Por Natália Cancian, da Folhapress
BRASÍLIA – Responsável por regular a conduta de médicos, a nova versão do Código de Ética desses profissionais abriu espaço para ampliação da telemedicina, tema que virou alvo de polêmica no país.
A mudança ocorre com a retirada de um artigo que vedava ao médico “consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa”, como a internet. O trecho constava da última versão do documento, de 2009.
A nova versão do código está prevista para passar a valer em 30 de abril. A retirada desse trecho, porém, não libera automaticamente as consultas online, porque o código manteve outro trecho que estabelece que o atendimento médico a distância obedecerá regulamentação própria do Conselho Federal de Medicina.
O conselheiro José Fernando Vinagre, que coordenou o processo de revisão do código, disse à reportagem que a retirada do artigo ocorreu devido às possibilidades atuais de que esse tipo de consulta seja realizada.
“Já temos uma resolução que regulamenta a telemedicina, e está em consulta pública uma mudança dessa resolução. Ela está sendo elaborada para se adaptar à movimentação mais moderna da telemedicina”, afirma.
O tema virou alvo de polêmica entre médicos desde fevereiro, quando o CFM apresentou uma resolução que passava a permitir consultas, diagnósticos e cirurgias a distância.
O texto, que chegou a ser publicado no Diário Oficial da União, previa a possibilidade de consultas pela internet após o primeiro atendimento presencial ou em casos de áreas remotas.
No entanto, críticas de conselhos regionais de medicina sobre a definição de quais seriam essas áreas, além do temor de banalizar as consultas online e afastar médicos e pacientes acabaram fazendo com que a norma fosse revogada.
Agora, o conselho diz que está coletando sugestões para que uma nova versão possa ser elaborada. Ainda não há previsão de quando o novo texto será apresentado, mas membros do conselho já admitem deixá-lo para o próximo ano.
“Precisamos trabalhar a resolução de tal forma que respeite a lei. O médico pode usar um aplicativo para fazer acompanhamento do paciente, mas nunca deixar a consulta presencial. Todo o zelo que estamos tendo é para que a relação entre médico e paciente seja preservada”, afirma o conselheiro Emmanuel Fortes.
Além da brecha para ampliação da telemedicina, a nova versão do código traz outras mudanças.
Entre elas, está trecho que autoriza o médico, quando houver autorização da Justiça, a encaminhar cópias do prontuário diretamente ao juiz que fez o pedido, sem autorização do paciente,
Uma versão anterior do código já estabelecia a entrega, mas previa consentimento do paciente.
De acordo com o CFM, a mudança ocorre devido a um impasse em ações judiciais para acesso ao documento, que contém o registro do atendimento e medicamentos ministrados ao paciente.
“Sempre nos posicionamos contrários à entrega desse documento a delegados, promotores e juízes, porque isso invadiria a privacidade e o sigilo do paciente. O que se preconizava anteriormente era que o juiz nomeasse um perito ao local que fizesse a análise de prontuário, mas houve uma decisão judicial que nos impôs a necessidade de entrega do prontuário ao juiz”, diz Vinagre.
A decisão ocorreu há cerca de dois anos e levou o conselho a emitir uma nota técnica sobre o tema aos conselhos regionais de medicina. “A partir daí, já passamos a entregar o prontuário ao juiz”, afirma. Agora, a situação passa a ser incorporada também no código para evitar dúvidas.
O novo código inclui ainda algumas mudanças na parte de pesquisa. Uma delas é a permissão do acesso dos médicos a prontuários em estudos retrospectivos, desde que com autorização de comissão de ética do hospital.
Também cria normas de proteção a participantes vulneráveis em pesquisas, como crianças, adolescentes e pessoas com doenças mentais. Neste caso, além da concordância do representante legal, a pesquisa passa a exigir que haja consentimento expresso do próprio participante, na medida da sua compreensão.
O documento também mantém o veto ao uso de placebos de forma isolada, mas abre espaço para uso combinado com outros medicamentos –como em teste de novas drogas em grupos de controle, em que um grupo recebe o novo medicamento e o outro placebo junto com medicamentos atuais.
O documento ainda incluiu artigo que diz que médicos devem respeitar normas específicas do conselho ao usar mídias sociais.
Segundo Vinagre, a inclusão ocorre diante do aumento do uso dessas ferramentas, o que tem levado o conselho a atualizar com maior frequência as normas para divulgação do trabalho nessas plataformas nos últimos anos.
“Deixamos para que seja regulada em resolução porque hoje isso é muito dinâmico. Já se tem a possibilidade de chamar um atendimento por aplicativo igual se usa para chamar um carro.”
O documento passou por três anos de discussão. Apesar das mudanças, alguns pontos, como o sigilo do atendimento e a necessidade de respeitar a vontade do paciente, permanecem como pilares do código.
O texto mantém ainda o direito de o médico não realizar atendimentos que contrariem sua consciência -situação que gera debates frequentes em casos de aborto autorizados por lei, por exemplo.
A exceção continua para situações de ausência de outro médico, em caso de urgência ou emergência, ou quando a recusa possa trazer danos ao paciente.