EDITORIAL
MANAUS – Para início de conversa, precisamos definir o que é golpe de estado. Essa necessidade é imposta pela retórica cínica dos que dizem que não houve golpe militar no Brasil em 1964. Nesta quarta-feira, 31, data que marcou o golpe daquele ano, o novo ministro da Defesa, general da reserva Walter Braga Netto, em carta, diz que o “movimento” precisa ser celebrado como parte da trajetória histórica do Brasil.
Pois bem, vamos ao conceito: o golpe de estado se caracteriza pelo ato de retirar do Poder Executivo um governante eleito democraticamente e no lugar dele assumir o poder um grupo ou pessoa que não passou pelo crivo do eleitorado de uma determinada nação.
Neste sentido, não há dúvida de que os militares tomaram o poder de assalto ao afastar um presidente eleito democraticamente, usando o discurso de que João Goulart representava o comunismo e queria implantar esse sistema de governo no Brasil.
Nestes dias em que o golpe militar brasileiro completa 57 anos, o presidente Jair Bolsonaro exonerou o ministro da Defesa e forçou os comandantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) a pedir demissão.
Tais fatos reacenderam a desconfiança de que um novo golpe de Estado estaria em curso, com a participação de militares, sob o comando do presidente da República.
Essa hipótese foi descartada por membros do alto comando das Forças Armadas tanto da ativa quanto da reserva. Mas essa não é a única diferença do Golpe de 1964 para o que pode estar sendo gestado nestes dias de 2021.
A primeira diferença é que não se trata, como em 1964, de um golpe de fora para dentro, mas de dentro para fora. As suspeitas recaem sobre o próprio presidente eleito em 2018 pelo voto popular. A intenção dele, segundo essas suspeitas, é destituir os demais poderes (Legislativo e Judiciário), reinar absoluto e permanecer no poder sem passar por um novo julgamento do eleitorado nas urnas.
Para isso, o presidente precisaria estar fortalecido e com apoios de peso. Bolsonaro está acuado diante dos fatos produzidos por ele próprio ao longo desses dois anos e três meses de governo, e agravados pela pandemia do novo coronavírus.
O presidente agiu como um desordeiro desde as primeiras orientações da Organização Mundial da Saúde sobre a doença. Fez tudo ao avesso das orientações da ciência, desdenhou do vírus, desrespeitou governadores e prefeitos e pregou a desobediência da população, que agora chora seus mais de 317 mil mortos.
O avanço da pandemia nos Estados mais “importantes” da Federação gerou reações dos demais poderes, e Bolsonaro foi obrigado a trocar dois ministros: o da Saúde, Eduardo Pazuello, e o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Aproveitou e fez mais cinco trocas, além da saída dos três comandantes das Forças Armadas.
Se a mexida feita pelo presidente tinha o objetivo de fortalecê-lo, o tiro saiu pela culatra. Ele não conseguiu apoio nem entre os militares que compõem o seu governo. Não tem apoio, para um eventual golpe, do Congresso Nacional, que foi fundamental no golpe de 1964.
E, o mais importante, não tem o apoio dos meios de comunicação que fazem jornalismo profissional. Em 1964, os grandes grupos de comunicação do país apoiaram o golpe e se arrependeram amargamente.
Agora, o que há é uma reação em cadeia desses mesmos grupos de comunicação, que se mostram vigilantes a todos os movimentos de Jair Bolsonaro e do bolsonarismo.
Nesse cenário, é possível afirmar: não vai ter golpe! Essa afirmação, no entanto, pode cair por terra se o cenário mudar, mas pelo menos até aqui não se vislumbra qualquer mudança.