EDITORIAL
MANAUS – O banco Bradesco mais uma vez se mostrou pequeno no embate com pecuaristas gerado por uma publicidade mal feita. A retratação da instituição financeira só revela a pequenez de uma empresa que explora a população de baixa renda (maioria de seus clientes) e oferece péssimos serviços em suas agencias.
O banco recuou depois que um grupo de pecuaristas organizou churrascos em frente de cinco agências no sudeste do país. Na publicidade, “influenciadoras digitais” recomendavam que o brasileiro fizesse abstinência de carne na segunda-feira pra “salvar o planeta”, uma vez que a criação de gado contribui para emissão de gases do efeito estufa e, portanto, com o aquecimento do Planeta.
Em carta de retratação, o banco diz que a publicidade foi “uma posição descabida de influenciadores digitais em relação ao consumo de carne bovina, associadas à nossa marca. Importante dizer que tal posição não representa a visão desta casa em relação ao consumo da carne bovina”.
É compreensível que o banco não queira comprar briga com clientes e potenciais clientes, mas o recuo, com o encerramento do assunto, é uma posição cômoda. Há, além da questão ambiental, uma questão de fundo em relação ao consumo de carne, em particular, e de proteína animal em geral.
Os gases metano que saem do intestino do boi e se dissipam na atmosfera é menos danoso do que o preço da carne praticado no mercado interno, que deixa milhões de brasileiros sem condição de ter em suas mesas um punhado dessa proteína animal.
Não custa lembrar que o Brasil tem mais cabeças de gado do que homens, mulheres e crianças, e que exporta a maior parte da carne dos bois criados em seus pastos para a China, Américas do Sul e do Norte e Oriente Médio.
Deixar de comer carne na segunda-feira, como sugeria a publicidade do Bradesco, seria um luxo de quem tem muito dinheiro, das famílias mais abastadas. Para a maioria das famílias brasileiras, comer carne um dia na semana é que representa um luxo.
A população de baixa renda está comendo apenas carboidrato (arroz e feijão) porque a renda não é suficiente para comprar nem as proteínas mais baratas todos os dias.
Aliás, a carne só se tornou a mais cara das proteínas populares. O preço do frango, do peixe e do ovo também dispararam nos últimos dois anos. Faz tempo que os brasileiros não comem carne bovina todos os dias e faz muito tempo que boa parte da população não come essa proteína animal dia nehum do ano.
As manifestações (churrascos) em frente às agências do Bradesco foram organizadas por quem mesmo? São pecuaristas que representam quem mesmo? Porque a maioria dos pecuaristas não faz o mínimo esforço para vender carne no mercado interno.
O preço cobrado no Brasil é infinitamente inferior aos preços do produto exportado para a China, por exemplo. No ano passado, a média de preço da carne para o mercado chinês chegou a US$ 5,40 (R$ 30,70 na contação desta sexta-feira).
No Brasil, o preço da carne mais nobre, como a que é exportada, está entre R$ 35 e R$ 55 ao consumidor. Mas sabe-se que até chegar à mesa do brasileiro, o produto passa por uma cadeia que inclui o frigorífico, o transporte, o atravessador e o revendedor final, e que nenhum elemento dessa cadeia aceita elevar em menos de 50% o valor do produto.
Exportar carne bovina é o achado. No Brasil fica a carcaça do boi e alguma carne que não é bem aceita pelos clientes de luxo. Mesmo assim, o preço deixa um fosso entre o produto e a população de baixa renda e até da classe média.
A campanha do Bradesco deveria ser um apelo para que a carne bovina chegue à mesa dos brasileiros pelo menos uma vez por semana, o que só seria possível com a redução do preço. Culpar os influenciadores e bajular os pecuaristas foi uma atitude no mínimo covarde.