamentação da atividade depende da aprovação do projeto de lei, que consta na lista de prioridades apresentadas pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ao Congresso este ano.
Mas o instituto avalia que o crescimento dos pedidos é um indicativo do interesse do mercado pela atividade e mostra o tamanho do lobby pela aprovação do projeto, uma das promessas de campanha do presidente da República.
“O pedido é o primeiro passo dentro da mineração dessas áreas, é um indicativo do interesse”, diz a gerente de Projetos e Estudos do Instituto Escolhas, Larissa Rodrigues. “E é situação contraditória: como a agência recebe pedidos para realizar atividade dentro de território sem que a legislação permita?”
Segundo levantamento do Escolhas, os pedidos ativos para explorar ouro em terras indígenas abrangem uma área de 2,4 milhões de hectares, o equivalente à área de Sergipe ou de dez cidades do tamanho do Rio de Janeiro.
A mineração nesses territórios é permitida pela Constituição, mas nunca havia sido regulamentada. Em fevereiro de 2020, Bolsonaro assinou o projeto de lei que autoriza a atividade, mas o debate ficou em segundo plano após o início da pandemia.
Em fevereiro de 2021, após a posse do presidente da Câmara, Arthur Lira, o projeto foi elencado pelo Palácio do Planalto como uma das prioridades para o ano. O presidente defende que a atividade levaria desenvolvimento econômico para a região.
A pressão pela aprovação aumentou nos últimos meses, após a disparada da cotação internacional do ouro, considerado um porto seguro para investidores após o início da pandemia do novo coronavírus. Ouro foi o investimento mais rentável no ano passado.
A nova corrida pelo ouro impulsionou o garimpo ilegal dentro da Amazônia Legal. Entre 2019 e 2020, municípios da região experimentaram um incremento de 60% na arrecadação com a Cfem, uma espécie de royalties da mineração, sobre a produção de ouro.
O valor arrecadado, R$ 132 milhões até outubro, é 18 vezes o verificado dez anos antes. A participação de municípios da Amazônia Legal de toda a arrecadação da Cfem sobre o ouro no país saltou de 13% em 2010 para 37% em 2020.
Não há dúvidas entre órgãos ambientalistas, Ministério Público e nem mesmo na ANM que parte desse crescimento se deu por meio da venda de ouro extraído de forma irregular. Em 2019, o Ministério Público deflagrou operação que apurava a compra de quase 611 quilos de ouro de origem clandestina entre 2015 e 2018.
O esquema consistia na aquisição do metal de procedência ilegal para, depois, “esquentá-lo” com um certificado de lavra em áreas legalizadas. Para especialistas, fragilidades na legislação dificultam a fiscalização para coibir fraudes.
O Instituto Escolhas diz que o aumento dos pedidos de pesquisa, mesmo sem a legislação ainda não permita a exploração em terras indígenas, é uma estratégia para marcar lugar antes da eventual aprovação do projeto de lei. E dá uma medida do aumento do lobby pela autorização.
No setor mineral, quem chega primeiro tem a preferência na avaliação dos pedidos. Assim, com a solicitação já feita, o empreendedor garante aquela área até que a agência possa avaliar o caso. Há, no entanto, dúvidas se o novo texto permitirá a análise de pedidos antigos ou começará tudo do zero.
“No setor mineral, a regra é quem chegar primeiro pega”, diz Rodrigues. “Enquanto o pedido deles está registrado na ANM, ninguém mais pode pedir naquela área.”
O Escolhas calculou também o número de pedidos para exploração de ouro em unidades de conservação, que hoje equivale a uma área de 3,8 milhões de hectares, equivalente à área da Suíça ou de sete cidades do tamanho de Brasília.
E vê forte pressão dos interessados sobre o governo. Nossa avaliação é que 2021 é um ano de bastante atenção, porque o projeto pode de fato andar rápido a qualquer momentos, visto que o lobby anda dentro do palácio do planalto”, afirma ela.
Entre as terras indígenas mais afetadas pelos pedidos, estão a TI Baú, no Pará, com 24,6% de sua área coberta por pedidos de exploração; Raposa Serra do Sol (RR), com 8%; Yanomami (AM/RR), com 7,7%; e Kayapó (PA), com 3,7%.
“Independente de quem seja [o explorador], a questão é: essas áreas são sensíveis. São de povos indígenas ou para conservação ambiental, o que não é compatível com uma atividade como a mineração, por todos os impactos que ela tem”, afirma Rodrigues.