Por Teófilo Benarrós de Mesquita, do ATUAL
MANAUS – O ministro André Mendonça pediu vistas da Ação Penal 864 no STF (Supremo Tribunal Federal), contra o deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM) acusado do crime de peculato por prática de ‘rachadinha’ entre janeiro de 2000 e dezembro de 2021.
Embora regimental, o pedido de Mendonça iniciou discussão sobre a possibilidade de sua aceitação ou não. A ministra presidente do STF Rosa Weber chamou atenção para o perigo de prescrição da ação por falta de julgamento. O prazo para julgamento termina em 2 de dezembro. Rosa Weber suspendeu temporariamente a sessão após o pedido.
Até então havia dois votos pela condenação de Silas Câmara, do relator Luís Roberto Barroso e do revisor Edson Fachin. Kássio Nunes Marques votou pela absolvição do deputado, membro da igreja evangélica Assembléia de Deus do Amazonas.
No retorno, três ministros anteciparam o voto, pela condenação de Silas: Alexandre de Moraes, Cármen Lucia e Rosa Weber. Dias Toffoli pediu vista conjunta. Ricardo Lewandwski e Gilmar Mendes declararam que vão proferir o voto somente após o retorno do pedido de vistas. O placar provisório é de 5 a 1 pela condenação de Silas Câmara.
O julgamento de Silas Câmara foi retomado nesta quinta-feira (10) após suspensão na semana passada, quando o relator Luís Roberto Barroso pediu a condenação do deputado a 5 anos e 3 meses de reclusão em regime semi-aberto, pagamento de 123 (cento e vinte e três) dias-multa, fixado o valor unitário em cinco salários-mínimos, e devolução aos cofres públicos de R$ 248 mil em valores da época, com a devida correção.
Voto de Fachin
No início da sessão desta quinta-feira, que marcou a retomada do julgamento, o ministro revisor, Edson Fachin, proferiu seu voto, acompanhando o relator Barroso.
No voto, Fachin cita que em “depoimento à Polícia Federal, durante a fase de inquérito, Raimundo da Silva Gomes confessou que auxiliou Silas Câmara na arrecadação de valores que os secretários parlamentares eram obrigados a repassar ao deputado”, caracterizada a prática do esquema de rachadinha.
“Em depoimento prestado a autoridades policiais, Auriberto Guedes Lima confirmou as irregularidades denunciadas por Eliúde Bacelar de Oliveira e as declarações de Raimundo da Silva Gomes”, lembrou Fachin.
“Apesar das declarações uníssonas na fase de investigação, quando ouvidos em juízo, tanto Auriberto quanto Eliúde Bacelar, sem qualquer explicação convincente, mudaram radicalmente suas declarações prestadas na fase de inquérito e negaram conhecer qualquer prática ilicíta do deputado federal Silas Câmara quanto à apropriação de parte ou da totalidade da remuneração de secretários parlamentares”, seguiu.
Com base no relatório de análise 43/2008, produzido após a quebra de sigilos bancários do réu e de envolvidos, Fachin afirma que ficou comprovada “intensa movimentação bancária realizada por Raimundo da Silva Gomes, em valores superiores à sua remuneração como assessor nomeado por Silas Câmara”.
De acordo com o relatório lido por Fachin, em depoimento prestado em audiência, outro secretário parlamentar, “Mauro Sérgio de Almeida Fatureto, admitiu receber repasses em sua conta corrente de outros secretários parlamentares para pagar despesas pessoais de Silas Câmara e seus familiares, além de realizar transferências frequentes, direta para o deputado”.
As despesas pagas eram relativas às mensalidades dos colégios das filhas de Silas e financiamentos de veículos.
A confissão consta das folhas 3.148 e 3.149 da Ação Penal, de acordo com Fachin. Outros dois parentes de Fatureto eram nomeados no gabinete de Silas e apresentaram movimentação de saque integral logo após o pagamento, com transferência para o deputado, escreve Fachin em seu voto. São Mara Lúcia Almeida Fatureto e Vera Helena Almeida Fatureto.
Fachin também indicou que “dois assessores acumulavam irregularmente cargos também na Assembleia Legislativa do Amazonas. José Francisco tinha cargos no gabinete de Silas Câmara, em Brasília, e também na Assembleia Legislativa do Amazonas, de maneira ilegal. Marcelo Amorim também tinha nomeação nos dois poderes e repassava de forma integral seus vencimentos para o deputado”.
“Diante desse acervo comprobatório, que considero robusto, a condenação do réu é medida que se impõe. Por isso acompanho integralmente o voto do relator e condenar o deputado Silas Câmara pelo crime de peculato”, declarou Édson Fachin ao seguir o voto de Barroso, pela condenação de Silas Câmara.
Absolvição de Silas
Nunes Marques votou contra o relator e o revisor, pela absolvição de Silas Câmara. O ministro, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro em agosto de 2021, defendeu a tese de nulidade de provas, a mesma do julgamento do processo de rachadinha de Flávio Bolsonaro quando deputado estadual no Rio de Janeiro
“No presente caso concreto, os elementos de provas produzidos ao longo da instrução não confirmaram aqueles apresentados na fase inquisitória, revelando-se insuficientes para acima de qualquer dúvida razoável confirmar a tese de acusação e fundamentar a condenação do réu”, argumentou.
“Caso superada a nulidade apontada, que esta Corte julgue improcedente a denúncia, absolvendo o réu Silas Câmara por insuficiência de provas seguras”, votou Nunes Marques.
Vistas e antecipação de votos
André Mendonça, o ministro “tremandamente evangélico” indicado para o STF por Bolsonaro em dezembro de 2021, se manifestou em seguida e usou também o caso da rachadinha, de forma análoga. Em seguida, pediu vista da Açao Penal. O pedido gerou debate jurídico sobre a possibilidade e efeitos. Rosa Weber suspendeu a sessão.
No retorno, Alexandre de Moraes pediu antecipação de voto e defendeu a condenação de Silas Câmara, acompanhando os votos do relator e do revisor. “A autoria criminosa é certa e forma acervo comprobatório que revela existência de recursos de dinheiro público na Câmara dos Deputados, vulgarmente conhecida como ‘rachadinha’. E é um crime continuado”, argumentou.
Dias Toffili se manifestou em seguida e pediu vista conjunta.
Carmén Lúcia também antecipou o voto antes da concessão do pedido de vistas “condenado o deputado pelo crime de peculato, com regime semi-aberto, integralmente com o relator e farei a juntada do voto”.
Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes declararam que vão esperar o retorno do pedido de vistas para proferirem seus votos.
Histórico
A Ação Penal foi apresentada pela PGR (Procuradoria Geral da República) em 2 de dezembro de 2010, a partir de denúncia feita por Eliúde Bacelar de Oliveira e por Auriberto Guedes de Lima.
Silas Câmara foi acusado de ter se apropriado de parte ou até totalidades dos salários de secretários parlamentares pagos pela Câmara dos Deputados para trabalharem em seu gabinete em Brasília e no Amazonas, entre janeiro de 2000 e dezembro de 2001.
Nesta época, um dos denunciantes, Eliúde Bacelar, era deputado estadual [1999 a 2002]. Eliúde morreu em 2014, eletrocutado, ao tentar instalar uma placa de propaganda eleitoral em sua residência, no bairro Compensa, zona oeste de Manaus.
De acordo com o MPF (Ministério Público Federal), a análise dos relatórios da quebra de sigilo bancário de Silas Câmara e 17 assessores no período em questão revela o movimento bancário assim que os secretários parlamentares recebiam salário.
Para o Ministério Público, não se sustentam os argumentos da defesa de que os valores recebidos por Silas Câmara seriam quitação de empréstimos ou adiantamentos salariais obtidos pela equipe de servidores, uma vez que não há qualquer comprovação da transferência inicial de recursos aos supostos beneficiários. A tese de que os pagamentos seriam relativos a aluguéis de 64 salas comerciais de propriedade do deputado também foi descartada pelo MPF por não haver contratos de locação que os comprovem.