Caros senadores e senadoras, deputados e deputadas, através desta moção, gostaríamos de manifestar o nosso repúdio ao processo de privatização do saneamento básico em curso no Brasil, que vem desconstruindo o espírito democrático que configura a Lei Nacional do Saneamento Básico (n° 11.445, de 05 de janeiro de 2007).
Esta postura adotada por este coletivo fundamenta-se na experiência de lidar com a privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, imposta à cidade de Manaus, a partir do ano 2000. Ao longo dos últimos 19 anos, fomos obrigados a suportar a precariedade dos serviços realizados por diversas empresas que por aqui passaram: Lyonnaise des eaux (Grupo Suez), Soluções para a Vida (SOLVÍ), Águas do Brasil e Aegea Saneamento e Participações.
Esta precariedade dos serviços, visível, sobretudo, nas periferias da cidade, tem sido evidenciada pela imprensa e diversos órgãos públicos ao longo deste período (Procon-AM, Câmara dos Vereadores de Manaus e Ministério Público do Amazonas), sendo, inclusive, recomendada, por repetidas vezes, a quebra do contrato de concessão (CPI 2005 e CPI 2012). Durante este intervalo de tempo, o baixo nível de desempenho das empresas transparece, principalmente, na falta de investimento, na abusiva elevação das tarifas, no descumprimento das metas contratuais e na remota possibilidade da universalização dos serviços de água e esgoto na cidade.
Sobre a falta de investimento, as empresas não têm recorrido aos próprios recursos, mas lançado mão de recursos públicos, de forma que a população tem sido sacrificada duplamente (pelo pagamento das tarifas e pelo dinheiro público escoado para as empresas). Estes recursos públicos provêm tanto do patrimônio da municipalidade, quanto dos cofres estaduais e federais (PAC, Caixa Econômica Federal e BNDES), sendo questionados em sentença judicial (06 de fevereiro de 2015), que detectou a existência de uma “concessão maquiada” em funcionamento (Processo nº 0026120-13.2010.8.04.0012).
No que diz respeito às elevadas tarifas cobradas pelas empresas, o Sistema Nacional de Informação sobre o Saneamento Básico (SNIS 2016) constata que o metro cúbico da água em Manaus (R$ 5,31) representa o mais caro da região norte e o 4º mais elevado do Brasil. Considerando o baixo rendimento dos moradores da cidade, estas tarifas constituem um elemento de extrema preocupação, colocando em risco o acesso à água potável, direito humano reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), em julho de 2010. Sendo obrigadas a implantar a tarifa social para favorecer aos setores mais pobres da cidade (Dec. n° 2.748/2014), as empresas têm apresentado clara resistência em levar este beneficio para os usuários que dele têm direito. De fato, num universo de 128 mil famílias potencialmente beneficiárias (cadastradas no Programa Bolsa Família) somente 6.447 estão usufruindo deste direito.[1]
Todos estes elementos acima mencionados desembocam num difícil cumprimento da universalização do abastecimento de água em Manaus. O SNIS 2016 mostra que a extensão das redes urbanas de distribuição de água chega somente a 87,79% da cidade. Mesmo sendo um dado inaceitável por estarmos às margens do maior reservatório hídrico do planeta, há o agravante de que somente 64% da população estão ligadas à rede oficial de abastecimento da empresa. Este desempenho precário da concessão privada mostra-se ainda pior quando focamos a atenção no esgotamento sanitário, o principal argumento usado para justificar a privatização dos serviços na cidade. De fato, o SNIS 2016 demonstra que a cobertura de esgotamento sanitário não passa de 10,18% de Manaus, acarretando sérios prejuízos à saúde pública e aos cursos de água existentes no entorno (igarapés e rios), onde são despejados diariamente a grandíssima maioria dos esgotos gerados.
A gestão privada dos serviços de água e esgotamento sanitário na cidade de Manaus nos impõe a certeza de que o processo de privatização do saneamento básico no Brasil representa um grande prejuízo para a sociedade brasileira, principalmente a sua parte mais pobre. A nossa experiência e a de muitas outras cidades do mundo (Paris, Berlim, Atlanta, Indianópolis, Buenos Aires, Moçambique) indicam que este processo está sendo patrocinado por interesses financeiros e grandes empresas privadas, que estão se apropriando dos recursos públicos, sem prestar um serviço de qualidade às populações locais.
Solicitamos, portanto, que os senhores senadores e senadoras, deputados e deputadas apliquem os esforços necessários em aprofundar e otimizar os serviços realizados pelas empresas públicas, mobilizando mais recursos para que elas realizem com qualidade os serviços a elas atribuídos. Que os recursos públicos transferidos para a iniciativa privada sejam investidos nas empresas públicas, fortalecendo a sua gestão a fim de que o Estado possa atender adequadamente as necessidades básicas da população, conforme rege a Constituição Cidadã de 1988.
Fórum das Águas de Manaus
Sandoval Alves Rocha Fez doutorado em ciências sociais pela PUC-RIO. Participa da coordenação do Fórum das Águas do Amazonas e associado ao Observatório Nacional dos Direitos a água e ao saneamento (ONDAS). É membro da Companhia de Jesus, trabalha no Intituto Amazonizar da PUC-Rio, sediado em Manaus.
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